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Lítio em água potável reduz riscos de demência, sugere estudo

Pedro França/Agência Senado
Imagem: Pedro França/Agência Senado

BBC

29/08/2017 09h32

Pessoas que bebem água com níveis mais elevados de lítio parecem ter um risco menor de desenvolver demência, sugere uma pesquisa dinamarquesa.

O lítio é comumente encontrado na água da torneira ou outras fontes de água corrente, ainda que em quantidades variadas.

A descoberta, baseada em um estudo com 800 mil pessoas, pode dar pistas de como avançar na busca pela prevenção da demência e do mal de Alzheimer.

O estudo da Universidade de Copenhague, publicado no periódico JAMA Psychiatry, analisou os registros médicos de 73.731 dinamarqueses com demência e 733.653 sem a doença.

Ao mesmo tempo, a água corrente foi testada em 151 áreas do país nórdico.

Os resultados mostram que, de um lado, níveis moderados de lítio (entre 5,1 e 10 microgramas por litro) aumentavam o risco de demência em 22%, em comparação com níveis baixos (menos de 5 microgramas por litro). De outro lado, porém, as pessoas que beberam água com níveis elevados de lítio (acima de 15 microgramas por litro) tinham risco 17% menor de desenvolver a doença.

A diferença de impacto das doses de lítio pode ser explicada pelo fato de apenas algumas dosagens específicas mudarem a atividade cerebral de modo benéfico.

"A exposição mais alta e de longo prazo ao lítio na água potável pode estar associada com uma incidência menor de demência", disseram os pesquisadores.

Mudanças no cérebro

O lítio já é conhecido por seus efeitos protetores em diversos processos biológicos cerebrais, tanto que é usado para tratamento da bipolaridade.

O tema já havia sido estudado por pesquisadores, inclusive com participação brasileira. Em 2007, artigo científico coassinado pelo médico Wagner Gattaz, do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP, concluiu que "o tratamento com lítio reduziu a prevalência de Alzheimer em pacientes com bipolaridade".

"O lítio inibe uma enzima crucial no (desenvolvimento) do Alzheimer", diz Gattaz à BBC Brasil.

O médico brasileiro também testou o lítio em pessoas com transtorno cognitivo leve (que são perdas moderadas de memória, casos que muitas vezes evoluem para um quadro de demência) e identificou novamente que a substância havia tido efeito benéfico.

Ainda assim, diz ele, é cedo para recomendar que o lítio seja acrescentado à água que todos bebemos.

"Antes de fazer qualquer recomendação desse tipo, ainda precisamos estudar os efeitos (no corpo) das microdoses de lítio ao longo do tempo", explica Gattaz, lembrando que a substância tem alguns efeitos colaterais, como tremores e comprometimento da tireoide e dos rins, dependendo da quantidade que se acumula no sangue.

Ausência de tratamentos

Conter o avanço do Alzheimer é uma das grandes buscas da medicina focada no envelhecimento da população.

Para o médico David Reynolds, da ONG Alzheimer's Research UK, "é potencialmente animador que baixas dosagens de uma droga já disponível ajudem a limitar o número de pessoas que desenvolvem demência".

Ao mesmo tempo, o problema com estudos como o dinamarquês - que buscam padrões em uma grande quantidade de dados - é que eles não conseguem provar em definitivo relações de causa e efeito.

"Essa associação (observada pelo estudo) não significa necessariamente que o lítio em si reduz os riscos de demência", aponta Tara Spires-Jones, professora do Centro de Descobertas de Ciências do Cérebro, da Universidade de Edimburgo. "Pode haver outros fatores ambientais na área (estudada) que influenciem os riscos de demência. De qualquer modo, o resultado é interessante e vai impulsionar mais pesquisas quanto a se os níveis de lítio na dieta ou na água potável podem modificar o risco de demência."

*Com reportagem de James Gallagher, da BBC News