Sem punição

Após 22 anos da morte de PC Farias e namorada, Justiça de Alagoas nega última apelação sem condenar ninguém

Carlos Madeiro Colaboração para o UOL, em Maceió Di Vasca sobre foto de Dida Sampaio/Estadão Conteúdo

O TJ-AL (Tribunal de Justiça de Alagoas) negou a última apelação possível para reverter a decisão que inocentou os acusados e, depois de 22 anos do assassinato que abalou a República, colocou um ponto final ao caso Paulo César Farias.

Ex-tesoureiro da campanha de Fernando Collor de Mello em 1989, PC Farias (como era conhecido) e sua namorada, Suzana Marcolino, foram achados mortos na casa de praia no bairro de Guaxuma, litoral norte de Maceió, em 23 de junho de 1996.

Ninguém nunca foi condenado pelas mortes, mesmo após a tese de duplo homicídio ter sido apontada em perícia e reconhecida em júri popular. O caso se arrastou por quase 18 anos até que a denúncia contra os quatro policiais que faziam segurança na hora do crime foi apreciada em júri, em maio de 2013.

Os ex-seguranças Adeildo Costa dos Santos, Josemar Faustino dos Santos, José Geraldo da Silva e Reinaldo Correia de Lima Filho responderam por duplo homicídio triplamente qualificado.

Eles foram inocentados por clemência, quando os jurados reconhecem a existência dos crimes acusados, mas decidem não punir os réus. Não há argumentação, eles apenas marcam uma opção dentro de um questionário. A denúncia também não trouxe à luz nenhum mandante.

Hoje, Adeildo, Josemar e Geraldo estão aposentados pela Polícia Militar. Somente Reinaldo continua na ativa na instituição em Alagoas.

Di Vasca sobre foto de Dida Sampaio/Estadão Conteúdo
Reprodução

Rejeição unânime de recursos

Logo após ser publicada a sentença, em maio de 2013, o MP-AL (Ministério Público de Alagoas) recorreu da decisão alegando ameaça a uma jurada, quebra de incomunicabilidade entre os sete jurados e decisão contrária às provas dos autos.

O TJ-AL julgou a apelação em 12 de dezembro de 2018 e negou por unanimidade o pedido, declarando o caso transitado em julgado (quando não há mais possibilidade de recurso). A decisão dos desembargadores foi unânime.

Segundo o relatório do desembargador Washington Luiz Damasceno, além de não acolher os argumentos de que ameaças ou a fala entre jurados alteraram o veredito, não haveria qualquer prova que levasse à anulação da decisão.

"Ainda que o apelante sustente que o édito [ordem] condenatório, neste aspecto, se trataria de decisão proferida manifestamente contrária às provas dos autos, não considero que seja o caso dos autos", disse o desembargador na decisão. "Tem-se, na espécie, uma decisão absolutória resultante do caráter subjetivo e leigo inerente às decisões proferidas pelo júri popular."

O último ato judicial do processo ocorreu no último dia 3 de abril, quando o juiz John Silas da Silva publicou despacho confirmando a negativa do recurso do MP e a inocência dos réus. "Considerando o teor do Acórdão de fls. 6.857/6.882, cumpra-se com os mandamentos constantes no bojo da sentença", ordenou.

Beto Macário/UOL Beto Macário/UOL

Cronologia do caso

  • 23 de junho de 1996

    PC Farias e Suzana Marcolino são achados mortos em cima da cama no quarto principal da luxuosa casa de praia do ex-tesoureiro, no bairro de Guaxuma, em Maceió

  • Agosto de 1996

    Laudo do legista Badan Palhares, da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), afirma que o assassinato de PC foi cometido por Suzana, que em seguida cometeu suicídio

  • Abril de 1997

    Médico legista George Sanguinetti contesta versão oficial e apresenta um novo laudo apontando para duplo homicídio. MP reabre o caso e pede nova investigação

  • Maio de 1999

    Um novo laudo da Unicamp aponta erro nas medições da altura de Suzana e inviabiliza a tese de suicídio

  • Novembro de 1999

    Irmão de PC, o então deputado Augusto Farias é indiciado como autor intelectual do crime. PMs e mais quatro pessoas na casa são apontados como autores e coautores materiais do crime

  • Novembro de 2002

    STF (Supremo Tribunal Federal) arquiva acusação contra Augusto Farias após MPF (Ministério Público Federal) dizer que não havia provas contra ele. Processo é transferido para a Justiça alagoana. MP estadual denuncia os 4 PMs que estavam na casa

  • Abril de 2011

    Ministro Joaquim Barbosa, do STF, nega o último recurso da defesa contestando denúncia e manda que Alagoas julgue os seguranças da casa

  • Maio de 2013

    Em cinco dias, júri popular reconhece tese de duplo homicídio, mas absolve policiais por clemência

  • Dezembro de 2018

    TJ de Alagoas nega apelação do MP para anular júri popular

  • Abril de 2019

    Juiz John Silas da Silva determina cumprimento da sentença de absolvição e encerrando o caso

Juca Varella/Folhapress

Defesa: "Fim da perseguição"

O advogado dos acusados, José Fragoso, afirmou ao UOL que a decisão do TJ-AL acabou com um tormento que acompanhou os quatro militares por mais de duas décadas.

"Essa decisão representa o fim de calvário de uma injustiça grave, de uma acusação que sempre foi desarrazoada. Põe fim a uma perseguição implacável a quatro pessoas que nada têm a ver com esse episódio, que foram envolvidas por trabalharem para Paulo César Farias e estarem [no local] no dia", diz.

Durante o julgamento dos militares, a família de PC Farias também disse acreditar na inocência dos quatro acusados. O irmão Augusto Farias afirmou ter certeza da inocência deles e criticou a imprensa pela forma como divulgava o caso.

A filha de PC, Ingrid Farias, disse que os seguranças eram pessoas de "confiança da família".

Juca Varella/Folhapress

Família de Suzana com medo

Do lado da família de Suzana Marcolino, a decisão deixa mais dolorida a ferida, além de um sentimento de frustração.

"É incrível perceber que, em mais de duas décadas, nada mudou em relação à impunidade no nosso país", diz a irmã de Suzana, Ana Luiza Marcolino.

Para ela, Suzana foi um "bode expiatório". "Serviu de pano de fundo para interesses que a gente nem sabe quais são. Isso daí foi muito triste, mas a história do Brasil vem mostrando que não foi só Suzana Marcolino, tem muitas outras. Ninguém sabe o que a família passou, sem apoio de [defensores de] direitos humanos ou do Estado", diz.

Mesmo com o encerramento do caso, Ana Luiza diz ter uma ponta de esperança e faz um apelo para que se descubra quem matou o casal.

"Eu espero sinceramente que, da mesma forma como houve clemência para inocentar pessoas que talvez saibam de alguma coisa --porque eu também não sei se elas sabem--, peço clemência para que se encontre quem fez isso com minha irmã, quem fez isso com Paulo César e que encontre possivelmente também quem mandou."

O caso foi encerrado como duplo homicídio, então existe quem fez [matou]

Ana Luiza Marcolino, irmã de Suzana Marcolino, assassinada ao lado de PC Farias

Beto Macário/UOL

Ela conta que, na época das investigações, a família vivia com medo e precisou se mudar.

"A gente ia conversar no jardim porque ligavam para nós e diziam que as paredes tinham ouvido. Ninguém sabe mesmo o que nós passamos, você não sabe o que é uma família inteira sair do seu estado e deixar sua casa, as crianças deixarem a escola, você deixar a sua profissão e ir embora, sair vendendo o que tem", afirma.

"Por outro lado, fico muito contente porque eu e minha família superamos muitas coisas e fomos adiante. Mas claro que a ferida fica, a falta é muito grande, a saudade é imensa", completa.

Ana Luiza diz que a mãe morreu pelo desgosto da morte da filha. "Minha mãe perdeu a saúde dela e perdeu a vida por causa disso. Minha mãe foi embora com 62 anos, uma mulher que poderia estar viva hoje e convivendo com seus netos, mas ela não suportou."

Aliny Gama/UOL

Reviravoltas e mistério até o fim

A morte de PC Farias é um dos casos policiais mais marcantes da história política brasileira. O ex-tesoureiro foi um dos protagonistas na campanha eleitoral e durante o governo de Fernando Collor (1990-1992), sendo um dos responsáveis pela operação e execução de um suposto esquema de corrupção que resultou no impeachment do ex-presidente, em 1992.

O ex-tesoureiro chegou a ser preso em novembro de 1993, em Bancoc, na Tailândia, após uma busca policial pelo mundo. Ele ficou detido no quartel do Corpo de Bombeiros em Maceió até 1995, quando foi liberado para cumprir em casa o resto da pena imposta pelo STF (Supremo Tribunal Federal) de sete anos por falsidade ideológica.

Apontado sempre como um "arquivo vivo", o empresário foi assassinado quatro dias antes de depor na CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) das Empreiteiras, em Brasília, onde sua fala era aguardada com expectativa. Isso trouxe mais dúvidas sobre a motivação do duplo assassinato.

A morte do casal ocorreu logo após um jantar com o irmão Augusto Farias e a mulher dele. Os quatro seguranças que estavam na casa disseram não ter ouvido disparos e que só teriam tido conhecimento das mortes pela manhã, quando chamaram Augusto.

O primeiro laudo da polícia, assinado pelo legista Badan Palhares, apontou para crime passional: homicídio seguido de suicídio de Suzana. A tese acabou sendo a única usada pela defesa dos seguranças até o julgamento dos réus.

Já a acusação se baseou em laudos de uma segunda perícia feita após um pedido do MP, que descartou a tese de que Suzana teria atirado.

"Não foi identificada nenhuma partícula metálica oriunda de tiro. Foi feito o exame com os equipamentos certos, com a tecnologia correta. Os exames não identificaram nenhum componente do projétil. Se ela tivesse atirado, haveria partículas de chumbo, bário e antimônio, e nenhum deles estava na mão dela", disse o perito responsável pelo laudo, Domingos Tochetto.

Para o MP, a polícia alagoana errou na primeira investigação, por isso o mandante dos crimes nunca será descoberto. O caso só foi reaberto após o médico legista George Sanguinetti contestar a versão oficial e apresentar um laudo dizendo ter sido duplo assassinato.

Para o Sanguinetti, o encerramento do caso deixa uma marca de impunidade para o país. "Tudo foi controlado. O poder político em Alagoas sempre cuidou para que o caso ficasse sem solução, sem incomodar os autores materiais."

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