Sob Lula e Alcolumbre, Telebras dobra dívida milionária com fornecedores
A Telebras dobrou a dívida milionária que tinha com fornecedores e viu seu programa de inclusão digital — o mais antigo do governo federal — perder arrecadação no último ano.
Os resultados ocorreram após a troca de toda a diretoria da estatal -- vinculada ao Ministério das Comunicações - entre abril e outubro de 2023.
O presidente Lula (PT) deixou a pasta e a Telebras sob a influência do senador Davi Alcolumbre (União-AP), principal cotado para assumir a presidência do Senado em 2025.
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Lula retirou a estatal da lista de privatizações após ela ter sido incluída nesse rol pelo governo de Jair Bolsonaro (PL). "Vai acabar privatizações neste país. Já privatizaram quase tudo. Mas vai acabar e nós vamos provar que algumas empresas públicas vão poder mostrar a sua rentabilidade", disse Lula semanas antes de assumir o terceiro mandato.
O presidente visitou hoje (27) o Centro de Operações Espaciais Principal da empresa, em Brasília.
Os cortes no programa de inclusão digital da Telebras ocorreram após Lula lançar uma política prioritária para levar ou melhorar a internet de todas as 138 mil escolas públicas do país.
Em nota, a Telebras informou que "a expectativa é resolver a atual dívida em 2025". Também afirmou estar "em negociação com novos clientes, que contribuirão para aumentar ainda mais as receitas da empresa".
Procurado, o Palácio do Planalto não comentou.
Direção tem policial e ex-funcionária do governo do AP
Davi Alcolumbre é padrinho do ministro Juscelino Filho (União-MA) e abriu, na Telebras, cargos de assessoria e direção a aliados. Entre eles, estão:
O presidente da Telebras, Frederico de Siqueira Filho: indicado pelo senador Efraim Filho (União-PB), trabalhou na Oi por 21 anos.
O chefe de gabinete da presidência, Romualdo Rolim Neto: primo da esposa de Siqueira Filho.
A diretora administrativo-financeira e de relações com investidores, Tatiana Miranda: ex-funcionária do governo do Amapá.
O diretor de governança, Wallyson Lemos: policial civil indicado pela senadora Professora Dorinha (União-TO).
O ouvidor, João Evangelista Guedes Filho: ex-secretário parlamentar de Efraim Filho.
O gerente do escritório de Belém, Celso Sabino Sobrinho: sobrinho do ministro do Turismo, Celso Sabino (União-PA).
O gerente de compras e contratos, George Façanha: advogado do Amapá.
O gerente jurídico, Edson Holanda: indicado de Alcolumbre.
Embora a Telebras seja cota do senador, as nomeações na diretoria passam pelo escrutínio do governo. Foi o Ministério da Casa Civil que analisou as indicações.
Sob Bolsonaro, a estatal esteve sob controle político do PSD e do PP.
Quatro dos cinco cargos de direção foram trocados entre abril e agosto do ano passado. A quinta vaga foi preenchida em outubro.
Dívida dobra e arrecadação cai
Neste mês, o relatório financeiro da Telebras apontou que a dívida com fornecedores subiu 105% em um ano — de R$ 87,7 milhões, em junho de 2023, para R$ 180,5 milhões um ano depois.
O Ebitda ajustado (lucro antes de juros, impostos, amortizações e depreciação) do primeiro semestre caiu 67,4%.
Segundo a estatal, a redução desse indicador — usado para avaliar empresas na bolsa de valores — é explicada pelo crescimento de custos e despesas operacionais da empresa e pela diminuição da receita operacional líquida e dos recursos recebidos do orçamento.
A receita operacional líquida (resultado da empresa após dedução de impostos e outros descontos) caiu 10% no primeiro semestre deste ano ante o mesmo período de 2023 — saiu de R$ 198 milhões para R$ 178 milhões.
Segundo a estatal, esse resultado foi afetado pela redução de pontos de internet via satélite a escolas, unidades de saúde, aldeias e assentamentos. A coordenação desse programa — o Gesac (Governo Eletrônico - Serviço de Atendimento ao Cidadão) — cabe ao Ministério das Comunicações, e a execução, à Telebras.
O Gesac foi cortado pela metade em janeiro — semanas após a renovação do contrato.
O acordo firmado em dezembro prevê investimento de R$ 3,1 bilhões em cinco anos. A estimativa é instalar 28 mil conexões com velocidades mais altas do que o contrato anterior.
No entanto, atualmente há apenas 10,4 mil conexões ativas.
Em dezembro, o Gesac tinha mais que o dobro de pontos no país (21,7 mil), segundo o ministério informou via LAI (Lei de Acesso à Informação).
A redução dos pontos gerou "um impacto negativo" de R$ 11 milhões na receita durante o primeiro trimestre de 2024, segundo relatório financeiro do período.
A diminuição de conexões do Gesac pode deixar ociosa uma parte do SGDC (Satélite Geoestacionário de Defesa e Comunicações Estratégicas). Controlado pela Telebras e pelo Ministério da Defesa, é esse o satélite que transmite a internet do programa.
Lançado em 2017, o equipamento começou a ser construído em 2014, no governo Dilma Rousseff (PT). A vida útil do satélite - que custou R$ 2,7 bilhões - pode chegar a 18 anos.
Ministério corta conexões após Lula anunciar política
O corte de pontos do programa, incluindo de escolas, ocorreu menos de quatro meses após o lançamento da Enec (Estratégia Nacional de Escolas Conectadas) — política prioritária do governo Lula para levar ou melhorar a internet de todas as unidades de ensino do país.
Lançada em setembro passado, a estratégia prevê usar R$ 3 bilhões do leilão do 5G para pagar a conexão de até 40 mil escolas por um período de dois anos.
A verba do 5G é gerenciada por um grupo ligado à Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações) e aos ministérios da Educação e das Comunicações.
As obras bancadas com o recurso são executadas por uma entidade, cujo presidente foi indicado por Juscelino Filho.
Na prática, ao cortar pontos, o Ministério das Comunicações aumentou o número de escolas que precisarão ser atendidas por outras vias — dentre elas, com o emprego do dinheiro do leilão.
Antes da assinatura do contrato do Gesac, as Comunicações estimaram o investimento anual no programa. Para este ano, eram previstos R$ 570 milhões.
Em dezembro, no entanto, outro despacho indicou que a disponibilidade de orçamento da pasta para o Gesac seria de apenas R$ 55 milhões neste ano — 9,6% do necessário.
O programa poderia receber recursos de emendas parlamentares, mas "a utilização depende da priorização e indicação" de deputados e senadores, conforme sinalizou a área técnica.
Possibilidade de novos contratos em 2027
O peso do Gesac na arrecadação da Telebras é reforçado pela ausência de novos contratos que gerem receitas extras à estatal.
Em 2023, o governo sancionou uma lei que dá preferência à estatal para fornecer serviços de banda larga a órgãos públicos federais.
Até 2027, a Telebras espera começar a gestão de uma rede de comunicação segura da administração pública federal — ativo considerado valioso no mercado de telecomunicações.
A construção será bancada com recursos do leilão do 5G.
Orçamento e articulação política
A Telebras é dependente do governo desde janeiro de 2020 e, por isso, recebe recursos orçamentários para pagar pessoal, custeio e investimento.
Para este ano, o orçamento está previsto em R$ 828 milhões. Deste total, R$ 279 milhões são, contudo, reserva de contingência que atende problemas fiscais não previstos.
Isso significa que a empresa tem R$ 549 milhões de limite orçamentário para tocar suas atividades neste ano. Os gastos da Telebras são pagos com caixa próprio e recursos recebidos do governo.
Segundo relatórios financeiros, o governo diminuiu os repasses à estatal em 35% na primeira metade do ano — de R$ 152 milhões no primeiro semestre de 2023 para R$ 98 milhões no mesmo período deste ano.
O relatório mais recente aponta que a Telebras tem R$ 430 milhões em caixa. O valor, no entanto, não pode ser usado para quitar a dívida com fornecedores porque a empresa precisa respeitar o teto orçamentário.
Para gastar mais, precisaria aumentar o limite junto ao governo, que tenta zerar o déficit das contas públicas neste ano. Em julho, Lula assinou um decreto cortando R$ 15 bilhões do orçamento.
Telebras fala em reestruturação, e ministério nega substituir diretoria
Procurada, a Secretaria de Comunicação da Presidência afirmou que "as questões específicas serão tratadas pelos respectivos órgãos governamentais".
Em nota, a Telebras relatou ter "mais de R$ 1 bilhão em caixa" e que o governo "avalia a viabilidade da reestruturação estratégica da companhia, que permitirá a utilização dos recursos disponíveis".
"Embora a Telebras possua recursos que superam suas dívidas com fornecedores, esses fundos não estão acessíveis devido à vinculação ao orçamento geral da União", registrou a estatal.
"Nos últimos dois anos, a Telebras aumentou sua receita de R$ 347,8 milhões para R$ 489,4 milhões. Os resultados da empresa foram apresentados aos órgãos reguladores competentes."
Segundo a estatal, o corte de 10 mil pontos do Gesac tem "diversos motivos, incluindo locais que não utilizavam mais a conexão satelital, locais que passaram a contar com outras alternativas de internet, como banda larga por fibra óptica, encerramento de atividades ou parcerias, entre outros".
"Estão em andamento negociações para atender escolas públicas e postos de saúde, com previsão de atingir 20 mil pontos até o final deste ano", apontou.
A companhia declarou que o SGDC "será utilizado de forma prioritária para atender a política pública de inclusão digital do governo federal, alocando toda a capacidade disponível de acordo com as regiões atendidas".
"Caso seja necessário, a empresa utilizará capacidade de terceiros, pois atualmente a empresa se posiciona como integradora de soluções satelitais", informou.
O Ministério das Comunicações enviou ao UOL uma nota semelhante à da Telebras.
A pasta afirmou que, "nos últimos dois anos, a receita da Telebras aumentou de R$ 347,8 milhões para R$ 489,4 milhões, refletindo a eficácia da atual diretoria, que não será substituída".
A pasta registrou que "trabalha em diversas frentes para expandir a conexão no país, como os programas Norte e Nordeste Conectado, que levam fibra óptica a regiões distantes".
"À medida que esses programas avançam, a utilização da tecnologia satelital pode diminuir, mas isso não representa uma redução no atendimento a escolas, unidades de saúde ou outros órgãos públicos. Pelo contrário, o objetivo é sempre proporcionar a melhor tecnologia disponível", afirmou o ministério.
O Ministério da Fazenda informou ao UOL que, "por força do sigilo fiscal, a Receita não irá se manifestar" sobre os recursos orçamentários (subvenções) repassados à estatal.
"Cabe destacar que a Telebras é uma empresa estatal dependente e, por isso, faz parte do orçamento do Ministério das Comunicações, que é o responsável pela supervisão de suas atividades", registrou.
Procurados, os senadores Davi Alcolumbre, Efraim Filho e Professora Dorinha não se manifestaram.