Portugal que 'Gilmarpalooza' vai encontrar tem aborto e maconha liberados
Do UOL, em São Paulo
25/06/2024 04h00
Enquanto no Brasil, a Corte e o Congresso debatem a regularização do porte de maconha e o aborto legal, em Portugal as duas pautas já foram analisadas pelas autoridades há décadas.
O que aconteceu
Aborto e políticas de redução de danos. O aborto foi regularizado para qualquer mulher que decida interromper uma gestação em Portugal, independentemente do motivo, desde 2007. Já a descriminalização do uso de drogas começou a ser debatida em 1999, dois anos depois, em 2001 o governo trocou as punições por uma política de redução de danos que permite a compra e posse para consumo em dez dias.
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O aborto é legalizado em Portugal até a 10ª semana de gestação. A IVG (Lei de Interrupção Voluntária da Gravidez) entrou em vigor em junho de 2007, estabelecendo regras para o procedimento. A lei estabeleceu a criação de um programa de planejamento familiar que prevê acompanhamento médico e de uma equipe de apoio antes e depois do procedimento.
Lá, o motivo para que a mulher decida interromper uma gravidez não é relevante para a constituição. Antes disso, Portugal já permitia o aborto, mas apenas para casos onde a gestação afetasse a saúde da mãe ou estupro. A legislação lusa era considerada arcaica quando comparada com as de países da UE (União Europeia) em que a interrupção pode ser realizada até a 24ª semana gestacional, como a Grã-Bretanha, ou onde o aborto é livremente permitido, como a Finlândia.
A IVG foi parte de um conjunto de medidas aprovadas para reduzir o número de abortos clandestinos. Na época em que a lei foi votada o governo português afirmou que o país tinha uma estimativa de 25 mil abortos clandestinos por ano - boa parte deles eram feitos por adolescentes. O texto prevê que a partir dos 16 anos a mulher pode fazer aborto sem necessitar de autorização dos pais e a lei incentiva o sigilo e a descrição no procedimento, para que as mulheres se sintam encorajadas a procurar um lugar seguro e não façam abortos clandestinos.
No Brasil 500 mil abortos são feito por ano, mesmo sem legalização. O dado é da (PNA) (Pesquisa Nacional de Aborto). Para a pesquisadora Maíra Kubík, especialista em Estudos de Gênero e Feminismo, o país ainda precisa evoluir muito quando se fala em entender que o aborto é uma questão de saúde pública. Ela explica que só uma sociedade consciente sobre sexualidade e direitos reprodutivos consegue reduzir as taxas e os casos de morte durante o procedimento.
Em Portugal, o número de casos clandestinos reduziu muito após a descriminalização, porque o país investiu em políticas públicas. Uma das consequências da lei foi que as pessoas começaram a ter mais acesso à informação.
Maíra Kubík, professora do Departamento de Estudos de Gênero e Feminismo da UFBA
Saúde pública e direito individual. Para a especialista, a compreensão sobre o aborto mudou muito em Portugal após conferências da ONU na Europa. Pactos internacionais mudaram a abordagem sobre o tema. "Na europa, há compreensão de que o corpo pertence a pessoa e não ao estado", conta Kubík.
Aqui no Brasil o debate é muito recuado, estamos sempre segurando retrocessos. Quando olhamos para a taxa de violência contra a mulher, números de estupros, denúncias de assédio sexual, percebemos que existe uma lógica de controle dos corpos de mulheres.
Maíra Kubík, especialista em Teoria de Gênero na UFBA
A quantidade de drogas por usuário é uma questão nos dois países
No Brasil, o Congresso vota uma PEC que criminaliza a posse e o porte de qualquer quantidade de droga. No dia 12 de junho, o texto foi avalizado na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) por 47 votos a 17. No Senado, a medida foi aprovada por 53 votos favoráveis e nove contrários.
O STF também julga a criminalização da maconha. Para o Supremo, a lei atual brasileira não difere usuários de traficantes de drogas. O PL surgiu no Congresso como uma reação ao debate no STF. Agora, os dois poderes divergem sobre a condução do debate.
Em Portugal, a quantidade de drogas também foi levada em consideração para a construção do texto. Em 2001 o governo português trocou as punições pela política da redução de danos ao decidir que quem fosse pego com uma quantidade de "plantas, substâncias ou preparações referidas" compatíveis com o consumo em 10 dias. O consumo de maconha, cocaína, heroína e de drogas mais pesadas continuou sendo considerado ilegal, mas o usuário não chega a ser preso. Para alguns casos, foi estabelecida a possibilidade de aplicação de multas.
A lei não determina qual é essa quantidade. Na prática, é raro que alguém vá preso por portar qualquer quantidade de substâncias, que no Brasil seriam consideradas ilícitas. Os usuários são encaminhados para comissões de saúde, que são responsáveis pelas políticas de redução de danos.
Maconha, cocaína e ecstasy são as drogas com maior consumo em Portugal. No último levantamento apresentado pelo SICAD (Serviço de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas Dependências), entre 2027 e 2022 o consumo de drogas no país decresceu. Para órgão, a mudança se dá pela redução do uso de maconha, principalmente entre a população com mais de 34 anos.
Portugal continua a surgir como um dos países europeus com menores prevalências de consumo recente de canábis, de cocaína e de ecstasy, as três substâncias ilícitas com maiores prevalências de consumo recente em Portugal.
Relatório anual do país em matéria de drogas e toxicodependências de 2022, SICAD