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Sob Lula e Alcolumbre, Telebras dobra dívida milionária com fornecedores

O presidente Lula (PT) e o senador Davi Alcolumbre (União Brasil - AP) em cerimônia em Macapá, em dezembro de 2023 Imagem: Ricardo Stuckert/PR

Do UOL, em Brasília

27/08/2024 05h30Atualizada em 27/08/2024 15h10

A Telebras dobrou a dívida milionária que tinha com fornecedores e viu seu programa de inclusão digital — o mais antigo do governo federal — perder arrecadação no último ano.

Os resultados ocorreram após a troca de toda a diretoria da estatal -- vinculada ao Ministério das Comunicações - entre abril e outubro de 2023.

O presidente Lula (PT) deixou a pasta e a Telebras sob a influência do senador Davi Alcolumbre (União-AP), principal cotado para assumir a presidência do Senado em 2025.

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Lula retirou a estatal da lista de privatizações após ela ter sido incluída nesse rol pelo governo de Jair Bolsonaro (PL). "Vai acabar privatizações neste país. Já privatizaram quase tudo. Mas vai acabar e nós vamos provar que algumas empresas públicas vão poder mostrar a sua rentabilidade", disse Lula semanas antes de assumir o terceiro mandato.

O presidente visitou hoje (27) o Centro de Operações Espaciais Principal da empresa, em Brasília.

Os cortes no programa de inclusão digital da Telebras ocorreram após Lula lançar uma política prioritária para levar ou melhorar a internet de todas as 138 mil escolas públicas do país.

Em nota, a Telebras informou que "a expectativa é resolver a atual dívida em 2025". Também afirmou estar "em negociação com novos clientes, que contribuirão para aumentar ainda mais as receitas da empresa".

Procurado, o Palácio do Planalto não comentou.

Direção tem policial e ex-funcionária do governo do AP

Davi Alcolumbre é padrinho do ministro Juscelino Filho (União-MA) e abriu, na Telebras, cargos de assessoria e direção a aliados. Entre eles, estão:

O presidente da Telebras, Frederico de Siqueira Filho: indicado pelo senador Efraim Filho (União-PB), trabalhou na Oi por 21 anos.

O chefe de gabinete da presidência, Romualdo Rolim Neto: primo da esposa de Siqueira Filho.

A diretora administrativo-financeira e de relações com investidores, Tatiana Miranda: ex-funcionária do governo do Amapá.

O diretor de governança, Wallyson Lemos: policial civil indicado pela senadora Professora Dorinha (União-TO).

O ouvidor, João Evangelista Guedes Filho: ex-secretário parlamentar de Efraim Filho.

O gerente do escritório de Belém, Celso Sabino Sobrinho: sobrinho do ministro do Turismo, Celso Sabino (União-PA).

O gerente de compras e contratos, George Façanha: advogado do Amapá.

O gerente jurídico, Edson Holanda: indicado de Alcolumbre.

Embora a Telebras seja cota do senador, as nomeações na diretoria passam pelo escrutínio do governo. Foi o Ministério da Casa Civil que analisou as indicações.

Sob Bolsonaro, a estatal esteve sob controle político do PSD e do PP.

Quatro dos cinco cargos de direção foram trocados entre abril e agosto do ano passado. A quinta vaga foi preenchida em outubro.

O senador Davi Alcolumbre (à esquerda) e o ministro Juscelino Filho (à direita) participaram da inauguração da Infovia 03 em Macapá, em maio. Imagem: Kayo Sousa/Ministério das Comunicações

Dívida dobra e arrecadação cai

Neste mês, o relatório financeiro da Telebras apontou que a dívida com fornecedores subiu 105% em um ano — de R$ 87,7 milhões, em junho de 2023, para R$ 180,5 milhões um ano depois.

O Ebitda ajustado (lucro antes de juros, impostos, amortizações e depreciação) do primeiro semestre caiu 67,4%.

Segundo a estatal, a redução desse indicador — usado para avaliar empresas na bolsa de valores — é explicada pelo crescimento de custos e despesas operacionais da empresa e pela diminuição da receita operacional líquida e dos recursos recebidos do orçamento.

A receita operacional líquida (resultado da empresa após dedução de impostos e outros descontos) caiu 10% no primeiro semestre deste ano ante o mesmo período de 2023 — saiu de R$ 198 milhões para R$ 178 milhões.

Segundo a estatal, esse resultado foi afetado pela redução de pontos de internet via satélite a escolas, unidades de saúde, aldeias e assentamentos. A coordenação desse programa — o Gesac (Governo Eletrônico - Serviço de Atendimento ao Cidadão) — cabe ao Ministério das Comunicações, e a execução, à Telebras.

O Gesac foi cortado pela metade em janeiro — semanas após a renovação do contrato.

O acordo firmado em dezembro prevê investimento de R$ 3,1 bilhões em cinco anos. A estimativa é instalar 28 mil conexões com velocidades mais altas do que o contrato anterior.

No entanto, atualmente há apenas 10,4 mil conexões ativas.

Em dezembro, o Gesac tinha mais que o dobro de pontos no país (21,7 mil), segundo o ministério informou via LAI (Lei de Acesso à Informação).

A redução dos pontos gerou "um impacto negativo" de R$ 11 milhões na receita durante o primeiro trimestre de 2024, segundo relatório financeiro do período.

A diminuição de conexões do Gesac pode deixar ociosa uma parte do SGDC (Satélite Geoestacionário de Defesa e Comunicações Estratégicas). Controlado pela Telebras e pelo Ministério da Defesa, é esse o satélite que transmite a internet do programa.

Lançado em 2017, o equipamento começou a ser construído em 2014, no governo Dilma Rousseff (PT). A vida útil do satélite - que custou R$ 2,7 bilhões - pode chegar a 18 anos.

Ministério corta conexões após Lula anunciar política

O corte de pontos do programa, incluindo de escolas, ocorreu menos de quatro meses após o lançamento da Enec (Estratégia Nacional de Escolas Conectadas) — política prioritária do governo Lula para levar ou melhorar a internet de todas as unidades de ensino do país.

Lançada em setembro passado, a estratégia prevê usar R$ 3 bilhões do leilão do 5G para pagar a conexão de até 40 mil escolas por um período de dois anos.

A verba do 5G é gerenciada por um grupo ligado à Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações) e aos ministérios da Educação e das Comunicações.

As obras bancadas com o recurso são executadas por uma entidade, cujo presidente foi indicado por Juscelino Filho.

Na prática, ao cortar pontos, o Ministério das Comunicações aumentou o número de escolas que precisarão ser atendidas por outras vias — dentre elas, com o emprego do dinheiro do leilão.

Antes da assinatura do contrato do Gesac, as Comunicações estimaram o investimento anual no programa. Para este ano, eram previstos R$ 570 milhões.

Em dezembro, no entanto, outro despacho indicou que a disponibilidade de orçamento da pasta para o Gesac seria de apenas R$ 55 milhões neste ano — 9,6% do necessário.

O programa poderia receber recursos de emendas parlamentares, mas "a utilização depende da priorização e indicação" de deputados e senadores, conforme sinalizou a área técnica.

Possibilidade de novos contratos em 2027

O peso do Gesac na arrecadação da Telebras é reforçado pela ausência de novos contratos que gerem receitas extras à estatal.

Em 2023, o governo sancionou uma lei que dá preferência à estatal para fornecer serviços de banda larga a órgãos públicos federais.

Até 2027, a Telebras espera começar a gestão de uma rede de comunicação segura da administração pública federal — ativo considerado valioso no mercado de telecomunicações.

A construção será bancada com recursos do leilão do 5G.

Orçamento e articulação política

A Telebras é dependente do governo desde janeiro de 2020 e, por isso, recebe recursos orçamentários para pagar pessoal, custeio e investimento.

Para este ano, o orçamento está previsto em R$ 828 milhões. Deste total, R$ 279 milhões são, contudo, reserva de contingência que atende problemas fiscais não previstos.

Isso significa que a empresa tem R$ 549 milhões de limite orçamentário para tocar suas atividades neste ano. Os gastos da Telebras são pagos com caixa próprio e recursos recebidos do governo.

Segundo relatórios financeiros, o governo diminuiu os repasses à estatal em 35% na primeira metade do ano — de R$ 152 milhões no primeiro semestre de 2023 para R$ 98 milhões no mesmo período deste ano.

O relatório mais recente aponta que a Telebras tem R$ 430 milhões em caixa. O valor, no entanto, não pode ser usado para quitar a dívida com fornecedores porque a empresa precisa respeitar o teto orçamentário.

Para gastar mais, precisaria aumentar o limite junto ao governo, que tenta zerar o déficit das contas públicas neste ano. Em julho, Lula assinou um decreto cortando R$ 15 bilhões do orçamento.

Telebras fala em reestruturação, e ministério nega substituir diretoria

Procurada, a Secretaria de Comunicação da Presidência afirmou que "as questões específicas serão tratadas pelos respectivos órgãos governamentais".

Em nota, a Telebras relatou ter "mais de R$ 1 bilhão em caixa" e que o governo "avalia a viabilidade da reestruturação estratégica da companhia, que permitirá a utilização dos recursos disponíveis".

"Embora a Telebras possua recursos que superam suas dívidas com fornecedores, esses fundos não estão acessíveis devido à vinculação ao orçamento geral da União", registrou a estatal.

"Nos últimos dois anos, a Telebras aumentou sua receita de R$ 347,8 milhões para R$ 489,4 milhões. Os resultados da empresa foram apresentados aos órgãos reguladores competentes."

Segundo a estatal, o corte de 10 mil pontos do Gesac tem "diversos motivos, incluindo locais que não utilizavam mais a conexão satelital, locais que passaram a contar com outras alternativas de internet, como banda larga por fibra óptica, encerramento de atividades ou parcerias, entre outros".

"Estão em andamento negociações para atender escolas públicas e postos de saúde, com previsão de atingir 20 mil pontos até o final deste ano", apontou.

A companhia declarou que o SGDC "será utilizado de forma prioritária para atender a política pública de inclusão digital do governo federal, alocando toda a capacidade disponível de acordo com as regiões atendidas".

"Caso seja necessário, a empresa utilizará capacidade de terceiros, pois atualmente a empresa se posiciona como integradora de soluções satelitais", informou.

O Ministério das Comunicações enviou ao UOL uma nota semelhante à da Telebras.

A pasta afirmou que, "nos últimos dois anos, a receita da Telebras aumentou de R$ 347,8 milhões para R$ 489,4 milhões, refletindo a eficácia da atual diretoria, que não será substituída".

A pasta registrou que "trabalha em diversas frentes para expandir a conexão no país, como os programas Norte e Nordeste Conectado, que levam fibra óptica a regiões distantes".

"À medida que esses programas avançam, a utilização da tecnologia satelital pode diminuir, mas isso não representa uma redução no atendimento a escolas, unidades de saúde ou outros órgãos públicos. Pelo contrário, o objetivo é sempre proporcionar a melhor tecnologia disponível", afirmou o ministério.

O Ministério da Fazenda informou ao UOL que, "por força do sigilo fiscal, a Receita não irá se manifestar" sobre os recursos orçamentários (subvenções) repassados à estatal.

"Cabe destacar que a Telebras é uma empresa estatal dependente e, por isso, faz parte do orçamento do Ministério das Comunicações, que é o responsável pela supervisão de suas atividades", registrou.

Procurados, os senadores Davi Alcolumbre, Efraim Filho e Professora Dorinha não se manifestaram.

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