O que é a anistia pedida pelos bolsonaristas em Copacabana
16/03/2025 11h45
Entre críticas ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva e ao ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Alexandre de Moraes, o principal pedido visto no ato de bolsonaristas na praia de Copacabana é "Anistia Já". A manifestação, convocada pelo ex-presidente Jair Bolsonaro, tem como mote a concessão de um "perdão" aos condenados pelos ataques de 8 de janeiro de 2023 e também ao próprio Bolsonaro, denunciado pela PGR (Procuradoria-Geral da República) por tentativa de golpe de Estado.
A anistia é um mecanismo jurídico que extingue a punição de determinados crimes, mas possui limites legais. Especialistas explicam até onde vai esse perdão e alertam sobre os riscos de sua aplicação.
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O que é anistia
Anistia é uma forma de extinção de punibilidade, prevista no Código Penal. Basicamente, é uma espécie de "perdão", concedido dentro da lei, a algum crime cometido. No Brasil, somente o Congresso Nacional pode conceder anistia, por meio da aprovação de uma lei federal, que depois precisa ser sancionada pelo Presidente da República. Diferente do indulto ou da graça, que são concedidos pelo presidente diretamente a indivíduos ou grupos, a anistia é um perdão coletivo, geralmente aplicado a crimes políticos ou a situações excepcionais.
A anistia é um mecanismo legal que representa a renúncia do Estado ao seu direito de punir. O constitucionalista Wagner Gundim explica que, segundo a doutrina jurídica, ela pode ser entendida como "uma das possíveis formas de renúncia formalizada pelo Estado quanto ao seu direito de punir", sendo materializada por ato do Congresso Nacional, capaz de excluir a punibilidade de atos criminosos e os efeitos da condenação. Ele menciona que essa definição é trazida pelo ministro do STF Luís Roberto Barroso, em obra recente.
No Brasil, a Lei da Anistia (Lei nº 6.683/1979) foi aplicada durante a ditadura militar para perdoar crimes políticos cometidos entre 1961 e 1979, incluindo perseguições, cassações e até crimes praticados por agentes da repressão.
Todos os crimes podem ser anistiados?
Nem todos os crimes podem ser anistiados. A Constituição Federal impõe limites à concessão de anistia. O artigo 5º, XLIII (43), determina que crimes de tortura, tráfico ilícito de drogas, terrorismo e crimes hediondos não podem ser anistiados.
Além disso, o artigo 5º, XLIV (44), estabelece que "a ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático" é inafiançável e imprescritível. Especialistas apontam que essa cláusula pode significar que tais crimes também sejam inatacáveis por anistia, pois, se eles não podem ser relativizados por fiança e nunca deixam de ser passíveis de punição, então também não deveriam ser passíveis de perdão legislativo.
Os ataques de 8 de janeiro de 2023 à sede dos Três Poderes envolvem crimes como golpe de Estado (art. 359-M do Código Penal), tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito (art. 359-I) e organização criminosa armada (art. 2º da Lei 12.850/2013). Dependendo da interpretação do Supremo Tribunal Federal (STF), esses crimes podem ser considerados inelegíveis para anistia.
Precedente perigoso
O ex-presidente Jair Bolsonaro convocou atos para 6 de abril em São Paulo e 16 de março no Rio de Janeiro para pressionar o Congresso a conceder anistia aos condenados pelos ataques de 8 de janeiro. O movimento busca beneficiar não somente os manifestantes presos, mas também o próprio Bolsonaro, denunciado pela Procuradoria-Geral da República (PGR) por tentativa de golpe de Estado.
A PGR já apresentou uma denúncia contra Bolsonaro ao STF e prevê pelo menos mais quatro acusações contra ele, reforçando o interesse do político por uma possível anistia. A proposta gerou forte reação entre especialistas em direito constitucional e penal, que alertam para riscos jurídicos e políticos.
Especialistas ouvidos pelo UOL são unânimes em afirmar que conceder anistia neste contexto abriria um precedente perigoso, enfraquecendo a democracia e incentivando novas tentativas de ruptura institucional.
Pedro Serrano, professor de Direito Constitucional da PUC-SP, afirma que a anistia não pode ser usada como ferramenta para impedir condenações judiciais. Ele classifica a medida como um possível desvio de poder legislativo, uma vez que o Congresso estaria legislando para interferir no funcionamento do Judiciário. "A anistia deve servir para pacificar um passado mais distante, e não para barrar o funcionamento da Justiça", argumenta. Ele alerta que perdoar crimes contra a democracia pode estimular novas tentativas de golpe e enfraquecer o Estado de Direito.
O constitucionalista Wagner Gundim reforça que, ainda que não exista vedação expressa para anistiar crimes contra a democracia, o Supremo Tribunal Federal (STF) pode considerar a medida inconstitucional. O tribunal seguiria o mesmo entendimento que usou para anular a graça concedida ao ex-deputado Daniel Silveira.
Impunidade pode incentivar novos ataques
O advogado criminalista Eduardo Posser explica que a anistia eliminaria qualquer punição para os condenados, investigados e até para Bolsonaro, caso a lei fosse aprovada. Ele lembra que os crimes imputados aos envolvidos incluem:
- Golpe de Estado (art. 359-M, CP)
- Tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito (art. 359-I, CP)
- Organização criminosa armada (art. 2º da Lei 12.850/2013)
- Dano qualificado contra o patrimônio da União (art. 163, Único, CP)
Professor do Centro Universitário da Serra Gaúcha, Fábio Fayet, especialista em ciências criminais, destaca que crimes contra a democracia são inafiançáveis e imprescritíveis. Ele cita o artigo 5º da Constituição Federal, o que pode significar que também sejam "inatacáveis por anistia". Ele ressalta que perdoá-los comprometeria a credibilidade do sistema jurídico e abriria um perigoso precedente para futuras tentativas de golpe. "O risco mais claro é a ruptura do tecido democrático. Crimes graves passariam a ser tratados como meros atos políticos, o que é inaceitável", argumenta.
Transição democrática
A anistia já foi concedida em momentos históricos do Brasil, como em 1979, quando o Congresso aprovou a Lei da Anistia (Lei nº 6.683, de 1979), perdoando crimes políticos cometidos entre 1961 e 1979. Durante a República Velha e o Estado Novo, o Brasil concedeu anistias em diferentes momentos de transição política. Em 1930, o governo provisório concedeu anistia a militares e civis envolvidos em movimentos revolucionários. Já em 1945, após ser deposto, Getúlio Vargas aprovou uma anistia para opositores de seu regime. Mais tarde, em 1956, o então presidente Juscelino Kubitschek sancionou uma anistia para militares que participaram de tentativas de golpe durante o governo de Café Filho.
No entanto, os especialistas ressaltam que esse tipo de medida foi adotado em períodos de transição democrática, enquanto a atual proposta visa apenas evitar a punição de crimes recentes, como golpe de Estado e dano ao patrimônio público. "A anistia de 1979 foi um instrumento para garantir a redemocratização do país. A anistia que se discute agora não tem essa justificativa histórica, sendo somente um meio de blindagem política", afirma Gundim.