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O caso do jovem que morreu ao levar apenas um soco - e por que isso não é tão raro assim

BBC Brasil
Imagem: BBC Brasil

27/02/2017 10h23

Oliver Dearlove, de 30 anos, saiu com seus amigos em Londres na noite de 27 de agosto do ano passado. Em determinado momento, se aproximou de um grupo de mulheres e começou a conversar. Uma delas estava mostrando a ele fotos de seu bebê, quando, de repente, tudo mudou. Trevor Timon se aproximou de Dearlove e perguntou o que estava acontecendo. Andrew Cook, um dos amigos de Dearlove, disse que Trevor apareceu "do nada" e que queria "brigar". "Não entendemos por que ele bateu nele; aconteceu tudo muito rapidamente", disse.

Timon, um gesseiro desempregado de 31 anos, deu um soco na cabeça de Dearlove. Um dia depois, este morreu.

'Igualmente letal'

Na última quinta-feira, Timon foi absolvido das acusações de homicídio doloso (quando há intenção de matar), mas vai enfrentar vários anos de prisão pelo crime.

Mas esse não foi o primeiro caso de uma pessoa que morreu após levar somente um soco.

Ainda que não haja estatísticas oficiais sobre quantas pessoas morrem no Reino Unido vítimas apenas de um golpe, a ONG One Punch Can Kill ("Um Soco Pode Matar", em tradução livre) registrou mais de 80 casos como o de Dearlove desde 2007.

Muitos desses casos tiveram uma ampla cobertura da imprensa, em grande parte porque parece inusitado e chocante que um único soco possa levar à morte.

No entanto, segundo afirmou à BBC Duncan Bew, cirurgião ortopédico do Hospital Kings College, em Londres, a surpresa reflete uma falta de compreensão das pessoas sobre o assunto.

"Muitas vezes as pessoas dão muita importância aos ferimentos penetrantes, mas, na verdade, bater em alguém na cabeça pode ser igualmente fatal", disse.

Bew disse que as mortes por um único soco tendem a acontecer por três motivos.

Às vezes, o próprio golpe causa um dano fatal no cérebro. Em outras ocasiões, provoca uma resposta fisiológica a partir da qual a pessoa para de respirar e o cérebro fica sem oxigênio.

Além disso, há casos em que o soco pode fazer com que a vítima perca a consciência e bata a cabeça em uma superfície dura.

O impacto é semelhante ao de ser atingido no topo da cabeça, com um bloco de concreto, salienta o especialista.

Circunstâncias e culpa

Muitas das vítimas são homens jovens, envolvidas muitas vezes em atos aleatórios de violência alimentada pelo álcool.

Mas, segundo Finola Farrant, criminologista da Universidade de Roehampton, em Londres, as condições podem variar dramaticamente de caso a caso, desde ataques não provocados a golpes mortais em autodefesa.

Em alguns casos, lembra ela, são discussões banais entre amigos que podem acabar terminando em morte.

Em outubro passado, Richard Eveleigh foi preso por matar com um único soco seu melhor amigo Paul Lightowler, por uma "discussão estúpida". Eles se conheciam havia 45 anos.

Para Farrant, nesses casos, a Justiça tem de analisar até que ponto os acusados são culpados da morte de alguém quando não tentaram ou nem sequer sabiam que um soco pode matar.

No Reino Unido, esse tipo de ataque é geralmente tratado como homicídio culposo (quando não há intenção de matar) e as penas não superam 5 anos de prisão.

Mas, na Austrália, por exemplo, a condenação para o mesmo tipo de crime é maior: 8 anos.

No Brasil, a pena prevista é de 1 a 3 anos de prisão.

Farrant lembra que, nesses casos, infratores e suas famílias podem acabar se tornando vítimas também.

'Seja um herói'

Ann Bartlett, da One Punch Can Kill, afirmou: "Nossa mensagem é: 'Seja um herói e afaste-se de brigas'".

Seu filho Kyle, de 21 anos, morreu em 2009 depois de receber um único soco em uma briga em um bar de Portsmouth, no sul da Inglaterra.

Em um comunicado divulgado pela família nesta semana, a mãe de Dearlove, Joy Wright, disse que "este assassinato brutal e desnecessário (...) deixou um enorme buraco na família."

Ela descreveu seu filho como "um rapaz discreto e modesto" de quem foi roubada "a oportunidade de ter um futuro incrível."

"Apesar da condenação de Timon, nada vai devolver a vida do nosso Oli."