Pouco mais de 30 dias atrás, seria impensável imaginar a então desconhecida senadora Jeanine Áñez como presidente da Bolívia. Mas a crise política boliviana depois das eleições de 20 de outubro resultou em cenas de violência, na renúncia sob pressão do líder boliviano Evo Morales e na inesperada ascensão ao poder de Áñez.
No último dia 12, em uma cerimônia rápida e discreta na Assembleia Legislativa boliviana, a senadora de 52 anos se autoproclamou presidente interina. Morales havia renunciado ao poder dois dias antes, em meio a protestos contra indícios de fraude nas eleições.
Em um de seus primeiros gestos como presidente interina, Áñez se dirigiu à sede do governo com um livro nas mãos e proclamou: "A Bíblia está de volta ao palácio". Católica, Ánez teve em sua chegada ao poder o apoio de setores conservadores da Igreja e de lideranças evangélicas.
"Ela emerge como uma espécie de elo no jogo político que se seguiu à renúncia de Morales para que os setores mais radicais à direita voltem ao poder", avalia o pesquisador de América Latina e historiador Fabio Luis Barbosa dos Santos, da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo).
Na última quarta-feira, a presidente interina enviou à Assembleia Nacional um projeto de lei que declara a nulidade das eleições de 20 de outubro e convoca a escolha de novos membros para o Tribunal Supremo Eleitoral dentro de um prazo de 15 dias. Assim que formada, a nova composição do tribunal deve estabelecer um cronograma para a realização de novas eleições.
"A função da proposta de novas eleições é recolocar a política no trilho da institucionalidade", afirma Barbosa. "Voltar à normalidade, mas uma normalidade que provavelmente será regida por um novo padrão de gestão das tensões sociais."
Para entrar em vigor, a proposta de Áñez precisa do apoio da Assembleia, onde o MAS - partido de Morales - possui maioria. Desde a revelação dos indícios de fraude na contestada reeleição do líder boliviano em 20 de outubro, a Bolívia tem sido palco de violentos protestos, que já provocaram pelo menos 32 mortes.
As manifestações também incluíram bloqueios de simpatizantes de Morales nas proximidades de La Paz para impedir a entrada de alimentos e combustíveis na capital. Nos últimos dias, em uma tentativa de acalmar os ânimos, a presidente interina acenou para o diálogo com grupos da base de apoio a Morales.