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Exibição de vídeo de 8/1 abre controvérsia; Moraes rebate: 'Fatos públicos'

Do UOL, em São Paulo

26/03/2025 13h59Atualizada em 27/03/2025 07h49

Advogados consultados pelo UOL analisaram a exibição de um vídeo sobre o 8 de Janeiro que não constava no processo durante o voto de Alexandre de Moraes no julgamento que tornou réus Jair Bolsonaro e sete acusados de tentativa de golpe.

O que aconteceu

Especialista em direito não vê prejuízo por se tratar de material público. Rafael Mafei, que é professor associado da Faculdade de Direito da USP, entende que a exibição do vídeo não configura ampliação do objeto da acusação, "pois o 8/1 é parte da denúncia. O teor do vídeo inclusive são fatos notórios, que dispensam provas", diz ele.

Situação "reforça o pedido das defesas de acesso integral" ao material produzido durante a investigação. Helena da Costa, também professora da USP, no entanto, diz que o julgamento é feito com o que está no processo, e não se deve usar dados externos. "É preciso respeitar a paridade de armas entre acusação e defesa", disse.

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Apesar de críticas, especialistas não acreditam que episódio terá maiores consequências. Para Helena, as defesas até podem avançar nessa reclamação, caso a denúncia seja aceita. Mas a consequência disso seria a concessão de acesso integral ao material produzido e reabertura do prazo para apresentação de resposta.

Para professor, defesas não tiveram "prejuízo relevante" com exibição. Segundo Mafei, o vídeo reunia imagens de reportagens sobre fatos públicos e não deve alterar o rumo da ação, uma vez que a eventual suspeição de Moraes para julgar o caso já foi debatida e descartada pelo plenário do STF.

Fatos são conhecidos e não afetam acusados, diz especialista em direito penal. Fernando Hideo, professor da Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo, diz que o vídeo tem efeito ilustrativo de fatos e não compromete o julgamento.

Moraes justificou vídeo de 8 de Janeiro por ser "fato notório", e garantido pelo Código de Processo Penal. Em um aparte durante o julgamento, ele observou que "já estavam dizendo que isso (o vídeo) não estava nos autos. Da mesma forma que eu poderia, no meu voto, descrever isso por escrito, poderia colocar áudio ou poderia colocar vídeo", justificou.

Uso de vídeo estaria amparado na lei, diz ministro do STF. Ele citou o Código de Processos Penais e o Código Civil que permitem ao juiz utilizar fatos notórios e públicos.

Exibição é incomum e desnecessária, na avaliação de professor da USP. Mesmo amparado na lei, Mafei acredita que é incomum a exibição de um vídeo durante o julgamento e "sobretudo desnecessário para o juízo de recebimento da denúncia, que não precisa se pronunciar sobre a gravidade dos fatos imputados".

Para advogado, exibição de vídeo foi "um absurdo desnecessário". O jurista, que preferiu não se identificar, classificou como um erro a apresentação do material durante o julgamento —embora também concorde que ela não possa comprometer o processo como um todo.

O que dizem os especialistas

Não vejo prejuízo relevante para os acusados pelo simples fato de um vídeo de matérias públicas sobre fatos públicos ter sido exibido.
Rafael Mafei, professor associado da Faculdade de Direito da USP

Por se tratar de imagens amplamente divulgadas e de conhecimento público, entendo que não há qualquer prejuízo à defesa dos acusados. Não houve inovação no conjunto probatório, mas apenas a ilustração dos fatos narrados na denúncia e que estão sendo objeto do julgamento.
Fernando Hideo, professor de direito penal da Faculdade de Direito de SBC

Mesmo que as imagens sejam públicas, as defesas são exercidas com base no que consta no processo, não podendo haver surpresa. Além disso, as provas devem ser apresentadas pelas partes, não pelo juiz. Não creio, porém, que essa questão vá influenciar o desenrolar do processo.
Pedro Bueno de Andrade, advogado criminal

Caso seja evidenciado que foram utilizados elementos que não estão no processo, haveria sim cerceamento de defesa.
Ana Letícia Bezerra, advogada e especialista em direito penal e processual penal

O que diz Moraes

Todos esses fatos são públicos e notórios. Então, presidente, é de uma falta de seriedade, às vezes, essa milícia digital, que já começou de novo, ontem começou de novo. Sei que pessoas sérias vão ignorar isso porque já leram o Código.
Alexandre de Moraes, ministro do STF

Defesa pede acesso à íntegra das provas

Advogados dos réus alegam que não tiveram acesso à integra do material bruto produzido pela investigação. A situação foi criticada por juristas, que viram nela um obstáculo ao exercício do direito à defesa.

Há necessidade de "paridade de armas", diz professor. "Pode haver dados importantes para as defesas que ficaram de fora do material", disse Davi Tangerino, professor de direito penal. "Apesar de o ministro Moraes afirmar que os advogados puderam ver tudo que embasou a denúncia, os advogados alegam que não tiveram acesso à íntegra das provas reunidas. Sem acesso a isso, não há paridade de armas entre defesa e acusação", diz.

Opinião não é consenso entre especialistas. Advogada e especialista em direito penal e processual penal, Ana Letícia Bezerra afirma que a Súmula 14 do STF determina que acusação e defesa tenham acesso apenas ao material que embasou a denúncia nesta fase do processo e não à íntegra. Porém, ela entende que a garantia de acesso das defesas a tudo que consta documentado no inquérito é obrigatória.


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