Governo Lula processa Brasil Paralelo por vídeo do caso Maria da Penha


O governo Lula entrou com uma ação judicial contra o site e produtora audiovisual Brasil Paralelo pela divulgação de um vídeo com informações distorcidas sobre o caso Maria da Penha.
O que aconteceu
Na ação civil pública, a AGU (Advocacia-Geral da União) pede indenização de R$ 500 mil por danos morais coletivos. Além disso, o governo quer que o site publique conteúdo "pedagógico e informativo elaborado pelo Ministério das Mulheres" sobre o caso. Maria da Penha Fernandes que sobreviveu a uma tentativa de assassinato cometida pelo seu então marido, em 1983, e ficou paraplégica.
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Nos vídeos, a Brasil Paralelo apresenta a versão de Marco Antônio Heredia Viveros, ex-marido de Maria da Penha. O documentário não diz, entretanto, que as alegações dele foram rejeitadas pela Justiça, o que levou, inclusive, à sua condenação. A decisão se baseou em depoimentos de testemunhas e laudos periciais, em um processo com mais de 1.700 páginas. Na ação, o governo ressalta que o processo teve "robusto lastro probatório e ampla defesa".
O UOL encontrou em contato com a Brasil Paralelo e aguarda um retorno.
Para a AGU, há uma "nítida intenção" de descredibilizar não só o julgamento como também uma das principais leis de proteção à mulher. Maria da Penha dá nome à Lei nº 11.340/2006, voltada ao combate da violência doméstica contra a mulher. O documentário, segundo a AGU, atinge a credibilidade de políticas públicas que são amparadas na lei originada a partir desse caso.
Se o caso que deu origem à Lei Maria da Penha está sendo posto em descrédito, as mulheres 'anônimas' perdem a expectativa de que será dada credibilidade à sua palavra.
Advocacia-Geral da União
No ano passado, o UOL mostrou que Maria da Penha vinha sofrendo uma série de ataques da extrema direita e dos chamados "red pills" e "masculinistas". Trata-se de homens que se reúnem em comunidades digitais para disseminar o ódio às mulheres. A onda misógina se fortaleceu com base em fake news, incluindo a disseminada pelo documentário da Brasil Paralelo.
Com os ataques, Maria da Penha ganhou proteção do Estado. Em junho de 2024, entrou no programa de proteção a defensoras de direitos humanos e passou a ter segurança particular.
Reportagens do UOL mostram que é falso dizer que Maria da Penha não foi vítima de violência doméstica ou de tentativa de feminicídio. Seu ex-marido foi julgado duas vezes, em 1991 e 1996, e condenado em ambas as ocasiões. Uma das versões distorcidas do caso diz que Viveiros foi incriminado pela farmacêutica por ciúmes, após descobrir uma traição.
O Brasil foi responsabilizado pelo caso em 2001 por negligência, omissão e tolerância em relação à violência doméstica. A lei batizada com o nome da vítima foi sancionada pelo governo federal em 2006 e é considerada um marco no debate contra as violações dos direitos das mulheres.
A tentativa de feminicídio contra Maria da Penha
Em maio de 1983, Viveros deu um tiro nas costas de Maria da Penha, mãe de suas três filhas, enquanto ela dormia. Como resultado, Penha perdeu para sempre o movimento nas pernas.
Na época, o agressor declarou à polícia que sua casa foi invadida por assaltantes. Essa versão foi desmentida durante a investigação. Quando Maria da Penha voltou do hospital para casa, Viveros a manteve em cárcere privado. Nesse período, tentou eletrocutá-la durante o banho.
Após a segunda tentativa de feminicídio, Maria da Penha conseguiu levar o caso à polícia. Como não havia legislação específica para violência doméstica ou feminicídio, começaria ali um périplo que duraria quase 20 anos.
A falta de respostas do Estado levou Maria da Penha, com apoio de organizações feministas, a denunciar o Brasil à OEA (Organização dos Estados Americanos). Em 2001, o Estado brasileiro foi responsabilizado por negligência, omissão e tolerância em relação à violência doméstica praticada contra as mulheres brasileiras. Entre as recomendações ao país, o órgão pedia uma resposta eficaz ao caso e uma reparação simbólica e material a ela.
A seis meses da prescrição do crime, Viveros foi preso, condenado por tentar matar a ex-companheira. Maria da Penha foi indenizada pelo estado do Ceará, e o governo federal aprovou, em 2006, a lei que leva o seu nome e prevê os crimes de violência moral, psicológica, patrimonial, sexual e física. A lei Maria da Penha é hoje referência mundial no combate à violência contra a mulher.