Bolsonaro tipo exportação

Presidente chega a Davos com missão de convencer o mundo de que fará reformas e manterá estabilidade

Talita Marchao* Do UOL, em São Paulo EVARISTO SA / AFP

Sob os olhos curiosos da elite econômica internacional e da imprensa global, Jair Bolsonaro (PSL) debuta, nesta semana, como presidente do Brasil em uma agenda no exterior. Levará consigo ao Fórum Econômico Mundial, em Davos, na Suíça, os ministros da Economia, Paulo Guedes, da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, Augusto Heleno (GSI), Gustavo Bebianno (Secretaria-Geral) e o chanceler Ernesto Araújo. 

A estreia de Bolsonaro em um palco internacional desperta grande interesse da comunidade econômica mundial. O brasileiro deverá ser o primeiro presidente latino-americano da história a abrir a sessão principal do fórum, nesta terça-feira (22), às 12h pelo horário de Brasília.

Ao desembarcar em Davos, Bolsonaro disse aos jornalistas que deseja "mostrar, via nossos ministros em especial, que o Brasil está tomando medidas para que mundo restabeleça confiança em nós e os negócios voltem a florescer entre o Brasil e o mundo sem o viés ideológico, que nós podemos ser um país seguro para investimentos", declarou. Ele afirmou ainda que não está previsto nenhum anúncio sobre as privatizações.

O governo encara como crucial a necessidade de um bom desempenho no fórum. Para ir a Davos, Bolsonaro adiou a cirurgia da retirada da bolsa de colostomia, prevista agora para o dia 28 de janeiro, e mobilizou nomes de peso do seu governo.

Ao lado de Guedes e Moro, Bolsonaro tentará desfazer a má impressão que paira sobre seu nome na comunidade internacional. Se esforçará para convencer investidores de que tem apoio para conduzir reformas, promover privatizações e combater a corrupção --criando um ambiente atrativo para quem pretende investir no país.

Essa é a previsão de especialistas em geopolítica e economia ouvidos pelo UOL poucos dias antes do evento.

Sergio Moraes/Reuters
Nelson Almeida/AFP

Todos querem Bolsonaro

Além da curiosidade em relação à agenda liberal que o novo governo brasileiro promete implantar, o presidente do nono maior PIB (Produto Interno Bruto) do mundo terá sua projeção ampliada devido à ausência de outros grandes nomes no evento deste ano.

Donald Trump, presidente dos Estados Unidos, não vai. Não estarão presentes também os presidentes da China, Xi Jinping, da Rússia, Vladimir Putin, nem da França, Emmanuel Macron.

Mas não é só isso. Em um ambiente predominantemente europeu, a figura de Bolsonaro chama a atenção do mundo desde a época da campanha presidencial, quando suas frases polêmicas em relação a temas como homossexualidade e direitos humanos ganharam repercussão internacional. 

As controvérsias não arrefeceram com o fim da disputa eleitoral. Empossados, Bolsonaro e o primeiro escalão seguiram abrindo novas frentes de batalha contra temas caros à opinião pública mundial, como a proteção ambiental, acordos globais e negociações multilaterais.

O chanceler Ernesto Araújo, forte defensor da agenda antiglobalista, estará no evento que ao longo de 40 anos tem sido porto seguro das discussões sobre globalização.

Denis Balibouse/Reuters Denis Balibouse/Reuters

Estou confiante e feliz com essa grande oportunidade de apresentar a líderes do mundo todo um Brasil diferente, livre das amarras ideológicas e corrupção generalizada

Ler mais

Jair Bolsonaro, presidente do Brasil

Cartão de visitas das intenções do governo

Para Guilherme Casarões, professor de Relações Internacionais da FGV (Fundação Getulio Vargas), Bolsonaro tem dois objetivos bem claros em Davos, e o mais importante deles é apresentar a abertura de mercado, "já que grande parte da credibilidade deste novo governo está atrelada a isso". O segundo é mostrar-se como um estadista. 

"Este vai ser o primeiro teste de fogo deste governo do Brasil no seguinte sentido: o Brasil deverá mostrar que está disposto a renovar as suas credenciais, reconstruir a sua credibilidade e passar a agir como um ator responsável no palco internacional. Isso passaria uma mensagem muito positiva", afirma o especialista.

"Os veículos de imprensa internacionais não perdoaram Bolsonaro pela maneira como ele se comportou durante a campanha presidencial e por tudo o que ele já tinha falado como deputado. Mesmo durante a transição de governo, a imagem de Bolsonaro já está muito desgastada lá fora e é muito negativa", avalia Casarões. "Mesmo que tenha priorizado outras pautas, Bolsonaro nunca voltou atrás das ofensas à democracia que fez em geral", afirma.

O ex-embaixador Rubens Barbosa, presidente do Conselho Superior de Comércio Exterior da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo), acredita que Bolsonaro "certamente vai reafirmar o compromisso com a democracia, a estabilidade das regras políticas e econômicas e a segurança jurídica. "É isso que vai contar lá fora", diz Barbosa, que foi embaixador em Washington.

"Existem vários países de direita que também são democracias. Ele deve mostrar que é governante de um país democrático, como a França, que tem um movimento de direita que quase ganhou o poder. Na Polônia e na Hungria, esses grupos ganharam, e são países considerados democráticos dentro da União Europeia", avalia o diplomata.

O professor Virgílio Caixeta Arraes, especialista em Relações Internacionais do Departamento de História da Unb (Universidade de Brasília), reforça a importância do evento. "A Suíça vai ser um cartão de apresentação do Brasil ao mundo. Em setembro, teremos a Assembleia Geral da ONU, onde ele deverá abrir os discursos. Lá, a questão será como o Brasil pretende se comportar perante o mundo, diante das instituições globais e dos principais atores."

Guilherme Casarões destaca ainda que Bolsonaro terá o desafio de agradar a gregos e troianos. "O presidente precisa dar um recado que contemple, ao mesmo tempo, os núcleos ideológicos que estão mais perto dele, como os antiglobalistas e, ao mesmo tempo, não deixar de falar com os interlocutores mais pragmáticos, que não têm interesse algum em criar brigas desnecessárias com países europeus ou mercados potenciais", afirma o professor.

Fórum em Davos é encontro anual da elite do capitalismo

Ian Cheibub/Folhapress

Guedes, Moro e a nova cara da política brasileira

Bolsonaro vai ao evento acompanhado de seus dois de seus principais ministros: Sergio Moro, ex-juiz da Operação Lava Jato, e Paulo Guedes, o "posto Ipiranga", responsável por implementar as reformas econômicas tão aguardadas pelos investidores. Juntos, eles querem vender a empresários e a políticos a imagem de que a economia brasileira está se modernizando, com abertura comercial, segurança jurídica para os investidores externos e reformas estruturais.

Convidado para dois painéis, Moro fará palestras sobre integridade e crimes globais. Guedes não tem agenda oficial, mas é dele a missão mais importante do Brasil em Davos: divulgar a liberalização da economia e captar investimentos.

"O grande chamariz da pauta econômica que o Bolsonaro vai levar para discussão em Davos é a reforma da Previdência", diz Casarões, da FGV. O grande problema desta agenda, entretanto, é que hoje, no Brasil, não existem condições políticas para a sua execução. Diante dessa pauta, porém, poderá ser confrontado com dúvidas que nem os brasileiros ainda sabem responder: há apoio no Congresso? A proposta de reforma é sólida? O governo entrará em sintonia?

"Para um investidor estrangeiro, se ele tem perspectiva de longo prazo no Brasil, ele sabe que está diante de um país insolvente do ponto de vista previdenciário. Ele fica com medo, inseguro de colocar o dinheiro dele no Brasil, já que sabe que a crise vai se agravar em alguns anos", diz o professor.

Outro tema espinhoso será o combate à corrupção. "O fato de que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva está preso, e a prisão e indiciamento de vários outros presidentes por toda a América Latina por relações espúrias com grandes empresas brasileiras, incluindo a Odebrecht, gerou uma sensação generalizada de que a diplomacia brasileira, e isso acabou respingando mais no PT, foi muito sustentada por esse mecanismo de financiamentos ilegais, por caixas 2 e por propinodutos", diz Casarões. "Levar o Moro é um sinal de que Bolsonaro luta contra a corrupção."

"Se compararmos com o Guedes, a pauta do Moro é mais específica. Existe ainda toda uma discussão de compliance [ética] empresarial, sobre corrupção nas empresas, e essa encruzilhada entre o público e o privado. E o Moro é um símbolo importante nesse contexto", completa o professor.

Vamos para Davos-Suíça falar ao mundo que um novo Brasil está nascendo, com segurança jurídica ("rule of law"), que não enxerga o criminoso como vítima da sociedade, que não se associa a ditaduras e que sabe que um Estado gigante dá grandes margens a corrupção e ineficiência

Eduardo Bolsonaro, Deputado federal e filho do presidente

Andressa Anholete/FramePhoto/Estadão Conteúdo

Driblando as saias justas

Na agenda de Davos, há mesas sobre aquecimento global, inclusão social e desenvolvimento sustentável. São pontos da agenda globalista criticada por parte da comitiva brasileira, como Araújo, o assessor de assuntos internacionais, Filipe Martins, e o deputado federal eleito Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) - todos presentes no evento.

"Criticar essas agendas causaria um desgaste muito grande com países europeus com quem o Brasil não tem interesse em brigar nesse momento", diz o especialista da FGV.

Virgílio Arraes, da UnB, aposta que a delegação brasileira será cobrada por temas potencialmente polêmicos, mas não entrará em conflito. "Bolsonaro deve optar por uma resposta protocolar ou até mesmo pelo silêncio, aproveitando o fato de que está somente há três semanas no poder. Esta seria uma maneira de dizer que precisará de mais tempo para tomar decisões de grande impacto", avalia o professor. 

"Um presidente habilidoso é aquele que politicamente consegue compreender que, em determinados contextos, principalmente sob pressão internacional, você não vai entrar em temas polêmicos e comprar brigas que não pode bancar. Os Estados Unidos fazerem isso é uma coisa, o Brasil fazer isso é outra. É um risco tremendo", diz o professor da FGV. "Nesse momento, Bolsonaro precisa ser estratégico", avalia Casarões.

Polêmicas à vista

  • Acordo de Paris

    Após ameaças de deixar o Acordo de Paris caso não fossem feitas alterações no tratado sobre mudanças climáticas, o presidente Jair Bolsonaro recuou e concordou em manter o Brasil no acordo.

    Imagem: Jacky Naegelen/ Reuters
  • Pacto global de migração

    O governo Bolsonaro retirou o Brasil do Pacto Global de Migração da ONU, documento assinado por mais de 150 países no qual se comprometem a dar melhor tratamento aos imigrantes.

    Imagem: Gustavo Basso/UOL
  • Demarcações indígenas

    O governo Bolsonaro transferiu da Funai para o Ministério da Agricultura a tarefa de demarcar terras indígenas. A medida, vista como uma forma de diminuir as terras onde vivem esses povos, é criticada pela ONU e por grupos indígenas.

    Imagem: Alex Almeida/UOL
  • Uso de armas de fogo

    O presidente Jair Bolsonaro assinou decreto que facilita a posse de armas de fogo no país, uma de suas promessas de campanha. Opositores afirmam que a medida pode descumpre o Estatuto do Desarmamento e pode resultar no aumento da violência, em especial contra a mulher.

    Imagem: iStock

Antiglobalista no palco da globalização

Também faz parte da comitiva o ministro das Relações Exteriores do Brasil, Ernesto Araújo, que diversas vezes criticou a agenda multilateral. Esse ponto de vista, porém, deve ser contido pelo chanceler, segundo os especialistas. "Como um bom diplomata, Araújo sabe que não conseguirá convencer ninguém em Davos com essa agenda que ele defende e tão eloquentemente falou no discurso de posse", afirma Casarões, da FGV.

Araújo participará de reuniões para debater mudanças na OMC (Organização Mundial de Comércio). Casarões avalia que o chanceler deve atuar nos bastidores e fazer reuniões paralelas com lideranças mais alinhadas ideologicamente com o governo, mas que esse ponto não entrará no discurso de Bolsonaro, voltado para a economia.

"Davos tem muito mais relação com o livre mercado e atração de investimentos do que com a fala de Ernesto de identidade nacional", argumenta o professor.

Um ponto que merece atenção no Fórum Econômico é a incerteza de que, entrando na quarta semana de governo, ainda não se sabe qual dos grupos que cercam Bolsonaro o guiarão em um evento como este. "O problema é quem vai fazer o discurso do Bolsonaro. Se ele estiver sendo assessorado por um grupo que está muito interessado em avançar com uma pauta ideológica, a mensagem pode sair meio truncada. Acredito que eles não farão nada que arrisque o país, sabem que esse momento é muito sensível", diz Casarões.

O cientista político da FGV explica que a primeira viagem internacional de um presidente é um teste muito importante para a sua reputação internacional. "Se o Bolsonaro fizer um discurso completamente descolado da realidade econômica, tanto do Brasil quanto do mundo, deve gerar um custo muito alto para o governo. É a hora de deixar a agenda antiglobalista para a relação com os EUA, com Israel, onde isso tem interlocução. Em um fórum predominantemente europeu, não é o momento."

"A grande oposição que se coloca nesse momento é entre pauta ultraliberal e pragmática do Guedes contra o antiglobalismo, que é mais seletivo. Os antiglobalistas sempre vão dizer que não são contra a globalização, e não são contra a globalização econômica --pelo menos a princípio. O perigo é que se o antiglobalismo for aplicado no âmbito político, pode gerar problemas na economia do Brasil", diz Casarões, citando como exemplo a recente crise com os comércio países árabes e a relação com a China, cujas linhas diplomáticas ainda não estão claras.

Aposta segura

Diante da falta de intimidade do presidente com as questões econômicas, tudo indica que o texto do seu discurso será escrito a quatro mãos, junto de Paulo Guedes. "Bolsonaro deverá falar, em linhas gerais, sobre a política econômica do seu governo e sobre seu compromisso com a reforma da Previdência. Já o detalhamento das medidas ficará a cargo de Guedes", disse Ribamar Rambourg, coordenador de análise política da Genial Investimentos.

"Imagino que o Bolsonaro não deve ter ideias próprias [sobre economia]. Ele vai repetir no seu discurso o receituário ultraliberal pregado pelo Paulo Guedes, como as privatizações e a abertura comercial", acrescenta Antônio Corrêa de Lacerda, economista e professor da PUC-SP.

Sergio Lima/AFP

Agenda da comitiva brasileira

  • Terça (22)

    Bolsonaro tem reunião privada com o fundador do fórum, Klaus Schwab; Moro participa de debate "Restaurando a confiança e a integridade"; Bolsonaro faz discurso em sessão plenária do Fórum de Davos; Eduardo Bolsonaro participa de painel no qual falará sobre a situação da fronteira de Roraima com a Venezuela; Bolsonaro participa de jantar com o fundador do Fórum Econômico Mundial, Klaus Schwab

  • Quarta (23)

    Bolsonaro e a delegação brasileira participam de almoço-debate sobre o futuro do Brasil

  • Quinta (24)

    Bolsonaro e Moro participam de almoço sobre o futuro do Brasil; Moro participa de debate sobre "crime globalizado" junto do secretário-geral da Interpol, Jurgen Stock, e com a especialista britânica Karin von Hippel; Bolsonaro participa de jantar com chefes de Estado de países latino-americanos

  • Sexta (25)

    - Apresentador Luciano Huck participa do debate "Reconstruindo a confiança na sociedade na América Latina"

Topo