Lula 3: defeitos e virtudes

Colunistas opinam sobre os seis meses de mandato do presidente

Gabriela Biló/Folhapress

Tempo para mudar ou acelerar

Seis meses são uma data propícia para a avaliação de um governante. No tempo que passou, já se pode ver a que ele veio, quais são suas prioridades e o estilo de governar. Por outro lado, ainda há tempo de correções de rota e de radicalização de objetivos, antes da chegada do ano seguinte, eleitoral, quando alguns ímpetos esfriam por conta de acomodar alianças e evitar confrontos.

Para esse trabalho, convidamos colunistas do UOL para, em textos curtos, elencarem as principais qualidades e defeitos de Lula 3. O resultado, que você lê abaixo, tem muitas convergências de opinião e não poucas divergências. Itens que aparecem como positivos podem ressurgir como negativos na visão de outro comentarista.

Para tentar uma síntese das opiniões, agrupamos o material em categorias, como 'meio ambiente', 'articulação política' e 'falas equivocadas'. O resultado, refletindo o número de vezes em que colunistas tocaram no assunto, você vê em duas nuvens de palavras, uma positiva e outra negativa. Os cinco principais temas de cada nuvem também são esmiuçados rapidamente.

FREDERICO BRASIL/ESTADÃO CONTEÚDO FREDERICO BRASIL/ESTADÃO CONTEÚDO

Os defeitos de Lula 3

Os principais defeitos apontados pelos colunistas têm a ver com as declarações do presidente, vistas como improvisadas e frequentemente dando munição a adversários. Considerando a comunicação como um todo, houve também quem apontasse um certo despreparo na relação com o mundo digital. A proximidade com ditadores como Nicolás Maduro e Daniel Ortega, por sua vez, arranha um aspecto que foi majoritariamente considerado positivo, o da política externa. A indicação para o STF do próprio advogado, Cristiano Zanin, também foi mal recebida. A articulação política e o fisiologismo foram criticados, e no quadro negativo também aparecem com mais força algumas características pessoais de Lula, como 'ressentimento', 'falta de paciência' e 'vaidade'.

  • Falas equivocadas

    'Descalibrado no falatório', diz Leonardo Sakamoto. Unindo declarações sobre Bolsonaro e Moro e alguns improvisos ofensivos para grupos específicos, as falas equivocadas de Lula foram mencionadas por diversos colunistas. São ocasiões em que o presidente reanima adversários que podem estar nas cordas e oferece munição para a viralização de críticas nas redes sociais. Jeferson Tenório resume: 'A pior característica de Lula, no terceiro mandato, segue sendo alguns discursos ou falas improvisadas que causam desconforto e dão munição para a oposição.'

    Imagem: Reprodução
  • Apoio a ditadores

    Com declarações a respeito dos ditadores Nicolás Maduro (Venezuela) e Daniel Ortega (Nicarágua), Lula foi além do respeito a outros a chefes de Estado e pisou no terreno do apoio explícito. José Roberto de Toledo sintetiza: 'Lula repete as declarações de apoio a antigos aliados latino-americanos que se consolidaram como ditadores nos últimos anos, a exemplo de Daniel Ortega e Nicolás Maduro. Lula colhe todas as críticas e desgastes com esses apoios, mas nenhum benefício'. Vizinha do tema do suporte a regimes autoritários, aparece a posição do presidente sobre a guerra da Ucrânia, na qual ele igualou as atitudes do país invasor com as do invadido. 'Gerou mal-estar internacional sua análise sobre a guerra entre Rússia e Ucrânia, ao afirmar que o conflito ocorre por decisão dos dois países, desconsiderando o pontapé russo', escreve Marina Rossi.

    Imagem: Marcelo Camargo/Agência Brasil
  • Indicação de Zanin

    Carolina Brígido, jornalista especializada em cobertura da Justiça, é certeira: 'A pior característica na área foi ter dado a ela um caráter personalista, com a nomeação do próprio advogado para compor a suprema corte. Este é um capítulo em que Lula prejudicou uma das virtudes descritas acima: o respeito ao papel institucional, que busca uma certa impessoalidade na relação com o Judiciário. Isabela Del Monde ainda encosta nesta a questão da diversidade: 'Baixa priorização da paridade de gênero nas indicações'. Chico Alves arremata: 'A indicação ao STF de Zanin, cuja principal qualidade foi ter sido seu advogado, mostra que a teimosia do petista está em alta'.

    Imagem: Geraldo Magela/Agência Senado
  • Fisiologismo

    Aqui, Milly Lacombe é direta, citando 'a velha paciência com a maldita fisiologia que faz com que ministros como Juscelino Filho e José Mucio permaneçam no governo'. Josias de Souza concorda: 'Nos seis meses inaugurais de 2023, a frente de Arthur Lira, mais espaçosa, potencializou a sensação de que o centrão jamais perde por esperar. Ganha'. Em oposição, outros colunistas criticaram justamente a falta de articulação, como Kennedy Alencar ('Lula deu pouca atenção à relação com o Congresso') e Carla Araújo ('O presidente Lula tem mostrado certo cansaço para se dedicar às tratativas e negociações políticas internas que o modelo de presidencialismo exige').

    Imagem: WILTON JUNIOR/ESTADÃO CONTEÚDO
  • Ressentimento

    Chegamos no capítulo dos defeitos pessoais. 'Ressentimento' é o que mais apareceu, em geral relacionado ao tempo em passou preso. José Paulo Kupfer: 'O ressentimento é um traço negativo que aparece em Lula 3. Deriva da ação da Lava Jato, que barrou, com manipulação judicial, sua trajetória política e puniu, na sua visão pessoal, um inocente, mantendo-o preso por 580 dias'. Wálter Maierovitch concorda. Outras características que aparecem são 'falta de paciência', 'vaidade' e 'egocentrismo'.

    Imagem: Miguel Schincariol/AFP e Sérgio Lima/AFP

Tenho poucos reparos a fazer aos seis primeiros meses do governo Lula. Começou acertando antes de tomar posse, com a PEC de Transição, e os críticos estavam obviamente errados, e isso se vê pelos fatos, não pelos desejos. Reestruturou o Bolsa Família e relançou programas sociais que haviam sido destruídos, como o Minha Casa Minha Vida. E aí há outro tiro n'água de parte considerável da imprensa: 'São programas velhos'. É mesmo? Acho que a consideração se confunde com perversidade social e moral. Vá falar com quem não tem casa... (Clique no link para ler a coluna na íntegra)

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Reinaldo Azevedo

A civilidade é a maior qualidade do novo presidente, depois de alguns anos em que ela andou perigosamente escassa. Que ele governe a maior parte do tempo com sensatez e sensibilidade já produz um alívio impressionante. E, sobretudo, que venha sabendo restituir a civilidade do país em âmbito internacional, reconfigurando o papel que o Brasil desempenha no exterior, é algo que grande parte do planeta já descobriu que deve prezar. Sua limitação maior tem sido a típica das últimas décadas em nosso país: a incapacidade de se esquivar de uma ala retrógrada da política brasileira, aderindo de novo a negociações duras e conchavos duvidosos. Daí a impossibilidade de levar a cabo, ao menos por enquanto, alguns aspectos centrais de seu projeto, como na defesa do meio ambiente e dos direitos humanos.

Julián Fuks

Lula repete a estratégia de outros mandatos ao buscar condições econômicas favoráveis ao crescimento: reforma tributária, controle fiscal e redução dos juros. Se tiver êxito, imagina colher uma aprovação mais alta que os atuais 37% de bom/ótimo e os benefícios políticos que adviriam: ganhos eleitorais e maioria no Congresso. A conjuntura internacional, porém, é distinta e menos favorável ao crescimento econômico do que em seus outros mandatos. Isso não o impediu de manter a estratégia, porém. Está só no começo do caminho, fez alguns desvios, mas parece ir no rumo certo. Mas Lula repete as declarações de apoio a antigos aliados latino-americanos que se consolidaram como ditadores nos últimos anos, a exemplo de Daniel Ortega e Nicolás Maduro. Lula colhe todas as críticas e desgastes com esses apoios, mas nenhum benefício.

José Roberto de Toledo

Nada contribuiu mais para o retorno de Lula ao Planalto do que a habilidade para juntar aos seus seguidores pessoas que votaram na defesa da democracia no segundo turno de 2022. Nada prejudicou mais o início do terceiro mandato do que a ilusão de que Lula foi eleito por uma frente ampla. Essa frente se formou apenas para enxotar Bolsonaro. A frente para governar surgiria do compartilhamento do poder. Ficou entendido que o novo Lula era antigo. Se sua personalidade fosse feita de generosidade, faltaria material. Nos seis meses inaugurais de 2023, a frente de Arthur Lira, mais espaçosa, potencializou a sensação de que o centrão jamais perde por esperar. Ganha.

Josias de Souza

Meu analista dirá que ansiedade nunca é coisa boa, mas, no caso do presidente, ela provoca um senso de urgência junto aos seus subordinados e aliados para produzir resultados positivos e reverter más políticas do governo anterior. Como ele sabe ter assumido um país dividido e com emergências econômica, social, sanitária e ambiental, a pressão é bem-vinda. Mas Lula está descalibrado no falatório. Sempre falou bastante, mas está menos rigoroso, o que causa problemas. Talvez tenha desencanado por estar no terceiro mandato e ter passado 580 dias injustamente preso. Talvez não tenha percebido que o mundo mudou e as redes sociais repercutem o que ele diz em tempo real, sem tempo para sua assessoria explicar o que ele quis dizer.

Leonardo Sakamoto

A melhor característica do governo Lula é remontar estruturas institucionais que haviam sido corroídas por Bolsonaro. A pior é não ter rumo, viver apenas de dizer que Lula não é Bolsonaro e incentivar polarização e militância agressiva, como se ainda estivesse em campanha.

Madeleine Lacsko

A melhor característica desses seis meses de mandato do Lula foi ter trazido o país de volta à normalidade institucional com foco na questão social. A pior foi ainda bater boca com Bolsonaro, como se quisesse manter o adversário vivo.

Tales Faria

A melhor característica é ter reintroduzido o Brasil no mundo civilizado. A pior é a falar demais sobre a gestão anterior.

Juca Kfouri

A melhor característica é a rapidez com que ele consegue inverter a imagem do Brasil no exterior. A pior é se expressar de forma que dá abertura para interpretações de duplo sentido.

Casagrande

FÁTIMA MEIRA/ESTADÃO CONTEÚDO FÁTIMA MEIRA/ESTADÃO CONTEÚDO

As virtudes de Lula 3

Simbolicamente, a primeira quinzena de janeiro já deu uma prévia do que viria a ser a avaliação dos colunistas agora: na subida da rampa com uma representação da sociedade, na tentativa de golpe do 8/1 e no triunfo da institucionalidade nos momentos seguintes. A maior parte das contribuições faz menção a uma comparação com o governo anterior. Nesse sentido, "mudança", "volta do governo", "civilidade", "meio ambiente", "imagem do Brasil" e "papel institucional", entre outros, carregam a ideia de uma retomada de curso. Mas alguns outros temas que jogam a discussão para a frente também apareceram, como "pauta econômica", "pauta social" e "ambiente de negócios". Também aparecem, mais difusas, algumas características pessoais do presidente, como "inteligência", "sinceridade" e "experiência".

  • Civilidade

    'Civilidade' foi a chave para agruparmos opiniões que celebram o retorno à normalidade nas relações entre o governo e a sociedade. É um tema em que cabe, por exemplo, a contribuição de Matheus Pichonelli ('tirou de cena a beligerância que marcou o governo de seu antecessor nas relações com Congresso, Supremo, universidades, imprensa, comunidade científica, povos indígenas'). Julián Fuks usou a palavra explicitamente: 'A civilidade é a maior qualidade do novo presidente, depois de alguns anos em que ela andou perigosamente escassa'. É um termo que anda junto com 'normalidade institucional', 'diálogo' e 'democracia'.

    Imagem: Nelson Jr./SCO/STF
  • Mudança

    'Mudança' é o termo que mais explicitamente delimita a diferença que nossos colunistas veem entre Lula e Bolsonaro. Tales Faria é um exemplo: 'A melhor característica desses seis meses de mandato do Lula foi ter trazido o país de volta à normalidade'. Outros colunistas trazem essa característica atrelada a um campo específico, como a política externa, no caso de Reinaldo Azevedo: 'Lula devolveu a dignidade à política externa brasileira'. Ou mesmo de 'civilidade', como André Santana: 'É um alento para um país que viveu os últimos anos de acirramento da polarização'. Como dito antes, é uma chave que anda junto com muitas outras do quadro.

    Imagem: Reprodução/Reprodução
  • Imagem do Brasil

    'Imagem do Brasil' é um tema que se junta a 'relações internacionais', 'política externa' e 'geopolítica'. Jamil Chade, especialista na área, resume: 'Lula reposicionou o Brasil no cenário internacional e rompeu com o isolamento gerado pelo bolsonarismo. Ficou claro que o governo quer usar seus anos no poder para pressionar por uma reforma do sistema internacional, considerado como arcaico e não mais representativo da estrutura de poder do mundo'.

    Imagem: Divulgação/Ricardo Stuckert
  • Pauta econômica

    Os colunistas elogiaram as vitórias e a própria pauta econômica do governo. Termos como 'arcabouço fiscal' e 'ambiente de negócios' apareceram nas contribuições, como a de Fabíola Cidral ('A entrega do arcabouço fiscal, o plano de combate ao desmatamento e o foco no social foram os primeiros acertos') e Juliana Dal Piva ('O movimento de retomada de diálogo internacional é extremamente importante para o ambiente de negócios'). José Roberto de Toledo mirou na pauta como estratégia política: 'Lula repete a estratégia de outros mandatos ao buscar condições econômicas favoráveis ao crescimento: reforma tributária, controle fiscal e redução dos juros'.

    Imagem: Diogo Zacarias/Ministério da Fazenda
  • Meio ambiente

    O tema do meio ambiente apareceu muito conectado aos de política exterior, como em Juliana Dal Piva ('Retomando o lugar que já pertencia ao Brasil de líder mundial nas discussões em torno do combate às mudanças climáticas e proteção da floresta amazônica') e Reinaldo Azevedo ('Voltou a fazer do meio ambiente um ativo nas negociações multilaterais').

    Imagem: José Cruz/ Agência Brasil

Lula devolveu ao povo a confiança, a autoestima e a esperança perdidas, e o sentimento de que voltamos a ter um governo. Perdeu tempo com polêmicas que só prejudicam ele próprio e o seu governo, dando munição à oposição.

Ricardo Kotscho

Lula normalizou a democracia e reconstruiu políticas públicas nas áreas econômica, social e internacional. Mas deu pouca atenção à relação com o Congresso e falou demais sobre Bolsonaro e Moro.

Kennedy Alencar

A falta de cerimônia para radicalizar pautas necessárias, como a cobrança para que o BC baixe juros, colocar Venezuela e Ucrânia em contexto geopolítico, questionar a liderança dos EUA e do dólar. Pior característica: a paciência com a fisiologia, que faz com que Juscelino Filho e José Mucio permaneçam no governo, e o refúgio na falta de correlação de forças para evitar radicalizar para a esquerda pautas estruturais, mostrando ter desaprendido que ela pode ser conquistada nas ruas.

Milly Lacombe

A maior qualidade do presidente nestes primeiros seis meses é o senso de urgência, uma disposição surpreendente para fazer as coisas sem procrastinar, o que reforça a percepção de que voltamos a ter um governante. Sua pior característica tem sido o personalismo, que degenera por vezes em falas atabalhoadas, homenagens anacrônicas e iniciativas como a indicação de seu advogado para o Supremo Tribunal Federal.

Camilo Vannuchi

Melhor característica: engajamento direto na normalização institucional do país, interrompendo sumariamente 4 anos de ataques à democracia e aos poderes da República. Pior característica: baixa priorização da paridade de gênero nas indicações ao Judiciário.

Isabela Del Monde

A melhor caraterística de Lula foi ter trazido normalidade ao cargo de presidente, saindo da esfera folclórica, amadora e agressiva do governo anterior e devolvendo à presidência a figura de um estadista. A pior segue sendo algumas falas improvisadas que causam desconforto e dão munição para a oposição.

Jeferson Tenório

Em relação ao Judiciário, a melhor característica de Lula até agora foi ter conseguido reconstruir a relação institucional dos tribunais superiores com o governo, que tinha sido implodida no governo Bolsonaro. A pior característica na área foi ter dado a ela um caráter personalista, com a nomeação do próprio advogado para compor a suprema corte.

Carolina Brígido

O melhor de Lula 3 é sua capacidade de arriscar dizer o que pensa, mais além ou aquém da política que pode efetivamente fazer, mas em acordo com a mudança que cada qual pode sonhar ou temer. Consegue ser a pessoa mais à esquerda do governo. O pior do terceiro Lula é o adiar confrontos decisivos, alianças improváveis e julgamentos históricos por vir. Se arrisca a perder uma janela que pode não voltar a abrir.

Christian Dunker

Uma das melhores características de Lula, a de aprender e incorporar práticas e conhecimentos ao seu repertório, está à toda. Aos 77 anos e mais de 50 de atividade política, demonstra estar atento às pautas mais contemporâneas e sua compreensão dos problemas está ainda mais aguçada. O ressentimento é um traço negativo. Deriva da ação da Lava Jato, que barrou, com manipulação judicial, sua trajetória. Ressentimentos tendem a atrapalhar a avaliação e a decisão.

José Paulo Kupfer

Democrata, humanista, pragmático, intuitivo, carismático e otimista, Lula preocupa-se com os últimos da sociedade e busca o igualitarismo. Tem visão geopolítica e bons propósitos. Mas não prepara um herdeiro político, não assume erros graves, é flexível com certos valores éticos políticos fundamentais e tem dificuldade de se distanciar de corruptos de dentro do seu próprio partido. É populista e ressentido.

Wálter Maierovitch

O grande feito de Lula foi ter tirado de cena a beligerância que marcou o governo de seu antecessor nas relações com Congresso, Supremo, universidades, imprensa, comunidade científica, povos indígenas, entre tantos grupos atacados nos últimos quatro anos. A experiência e o tato político desarmaram bombas (que poderiam ser detonadas, por exemplo, com um decreto de GLO após o 8 de janeiro) e instituíram um clima de normalidade institucional no país, na medida do possível. Mas a mesma cautela não foi vista quando ele soltou a língua em um país ainda muito sensibilizado. Ela criou problemas quando Lula falou demais sobre Nicolás Maduro, Sergio Moro, quando fez piadas sobre obesidade ou desrespeitou pessoas com deficiência. Ao menos soube pedir desculpas quando criticado

Matheus Pichonelli

Um presidente a quem tantos se referem como sortudo está em boa fase. A decantada 'sorte' é, na verdade, resultado da experiência política acumulada de que ele agora lança mão para equilibrar o governo, mesmo contra a voracidade do Legislativo mais fisiológico da história. O tempo ensinou ao petista que estabilidade econômica é o pé de coelho que poderá transformar um Congresso hostil em aliado -e ele está a caminho dessa meta. O passar dos anos, no entanto, não consolidou somente suas qualidades, mas também seus defeitos. A partir de certo ponto, a autossuficiência de Lula esbarra no egocentrismo e ele comete erros evitáveis. Citações desastradas a Bolsonaro e Moro em falas de improviso, mesmo quando auxiliares se opuseram, e a indicação ao STF de Zanin mostram que a teimosia do petista está em alta.

Chico Alves

A melhor característica de Lula é, justamente, ser o Lula e não o Bolsonaro. Com isso, entender aquilo que deve ser (ou não) pauta política. Um presidente com experiência, com certa sorte e que sabe, apesar de tudo, o valor do diálogo com diferentes frentes - ainda que esteja mais díficil movimentar as peças do xadrez e viabilizar um plano de governo sem se perder naquilo que a oposição quer. A pior característica é ser o Lula. E dessa forma, apresentar convicções de maneira datada, como se de seu segundo mandato tivesse pulado para 2023 e nada ter mudado. Lula é resiliente, mas só sob pressão. Com a idade, tem mostrado pouca afeição ao que lhe é contrário.

Eduardo Carvalho

O poder de diálogo com diferentes forças, uma das maiores qualidades de Lula, será fundamental para costurar apoios necessários para azeitar a engrenagem do governo. Após um início em dissintonia com o Congresso, parece ter acordado para a necessidade de sentar-se à mesa com Lira e cia. Ironicamente, seu calcanhar de Aquiles também está na comunicação. Lula tem tropeçado nas próprias pernas em declarações. Gerou mal-estar sua análise sobre a Ucrânia, ao afirmar que a guerra ocorre por decisão dos dois países, desconsiderando o pontapé russo. Foi na contramão das minorias que subiram com ele a rampa ao dizer que pessoas com deficiência intelectual têm 'desequilíbrio de parafuso'. E virou holofotes para Moro, ao declarar que o plano de PCC foi 'armação' do ex-juiz.

Marina Rossi

A nova gestão tem sido marcada por agenda internacional intensa, explorando uma habilidade do presidente de dialogar numa tentativa de retomar o protagonismo do Brasil frente a diversos parceiros econômicos e ainda com uma posição de destaque em fóruns de grandes decisões. O desempenho de Lula, no entanto, tem gerado desgastes também na esfera internacional, especialmente quando o assunto é a guerra entre Rússia e Ucrânia. Conhecido por ser um dos mais hábeis articuladores políticos do país, o presidente tem mostrado certo cansaço para se dedicar às tratativas e negociações políticas internas que o modelo de presidencialismo exige. Lula ainda demonstra ressentimento e mágoas em relação ao tempo da prisão. A despeito de ter vivido dias sofridos, governar com rancor não é bom para o país.

Carla Araújo

A volta à civilidade é a principal característica positiva do terceiro mandato de Lula. A entrega do arcabouço fiscal, o plano de combate ao desmatamento e o foco no social foram os primeiros acertos. Já a incivilidade do toma lá dá cá na relação com o centrão tem sido a sua pior marca. A indicação do advogado pessoal ao STF foi um dos principais erros nesses seis meses, contrariando as suas promessas de campanha. Perdeu a oportunidade de levar diversidade à corte. A entrega do arcabouço fiscal, o plano de combate ao desmatamento e o foco no social foram os primeiros acertos. Conhecido pela fala fácil, Lula 3.0 tem decepcionado no discurso. Os episódios envolvendo Moro, Maduro e Ucrânia trouxeram ruídos desnecessários num governo que deveria tentar furar a bolha.

Fabíola Cidral

O que vejo de melhor é ter novamente um presidente fazendo as instituições funcionarem e colocando o país no centro dos principais debates mundiais. O Brasil vem retomando o lugar de líder nas discussões em torno do combate às mudanças climáticas, proteção da floresta amazônica e recuperando seu protagonismo também na América Latina. O movimento de retomada de diálogo internacional é extremamente importante para o ambiente de negócios e visa a combater a imagem isolada que o país teve durante os anos Bolsonaro. Ao mesmo tempo, Lula teve momentos muito ruins na recepção do ditador Nicolás Maduro. O presidente ignorou o documentado regime autoritário existente na Venezuela e até disse que caberia a Maduro impor sua 'narrativa'. Nos bastidores do governo, embora digam que o Brasil se reaproximou de um importante parceiro comercial, nem petistas entenderam o motivo dessa recepção e esse discurso a Maduro sem nenhuma cobrança de compromisso de abertura. Também tivemos que enfrentar, ao vivo, críticas dos presidentes do Chile e do Uruguai durante o encontro de países latino-americanos no Brasil em maio. Então, nesse momento de Lula 3, em especial por toda luta pela democracia no Brasil nos últimos anos, um dos pontos fracos é não deixar claro que vê as ditaduras vizinhas como tal. Esse movimento alimenta a própria oposição ao presidente.

Juliana Dal Piva

A melhor característica do presidente é a junção do seu carisma, empatia e capacidade de escuta, que possibilita o diálogo, seja com o apoiador mais humilde ao adversário político mais ferrenho. Lula tem levado adiante a proposta da frente ampla, a começar pelo imenso ministeriado. Tem demonstrado disposição para o diálogo com diferentes grupos, com as acomodações de interesses diversos na formação da equipe, na posse, na condução da tentativa de golpe dos bolsonaristas; e depois, em votações importantes para o governo no Congresso. A pior característica de Lula tem sido justamente a busca por não contrariar nenhum grupo, o que o leva a omissões. É preciso admitir que há os que não querem o diálogo em hipótese alguma. Lula insiste em um equilíbrio entre ideias bem distintas e por vezes força falsas simetrias. Foi assim nas declarações sobre o conflito na Ucrânia; na bobagem sobre a miscigenação; na defesa da ditadura venezuelana e também nos discursos minimizando os conflitos entre defensores ambientalistas e interesses do agronegócio. Depois das sucessivas críticas e de ser vaiado em uma feira de negócios agrícolas na Bahia, finalmente, o presidente reconheceu que o setor tem um problema ideológico com ele. Lula precisa reconhecer que há barreiras ideológicas intransponíveis.

André Santana

Em seis meses, Lula reposicionou o Brasil no cenário internacional. Também rompeu com o isolamento gerado pelo bolsonarismo e com alianças marcadas pela defesa da extrema direita mundial. Com uma agenda frenética e praticamente dois ministros de Relações Exteriores, o novo governo proliferou encontros e viagens. Nesse período, ficou claro que o governo quer usar seus anos no poder para pressionar por uma reforma do sistema internacional, considerado arcaico e não mais representativo da estrutura de poder do mundo. Mas, nesse esforço, tem sido acompanhado com preocupação por algumas entidades de direitos humanos. Em nome do restabelecimento do diálogo e da possibilidade de manter canais abertos com governos de todo o mundo, Lula é visto como tendo cedido na defesa de direitos humanos e da democracia, dois elementos centrais de sua própria campanha eleitoral. Isso vale tanto para a Rússia como nos casos da Nicarágua, China ou Venezuela. Só o tempo dirá se a aposta de Lula pelo diálogo é capaz de trazer resultados. Ou se ele simplesmente será instrumentalizado por ditadores de plantão para se consolidar no poder.

Jamil Chade

O amor pela política. O espaço das divergências -como se sabe, nem sempre apenas ideológicas- exige pessoas dispostas à árdua tarefa da negociação. Lula nasceu para isso. Métodos e resultados nem sempre agradam, mas isso é reflexo da sociedade brasileira e de seu sistema representativo. O pretenso salvacionismo da antipolítica só produziu arbítrio e ataques à democracia. Lula é a melhor opção de busca de concertação que o Brasil tem à disposição. Mas paira um certo anacronismo. Falta 'espírito do tempo' em relação a questões contemporâneas como o foco no meio ambiente e uma virada consistente para a comunicação digital. Que Lula continue rendendo homenagem a regimes autoritários de esquerda também desafia a prudência de um presidente que precisa governar para todos os brasileiros num país que pendeu para a direita de 10 anos para cá. Minha melhor expectativa para um governo Lula 3 é de alguma pacificação social. Ainda que o projeto vencedor para o executivo seja de esquerda, é preciso considerar com sensibilidade e paciência essa nova configuração do país.

Rodrigo Ratier

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