As vidas de Heloísa Pompeu, estudante da Universidade de São Paulo, e Juciara Gomes, vendedora em uma loja de acessórios no Metrô, se conectam no subsolo da maior cidade brasileira. Nas estações, as duas, que não se conhecem e pouco têm em comum, comem mal. A primeira é vítima confessa de uma compulsão alimentar. A outra, da insalubridade.
Na volta para casa, Heloísa compra com frequência os mini pães de queijo vendidos aos montes dentro das estações - e que raramente têm queijo na composição. Mesmo quando tem uma fruta na bolsa, cai na tentação. "É ruim, mas é viciante", reconhece.
A estudante desconta na comida a ansiedade causada pela rotina: ela acorda bem cedo todos os dias para ir de casa, na Vila Matilde, zona leste da capital, à USP, na zona oeste, onde faz graduação em letras. Para evitar a lotação dos trens, precisa sair antes das 6h.
Na volta, faz o caminho inverso pelas linhas 4-amarela e 3-vermelha do Metrô, onde não consegue desviar do cheiro intenso e artificial dos pães de queijo.
Juciara passa nove horas de seu dia dentro da estação São Bento, na linha 1-azul, onde vende colares, anéis e brincos em um pequeno quiosque —que parece cada dia menor conforme a barriga dela cresce. Ela está grávida do segundo filho, que deve nascer em setembro. De onde trabalha, a vendedora consegue ver a porta para o refeitório dos metroviários. Almoçou lá algumas vezes "de penetra", até ser notada e proibida de entrar.
"Eles têm um refeitório maravilhoso, com uma televisão de plasma, mesa, geladeira, micro-ondas, água, café, leite e coisas para temperar salada", descreve.
Sem nada disso, Juciara come a marmita dentro do quiosque: "Aqui ó, sentada nessa lixeira", diz, apontando para o chão. Uma colega de trabalho explica que nem sempre a comida resiste à falta de refrigeração. "Tenho medo de abrir a marmita e ver que está estragada", comenta. "Já aconteceu várias vezes."
As condições degradantes de trabalho às quais Juciara e centenas de outras pessoas são submetidas passam despercebidas pelos 3,7 milhões de passageiros que transitam pelas estações todos os dias, segundo o relatório integrado de 2018 do Metrô de São Paulo.
Os dois lados da mesma história se encontram em meio a lojas, quiosques e máquinas de venda que têm de tudo: roupas, acessórios, chips de celular, remédios. E muita comida.