Não são raras as ocasiões em que diplomatas entram madrugada adentro negociando um texto de um acordo internacional. No centro da mesa, está o choque de interesses nacionais. Mas, no papel, aquela visão de mundo precisa ser traduzida em palavras. E nem sempre encontrar um consenso sobre o uso de palavras e termos na diplomacia é um trabalho fácil.
A realidade é que, em política externa, as palavras têm um enorme peso. Em 2002, num discurso diante dos novos formandos do Instituto Rio Branco, o então chanceler Celso Lafer já confirmava a relação entre a palavra e a atuação diplomática. "O poder da diplomacia é, em larga medida, o poder da palavra", disse. A turma que estava se formando ganhou o nome do filólogo Antonio Houaiss.
Consciente do peso das palavras para redesenhar uma visão de mundo, a nova administração do Itamaraty sob governo de Jair Bolsonaro (PSL) já imprimiu seu próprio vocabulário nos últimos seis meses e distribuiu orientações aos postos do Brasil pelo mundo sobre o que dizer. E, acima de tudo, o que não dizer.
Pelas embaixadas do Brasil espalhadas em diferentes continentes, o novo "dicionário" da diplomacia brasileira abandona palavras usadas por décadas, introduz novos termos, resgata formulações do passado e, assim, traduz em um novo léxico uma visão de mundo muito particular do chanceler Ernesto Araújo, dos discípulos do escritor Olavo de Carvalho e de grupos evangélicos mais conservadores.
Uma visão que tenta reverter um suposto "marxismo cultural", que, na visão do chanceler, teria passado a também influenciar as entidades internacionais e a diplomacia.
Parte do movimento em busca das novas palavras é informal, com diplomatas tentando se adaptar à nova ideologia de seus chefes. Mas outra parte da criação desse novo léxico é consciente e estrategicamente pensada.
Não demorou para que embaixadores começassem a receber, em telegramas, instruções precisas sobre as palavras que deveriam sumir.