PEC das drogas perde fôlego, mas oposição quer votá-la antes das eleições
Uma comissão especial para analisar a PEC (Proposta de Emenda à Constituição), que prevê a criminalização das drogas, está sendo instalada na Câmara dos Deputados. Mas, na avaliação de parlamentares ouvidos pelo UOL, a proposta perdeu força.
O que aconteceu
A comissão será composta por 68 deputados, sendo 34 titulares e 34 suplentes. As indicações dos partidos são proporcionais à representação de cada um deles na Câmara. Ainda não foi definido quem será o presidente. A criação da comissão foi determinada pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL).
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Ao final de 40 sessões, a PEC será analisada e votada. O prazo para propor emendas (mudanças) se encerra nas dez primeiras sessões. Depois da comissão, a proposta é analisada pelo Plenário, onde precisa de 308 votos, em dois turnos de votação. A seguir, como já foi aprovada no Senado, seria promulgada.
Oposição quer acelerar os trâmites. Deputados ouvidos pela reportagem afirmam que o objetivo é instalar o grupo antes do recesso para que a tramitação chegue ao Plenário até as eleições.
Eleições podem ser usadas para acelerar ou atrasar trabalhos da comissão. Na avaliação do diretor da Plataforma Justa, Cristiano Maronna, parlamentares estarão envolvidos em agendas municipais em suas bases eleitorais, o que pode atrasar a tramitação. Ao mesmo tempo, porém, partidos de direita e extrema direita pode usar o tema com objetivos de obter ganhos eleitorais.
A eleição acirra a resistência da oposição em relação à decisão do Supremo. Uma das bandeiras da extrema direita é confrontar o STF. A disputa eleitoral assanha a direita radical a levantar bandeiras moralistas alinhadas ao modelo político de guerra ao crime.
Cristiano Maronna, diretor da Plataforma Justa
Em junho, o STF descriminalizou o porte de maconha para uso pessoal e diferenciou usuário de traficante. A quantidade de 40 gramas de maconha ou 6 plantas fêmeas foi estabelecida como a máxima permitida para que uma pessoa seja considerada usuária.
Oposição quer PEC analisada antes das eleições
Na avaliação do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), o momento não é o ideal para a discussão da PEC. O UOL apurou que Pacheco disse a interlocutores que questões como essas não devem ser discutidas em um momento eleitoral. Ele é o relator da proposta que foi aprovada pelo Senado em abril.
Para o líder da oposição, a decisão do STF acelera tramitação da PEC na Câmara. "O Congresso já esperava, mas apesar de ser algo previsível, existe um sentimento comum de que isso não deveria ter sido decidido pelo Judiciário", diz Filipe Barros (PL-PR). "Queremos instalar a comissão antes do recesso. Na volta, começaria a ser analisada para ser votada antes das eleições municipais."
O texto que veio do Senado considera crime a posse e o porte de qualquer quantidade de droga. "Essa é a posição de quase a maioria da oposição: que seja criminalizada qualquer quantidade e tipo de droga", diz Barros. O deputado Antonio Carlos Nicoletti (União-RR) também defendeu a criminalização. Nas redes sociais, ele criticou a decisão da Suprema Corte. "O STF está legislando", disse.
Governo defende mais discussão
"Mudança na Constituição não pode ser a toque de caixa", afirma padre João (PT-MG). Ele diz que o tema deve ser mais debatido com a sociedade. "Um assunto como esse precisa de dados, pesquisa, estatísticas do sistema prisional e estudos aprofundados." Segundo o parlamentar, é preciso avançar "com a democracia mais participativa".
Pressão e mobilização podem alterar o jogo de forças no Congresso. Para o deputado Pastor Henrique Vieira (PSOL-RJ), a oposição tem maioria para acelerar a aprovação da PEC, mas os parlamentares da base aliada vão trabalhar pelo contrário. "Pretendo alterar esse prognóstico no amplo debate com a sociedade civil, demonstrando que a lógica de criminalização do usuário é racista e não acolhe as pessoas que desenvolvem algum tipo de vício e dependência".
Pastor afirma que PEC das drogas fomenta política ineficiente. "Tende a explodir ainda mais o sistema carcerário e, nesse sentido, fortalecer organizações criminosas", diz. "É uma política que derrama sangue, destrói famílias, mães vítimas de violência, jovens, especialmente negros, pobres e periféricos, criminalizados ou executados. Pretendo debater que essa lógica de criminalização é custosa e não resolve o problema."
Decisão do Judiciário foi considerada um avanço, segundo o parlamentar. "Houve o mínimo de sensibilidade [do STF], enquanto quem deveria legislar se omite. Quero apostar que a gente avance na mesma linha que o STF", afirmou. O deputado Carlos Zarattini (PT-SP) diz que a PEC tem objetivo político. "Não querem resolver o problema, querem jogar uma pecha de que tudo foi liberado, às vésperas das eleições."
O deputado defende diferenciação entre as drogas, em vez de criminalizar todas elas, como faz a PEC. "É um absurdo comparar a maconha com a cocaína. A maconha é uma planta medicinal, que não pode ser entendida como uma droga", diz. "Queremos fazer parte dessa comissão em sintonia com o STF e com a academia pela descriminalização. Alguns setores do governo ficam acuados em relação a alguns temas, mas temos que mostrar a verdade com ciência e dados."
Reforma tributária e repercussão do PL antiaborto impactariam na tramitação. Deputados ligados ao governo acreditam que outras votações terão prioridade, como a votação da reforma. "Eles [oposição] tiveram uma derrota política muito grande com o PL do aborto", afirma Zarattini. Para ele, o desfecho do PL acendeu luz vermelha para propostas com caráter moral.
Tramitação entre Poderes
Caso aprovada, a PEC terminaria sendo questionada no STF. Na avaliação de Maronna, ainda que a proposta seja promulgada, ela seria objeto de ação direta de inconstitucionalidade por parte de entidades sociais junto ao STF. "Os mesmo motivos que fizeram os ministros declararem inconstitucional o artigo 28 os fariam declarar inconstitucional a PEC das drogas."
Tramitação da PEC é vista como tentativa de "emparedamento" do Supremo, segundo Maronna. "Não é papel do Congresso confrontar o Supremo nas decisões que ele toma. No lugar da harmonia e independência entre Poderes, há uma tentativa de emparedamento."
Maronna afirma que a PEC das drogas é inconstitucional, apesar de ter tido a admissibilidade aprovada na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara. A proposta feriria o artigo 5º da Constituição, que prevê direitos e garantias fundamentais. "O artigo trata dos limites da intervenção do Estado à proteção da vida privada. Ele aborda uma série de questões, entre elas, as drogas. Os direitos fundamentais não podem ser violados nem pelo Estado. Há uma limitação do poder estatal na esfera da intimidade, e o ato de usar drogas se insere nesse contexto."
Passadas as eleições, é preciso buscar um consenso institucional entre os Poderes de forma republicana.
Cristiano Maronna, diretor da Plataforma Justa