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Por que médicos americanos estão postando fotos deles mesmos cobertos de sangue

14/11/2018 12h33

Quando a Associação Nacional de Rifles (NRA, na sigla em inglês), poderoso grupo pró-armas dos EUA, disse aos médicos para "não se meterem onde não eram chamados", a reação veio mais rápida do que se imaginava – e viralizou.

"A menos que você tenha o coração de alguém parando de bater em suas mãos, você não tem o direito de dizer no que podemos ou não podemos nos meter", diz à BBC o cirurgião David Morris, de 42 anos.

O tuíte da Associação Nacional de Rifles causou uma onda de protesto nas redes sociais.

A postagem ocorreu horas antes de um atirador matar 12 pessoas em um bar na Califórnia.

"Alguém deve dizer aos médicos cheios de presunção que são contra as armas para não se meterem onde não são chamados", tuitou a NRA.

Os médicos responderam nas redes sociais com histórias pessoais e fotos cobertos de sangue, compartilhadas centenas de milhares de vezes, alimentando outro debate sobre a realidade da violência por armas de fogo nos Estados Unidos.

Morris foi um dos que usaram o Twitter para reagir à declaração da NRA.

"As pessoas precisam ver a realidade que enfrentamos. Muitas vezes, ficamos presos nos mesmos velhos argumentos filosóficos sobre violência por armas de fogo", salienta Morris, que mora no Estado americano do Utah.

Estatísticas indicam que, por causa das armas de fogo, 8,3 mil crianças são hospitalizadas todos os anos nos EUA.

O número de mortes violentas por armas no país já é maior do que no Oriente Médio.

Pra Morris, sua foto com a roupa ensanguentada revela, em sua opinião, "as incontáveis vezes que isso aconteceu comigo e com outras pessoas que trabalham na emergência de um hospital".

Médicos como ele não são contra as armas ou contra a NRA, acrescenta.

"Somos contra a violência. A violência é um problema real; as armas são apenas um vetor. O que queremos é a oportunidade de estudar o problema e aplicar a metodologia científica para melhorar as coisas", explica.

O estudo sobre a violência por armas de fogo é um assunto de saúde pública, que está no centro de um conflito de longa duração entre os profissionais de saúde e a NRA.

O tuíte da associação que causou tamanha reação nas redes sociais ocorreu após a publicação de um estudo pela revista científica American College of Physicians em que os autores diziam que os profissionais de saúde tinham uma "responsabilidade especial" de falar sobre a prevenção de ferimentos causados por armas de fogo e que deveriam apoiar "a regulação apropriada da compra de armas de fogo legais".

Por muito tempo, a NRA, que gastou mais de US$ 5 milhões em lobby junto a políticos em 2017, tentou barrar a realização de pesquisas por instituições públicas sobre a violência por armas de fogo. Um de seus alvos era o Centro de Controle e Prevenção de Doenças, um dos principais órgãos de saúde pública dos EUA.

Em março deste ano, contudo, foi aprovada uma lei que permite ao CDC pesquisar sobre as causas de violência por armas de fogo, mas uma outra legislação, de 1996, ainda impede que a organização defenda ou promova o controle de armas.

Outro tuíte muito compartilhado foi postado pela médica legista Judy Melinek, que mora em São Francisco, na Califórnia.

"Fiquei indignada com o fato da NRA dizer aos médicos para não se meterem onde não são chamados. Semana após semana, lido com uma carnificina na minha sala de autopsia resultante do fácil acesso dos americanos a armas de fogo", disse a profissional, de 49 anos, à BBC.

Melinek já realizou autópsias em mais de 300 corpos feridos a bala, incluindo crianças mortas em fogo cruzado ou mesmo intencionalmente pelos pais, como explicou ela ao site Vox.

"Ninguém conhece a morte por ferimento por arma de fogo mais intimamente do que os médicos legistas. Somos literalmente qualificados como especialistas no assunto. Temos que nos pronunciar", afirmou.

Procurada pela reportagem, a NRA não respondeu aos questionamentos encaminhados pela BBC.