A falta de cabelo facilita perceber o suor se formando na cabeça de João Miranda, 54. E ele vai ficar ensopado. O esforço de fazer 3,6 quilômetros de joelhos é descomunal —a distância é maior que a extensão da avenida Paulista, em São Paulo. Seu João está tão compenetrado que não reage à dor e aos aplausos. O foco é essencial. São seis horas engatinhando. Ele sabe que o joelho vai chegar esfolado e não está nem aí.
O Círio de Nazaré, em Belém, é isso. Gente muito devota fazendo sacrifícios em nome de Nossa Senhora de Nazaré. O ápice da entrega à santa é segurar na corda, um feito que não é para todos. Tem tanta gente que parece que os 2 milhões de participantes da procissão neste domingo estão ao lado do pedaço de sisal da grossura de um antebraço.
Dizer que a corda é igual a ônibus lotado é um absoluto eufemismo. A sensação está mais para aquela hora em que você está num show ou bloco de Carnaval lotado e estoura uma briga. Um clarão abre esmagando todo mundo ao redor. Mas na corda este sentimento de esmagamento não dura um instante. São cinco horas de sufoco.
O ritual começa na noite anterior. Djonata de Jesus, 27, chegou às 21h de sábado para garantir lugar na corda. Ele tem um terço ao redor da cabeça. "É porque a virgem está sempre na minha mente me guiando." Quem chega mais tarde se amontoa junto a quem já estava lá. O dia amanhece com milhares de devotos forçando para chegar à corda. Antes mesmo de sair, a corda já é um cabo de guerra.
Tanto sacrifício tem uma razão. O povo acredita que a mãe de Jesus Cristo enviou uma imagem para um igarapé de Belém no ano de 1700. Aqueles que rezarem e adorarem a santa terão em Nossa Senhora de Nazaré uma advogada de seus pedidos junto a Deus. Quem acredita que recebeu muito dela encara a corda como uma maneira de mostrar gratidão.