Se médicos cubanos forem embora, quando chegarão os próximos?, diz médico de Cuba que chegou ao Brasil nos anos 1990
Quando o médico cubano Eduardo Rodriguez chegou a Pedreira, no interior de São Paulo, não havia outros como ele ali. Era meados dos anos 1990 e ele trabalhava sozinho para implantar um sistema de saúde familiar na região. Foi só vinte anos depois que Rodriguez viu seus conterrâneos chegarem como integrantes do programa Mais Médicos - o município de 47 mil habitantes foi um dos primeiros a receber os profissionais de fora. Desde então, em meio a críticas de entidades de classe e outras controvérsias, Rodriguez percebeu a diminuição das filas nos postos de saúde e ouviu elogios aos cubanos que visitavam os doentes em casa.
Agora, com Cuba anunciando que vai deixar o programa, Rodriguez diz não temer pelo futuro das três médicas cubanas que trabalham ali. Nem por Pedreira em si. Sua preocupação está longe, nos interiores do Brasil, onde os estrangeiros são as únicas opções para uma população carente.
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"Acho que essa decisão vai desmantelar o sistema de saúde. Tem lugares que só tem médicos cubanos e os prefeitos se apoiam nisso. Se as próprias prefeituras terão que pagar os salários dos médicos, como vão bancar? E a lei brasileira não permite a contratação sem concurso público. No momento que os cubanos vão embora, quando vão chegar os próximos?", diz Rodriguez, que hoje é diretor de saúde de Pedreira.
A decisão de Cuba de deixar o Mais Médicos, programa criado pelo governo Dilma Rousseff em 2013, foi informada nesta quarta-feira, em declaração do Ministério da Saúde Pública publicada no jornal Granma. No texto, o ministério cita "referências diretas, depreciativas e ameaçadoras" feitas pelo presidente eleito Jair Bolsonaro sobre a presença dos profissionais cubanos no país. Em agosto, em um comício, Bolsonaro afirmou que iria usar o Revalida - o exame de validação de diplomas - para "expulsar" os médicos cubanos.
"Vamos botar um ponto final do Foro de São Paulo. Vamos expulsar com o Revalida os cubanos do Brasil", disse o então candidato.
Há cinco anos, Cuba envia médicos para trabalhar no Sistema Único de Saúde como uma forma de atender regiões pobres e amenizar a dificuldade de contratações de brasileiros. O projeto foi criticado por associações médicas porque, segundo elas, abriria uma brecha para atuação de profissionais cuja formação não foi endossada por órgãos competentes do país.
Já para Rodriguez, além de suprir a falta de pessoal, os cubanos do Mais Médicos reforçaram um enfoque mais acolhedor de atendimento, em que os processos de escuta do paciente são valorizados, seguindo o modelo de medicina social de Cuba.
"Eles são bem qualificados, como eu. Tem essa formação de acolhimento, aquele sorriso de sempre, a preocupação em escutar a queixa com cuidado."
Ele argumenta que a principal consequência da saída dos cubanos será a reação dos pacientes, que sentirão falta do atendimento, ainda mais onde experimentam a presença de um médico pela primeira vez.
"Isso é muito difícil, sobretudo no Nordeste, onde às vezes o cubano é o primeiro médico. Precisamos lembrar que tem cubanos em comunidades indígenas, em quilombos."
No caso de Pedreira, ele diz que não sabe como a substituição das três médicas será resolvida, mas prevê que os moradores receberão mal a notícia.
"Eles vão estranhar. Os médicos de família vão na casa das pessoas quando elas estão acamadas. O pior que vai acontecer é com a população mais necessitada que, além de carência econômica, terá falta de afeto e cuidado."
Contratações
Mas há também as dificuldades práticas. Para secretária de saúde de Pedreira, Ana Goulart, uma corrida de contratações será o primeiro resultado da saída de Cuba do Mais Médicos, o que tende a agravar a escassez de profissionais.
"De imediato, a substituição vai ser complicada, porque todo mundo vai estar contratando. Minha vizinha, Jaguariúna, tem 11 cubanos, a região toda vai estar procurando", diz Goulart, que entre idas e vindas ocupa a função há 13 anos.
Para ela, o grande desafio será achar brasileiros para preencher as vagas. Em sua experiência como secretária, diz que sempre teve dificuldades para encontrar pessoas dispostas a atender em postos de saúde durante 40 horas por semana, como médicos de família.
"É difícil achar alguém que queira vir passar 40 horas como as três cubanas fazem hoje. Temos mais facilidade com especialistas, como cardiologistas, ginecologistas, que podem trabalhar 20 horas."
O pouco interesse de médicos brasileiros de trabalhar em regiões remotas e pobres está entre as razões citadas pelo governo Dilma para incentivar a entrada de estrangeiros no SUS. Hoje, das 18.240 vagas do programa, 8.332 são ocupadas por cubanos, segundo dados do Ministério da Saúde. Ainda de acordo com o ministério, nos próximos dias será convocado um edital para ocupar os postos abertos.
A secretária de Pedreira diz que ainda não conversou com as médicas cubanas sobre sua saída da cidade. O comunicado publicado nesta quarta não informa a data em que os profissionais deixarão o programa. Para Goulart, elas farão falta em Pedreira, onde seu trabalho é bem visto e ajudou a diminuir as filas por atendimento.
"A população aceita bem o serviço delas e elas são muito boas, cumpridoras de horário."
Eduardo Rodriguez engrossa o coro: as cubanas são simpáticas, preparadas e foram muito recebidas pela comunidade, onde ele se instalou em 1995.
"Somos cubanos porque nos diferenciamos na fala, mas somos morenos como os brasileiros, gostamos de arroz e feijão, picanha. Elas já estão muito bem adaptadas."
Com o anúncio da saída de Cuba, um médico responsável por cobrir as férias dos demais deve entrar no lugar de uma das cubanas, mas duas vagas permanecerão em aberto. Tais ausências, diz Goulart, devem aumentar a espera por consultas.
Falta de transparência nos pagamentos
Apesar dos problemas trazidos pelo fim da parceria com o país caribenho, a secretária diz que o desdobramento não foi de todo inesperado. As falas de Bolsonaro durante a campanha, quando declarou que "expulsaria" os médicos cubanos do Brasil com base no exame da revalidação de diploma de médicos formados no exterior, o Revalida, já a deixaram em alerta. O que surpreendeu a secretária, no entanto, foi a decisão ter partido de Cuba e não do governo brasileiro.
"Para Cuba estava bom, né, porque o Brasil mandava um valor maior para eles e (eles) pagavam um valor menor para os médicos."
Segundo termo técnico assinado entre o Ministério da Saúde e a Organização Pan-Americana da Saúde (Opas), braço da Organização Mundial de Saúde para as Américas, cada médico do programa recebe do governo federal uma bolsa de R$ 10 mil mensais. O dinheiro é pago pelo governo brasileiro à Opas, que o repassa para Cuba. O governo cubano, por sua vez, retém uma parte do valor e paga o restante aos médicos bolsistas do país. Não há, no entanto, números oficiais sobre o quanto é repassado. Nos cinco anos de programa, participantes reclamaram que nenhum recurso estava sendo enviado.
No ano passado, o Tribunal de Contas da União recomendou ao Ministério da Saúde que corrigisse falhas e desse mais transparência aos repasses financeiras à Opas. Para o tribunal, o ministério deveria exigir que a organização apresentasse a prestação de contas dos pagamentos feitos aos participantes do Mais Médicos.
Na mesma ocasião, o TCU apresentou dados que indicavam a eficácia do programa. Segundo números do governo federal de 2017, mais de 63 milhões de pessoas eram assistidas pelo Mais Médicos. Além disso, nos 2.116 municípios que receberam médicos nos 1º e 2º ciclos do programa, houve um crescimento de 33% na média mensal de consultas.
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