O trajeto de G.T.M. até orquestrar o massacre de Suzano começou na internet. Depois de um amigo lhe falar do atentado a tiros na escola de ensino médio de Columbine, no Colorado (EUA), em 1999, G.T.M. ganhou inspiração para planejar seu próprio ataque. Ele era ativo na deep web e contribuía com regularidade com o Dogolachan, um fórum anônimo de extrema-direita, famoso por sua exaltação a atos violentos. Nas semanas que antecederam o massacre de Suzano, foi ali que ele pediu conselhos sobre como conseguir armas e demonstrou esperança de que seu ataque fosse ofuscar o infame atentado no Colorado. Na vida real de G.T.M., tudo estava desmoronando. Ele sofria bullying na escola, e sua avó materna- que o tinha acolhido depois que os pais o abandonaram - tinha morrido fazia pouco tempo. Então chegou o dia em que G.T.M. e L.H.C. foram à escola armados com uma pistola calibre 38, uma besta, facas, um arco e flecha e coquetéis Molotov.
Quando notícias do ataque começaram a surgir, R.D. estava em seu horário de almoço em seu emprego como atendente de telemarketing em São Paulo. Ao ver um trecho da reportagem na TV, resolveu nem prestar atenção. Mas, depois de um minuto, não conseguiu mais parar de assistir. Na medida em que o dia foi passando, ela foi ficando mais curiosa. Como tinha sido criada em uma cidade pobre com alta taxa de criminalidade perto de São Paulo, estava acostumada à violência. Mas isso era diferente.
Na medida em que as semanas foram passando, a curiosidade de R.D. foi crescendo. Ela buscou a conta original de G.T.M. no Twitter, mas só encontrou centenas de perfis anônimos em homenagem a ele. R.D. continuou fuçando e descobriu que, em vida, G.T.M. era conhecido no Twitter por seu próprio codinome numérico. Essa descoberta abriu a porta a todo um amontoado de contas diferentes e níveis de intriga ainda mais profundos.
Foi assim que R.D. passou a conhecer a comunidade de fãs de crimes reais, uma colcha de retalhos de criadores de conteúdo em várias plataformas digitais que têm em comum o fascínio por crimes de alta visibilidade como atentados a tiros em escolas e assassinatos em série. Subgrupos de crimes reais existem em plataformas como Instagram, TikTok e Facebook, mas a mais usada é o Twitter, já que permite aos usuários colocar links para recursos externos, integrar arte em ASCII e escrever longos threads que alimentam o debate por outros membros. Um desses threads inclui, por exemplo, longas especulações relativas à sexualidade dos assassinos de Columbine, Eric Harris e Dylan Klebold, e discussões a respeito de o cúmplice de L.H.C, G.T.M., sofrer ou não de distúrbios psiquiátricos. Membros criam e compartilham trechos de reportagens televisivas, detalhes da perícia dos crimes e suas próprias investigações amadoras. Até as mais mínimas informações são repetidas e amplificadas com muito pouca ou absolutamente nenhuma responsabilidade.
A tendência de criar e promover conteúdo digital relativo a crimes reais em inglês surgiu no YouTube, em 2008, e de lá passou para o Tumblr, onde a comunidade ganhou fama por idolatrar pessoas que executavam massacres a tiros. Os participantes passaram a ser conhecidos como "Columbine stans" ou "columbiners", por causa do ataque de 1999.
Depois de Suzano, uma variante brasileira começou a se espalhar pelas mídias sociais e em sites específicos de fãs. Em um dia normal no site de fanfic Wattpad, uma menina descreve como se apaixonou por G.T.M. depois que seu espírito apareceu para ela. No YouTube, um vídeo de 24 segundos postado recentemente comemora o aniversário do massacre de Suzano com uma montagem de imagens com fundo de música melancólica. No Facebook, em um grupo dedicado a G.T.M., Harris e Klebold, uma jovem brasileira posta que está com saudade de G.T.M.. "Ele será eternamente meu psicopata querido", ela escreve.
No Brasil, a comunidade de crimes reais é formada principalmente por membros que idolatram assassinos: Harris e Klebold; Dylann Roof de Charleston (EUA); e, acima de tudo, G.T.M.. Apesar de a interação flutuar - e sempre aumentar depois de novos atentados -, a comunidade tem centenas de membros ativos no Brasil e milhares que apenas leem os posts. São, na maior parte, meninas adolescentes e mulheres bem jovens que, como R.D., vêm de cenários complicados ou situação doméstica precária.
Depois que R.D. entendeu como essa sociedade marginal funcionava, fazer parte dela foi fácil. Ela criou uma conta no Twitter para isso em maio de 2019. "Preste atenção às pessoas ao seu redor", ela escreveu, com ambiguidade, e seu primeiro tweet. "Pode haver um G.T.M. perto de você, talvez até na sua casa, e você ainda não reparou."
Depois de algumas semanas na comunidade, R.D. começou a entrar em vários grupos de WhatsApp onde muitos membros fanáticos se reúnem. As regras básicas e os temas variam. Alguns proíbem integrantes de fazerem ameaças explícitas; em outros, vale tudo. "As pessoas compartilham imagens muito violentas de assassinos atirando em vítimas com música eletrônica no fundo", ela diz. Outros ainda incluem conteúdo de violência contra crianças, elogios exagerados a conhecidos assassinos em série e manuais de suicídio. Mas, segundo R.D., o que todos esses grupos disparatados têm em comum é o interesse compartilhado por ataques a tiros em escolas.