A ascensão dos bares onde não se vende bebida alcoólica
Um bar sem álcool é quase um paradoxo - mas esse tipo de estabelecimento está ganhando popularidade ao redor do mundo.
Quando você entra no Getaway, um bar estiloso perto da avenida principal de Greenpoint, no Brooklyn, você pode imaginar que vai encontrar ali todos aqueles drinques de Nova York que fazem sucesso no Instagram.
As paredes verde e azul são de bom gosto, o espaço é aconchegante o suficiente a ponto de você participar da conversa na mesa vizinha, e o cardápio apresenta uma lista de coquetéis de US$ 13 com ingredientes como xarope de tabaco, groselha e pimenta jalapeño.
Há ainda um aviso amistoso dos proprietários comunicando que laptops não são permitidos.
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Mas há uma diferença crucial entre o Getaway e outros bares do Brooklyn: o Getaway não vende drinques com álcool.
Um bar sem bebida alcoólica soa como um paradoxo, como um aquário sem peixe ou uma padaria que não vende pão.
Mas em cidades como Nova York e Londres, onde os bares costumam funcionar como uma segunda sala de estar para quem mora em apartamentos com pouco espaço, uma opção de vida noturna sem álcool pode atrair uma clientela que, por algum motivo, prefere não beber.
Sam Thonis, coproprietário do bar junto a Regina Dellea, teve a ideia de abrir o Getaway há três anos, quando ele e o irmão, que não bebem, estavam tentando encontrar um lugar para sair à noite.
"Não havia muitas opções de vida noturna em Nova York que não girassem em torno do álcool ou não estivessem tentando te forçar (a beber) de alguma forma", diz Thonis.
"Quanto mais eu conversava com as pessoas, mais eu sentia que elas queriam esse tipo de espaço".
Em resposta, Thonis e Dellea fizeram do seu bar cuidadosamente um espaço com 0% de álcool, o que significa que nem mesmo cervejas sem álcool, que têm uma quantidade mínima de álcool, são permitidas no cardápio.
Nos EUA, o termo "não alcoólico" pode ser aplicado a bebidas com 0,5% de álcool por volume ou menos, o que significa que muitas cervejas sem álcool famosas na verdade não são totalmente livres da substância.
"É 0%, tanto quanto for humanamente possível, por isso, se você está sóbrio e isso é um problema para você, ou você nem quer sentir o cheiro de álcool ao seu redor, você estará seguro", esclarece Thonis.
Mas ainda assim o lugar se parece com um bar - só abre à noite, tem pouca luz e ninguém parece estar trabalhando.
O Getaway, inaugurado em abril, faz parte de uma onda mundial crescente de casas noturnas que atendem especificamente pessoas que estão evitando o álcool, mas ainda querem sair e socializar em espaços tradicionalmente dominados pela bebida.
Nos EUA, há ainda o Vena's Fizz House, em Portland, e o The Other Side, em Crystal Lake, subúrbio de Illinois. Em Londres, a rede Redemption Bar, que tem três filiais, além de não vender álcool conta com um cardápio de comida vegana, sem açúcar e sem trigo. Em janeiro, o The Virgin Mary, um pub sem álcool, foi inaugurado em Dublin, na Irlanda.
Espaço de moderação
Bares que não vendem álcool não são um conceito novo. No fim do século 19, uma série de bares sem álcool, conhecidos como temperance bars ("bares de temperança") foram estabelecidos no Reino Unido, na esteira do movimento de temperança, que pregava a abstinência.
O Temperance Bar de Fitzpatrick, fundado em 1890 em Rawtenstall, ao norte de Manchester, serve ainda hoje cerveja de raiz sem álcool e doses de dandelion and burdock, bebida não alcoólica à base de dente-de-leão e bardana.
Mas a diferença em relação à onda atual de bares sem álcool é que eles não estão enraizados na ideia de abstinência total.
No Getaway, por exemplo, a clientela não é formada apenas por pessoas que não bebem, mas por qualquer um que queira se divertir em um ambiente de bar sem o risco de acordar de ressaca no dia seguinte.
"Nada no nosso espaço diz que você precisar ficar sóbrio, ou que você não deve virar a esquina e entrar em outro bar para tomar uma dose de tequila depois que sair aqui", explica Thonis.
"Não é exclusivamente para quem não bebe."
Dessa forma, o Getaway dialoga com o movimento que faz com que a geração millennial das grandes cidades reconsidere o papel do álcool em suas vidas.
Lorelei Bandrovschi, de 32, se enquadra nessa categoria.
No ano passado, ela começou a organizar eventos sem álcool, chamados Listen Bar, para pessoas que queriam se divertir sem consumir bebida alcóolica.
Ela costumava atuar como consultora para marcas como YouTube e o Museu de Arte Moderna de Nova York, mas agora o Listen Bar é seu trabalho em tempo integral.
"Os bares são um espaço de relaxamento, e fomos levados a acreditar que o álcool precisa fazer parte disso", diz Bandrovschi.
"É muito libertador criar espaços em que uma festa animada não seja sinônimo de ressaca e memórias fora de foco."
Bandrovschi não é abstemia, mas depois de um mês sem beber ela notou a falta de opções para pessoas que queriam sair com os amigos sem ter que pedir um refrigerante, enquanto todos os outros tomavam drinques elaborados.
"Acho que a cultura do bar, desde o cardápio aos funcionários e clientes, tende a fazer com que quem não bebe se sinta deslocado", avalia.
"Minha filosofia pessoal é de que a bebida deve ser opcional. Para chegar a uma cultura de bebida opcional, em oposição à cultura atual de que beber é a regra, temos que celebrar a escolha de não beber."
"Deve haver tanto espaços (para quem não bebe) quanto para quem bebe, espaços que sejam legais e divertidos. Eu queria criar algo que estava faltando, queria muito mudar essa cultura", completa.
Ficar sóbrio?
Essa ideia de que a "bebida deve ser opcional" pode não ser ainda o padrão, mas há indicadores de que os jovens não estão bebendo mais tanto quanto costumavam.
Em 2016, entre os adultos com mais de 16 anos entrevistados pelo Escritório Nacional de Estatísticas, o IBGE britânico, apenas 56,9% haviam bebido na semana anterior, o menor percentual já registrado desde que o órgão começou a fazer a pergunta em 2005.
Em fevereiro, o International Wine and Spirits Record afirmou que 52% dos adultos americanos estavam tentando ou já haviam tentado reduzir o consumo de álcool.
Uma série de artigos sobre tendências recentes sugere que os millennials estão reconsiderando quando e como eles bebem.
As vendas de cerveja estão em declínio nos EUA e, embora isso possa significar que os consumidores estão se voltando para outros tipos de bebida, a indústria do álcool respondeu à crise introduzindo mais opções com baixo teor e sem álcool.
As bebidas não alcoólicas podem se converter em um grande negócio, inclusive em espaços que não são livres de álcool.
Cada vez mais, restaurantes sofisticados incluem opções de bebida sem álcool para acompanhar seus menus, assim como vinhos ou coquetéis.
"Muitos clientes pediam opções sem álcool e não queriam beber apenas água", diz Chelsea Carrier, diretora de bebidas dos restaurantes O Ya, Covina e The Roof Top, em Nova York.
Ela estima que atualmente as bebidas sem álcool correspondam a cerca de 20% dos pedidos - e acredita que coquetéis não alcoólicos fazem com que os clientes que não bebem se sintam incluídos.
"Você pode estar sentado ao lado de alguém que está bebendo uma garrafa de vinho de mais de mil dólares, tomar um coquetel sem álcool e sentir que pertence àquele lugar", diz ela.
Uma tendência?
No Existing Conditions, um bar no Greenwich Village de Nova York conhecido pelos drinques criativos, os coquetéis sem álcool são um destaque no menu.
E, de acordo com o diretor de bebidas Bobby Murphy, são alguns dos itens mais caros que eles oferecem, tanto em termos de ingredientes quanto de mão de obra.
Um drinque, o Stingless, leva mel de melipona, produzido por minúsculas abelhas no México, que pode custar US$ 100 o quilo.
"Servir só refrigerante já não é mais suficiente", diz Murphy.
"Quando fazemos drinques sem álcool, queremos que sejam algo que você não vai conseguir encontrar em nenhum outro lugar."
Ele estima que de 20% a 30% do total de bebidas vendidas no Existing Conditions são não alcoólicas.
Resta saber se a onda de "bares sóbrios" continuará a proliferar e prosperar.
Em 2015, um bar que não vende álcool foi desativado após apenas cinco semanas em Auckland, na Nova Zelândia.
Mas não há dúvida de que o interesse por bebidas não alcoólicas para adultos está aumentando em toda a indústria - o que torna improvável que despareça em breve.
No Getaway, o negócio se manteve estável no último mês.
"Todos os dias me preocupo com o fato de que ninguém vai aparecer e, 20 minutos depois, está cheio", conta Dellea.
Entre seus clientes, estão vizinhos curiosos, mulheres grávidas e abstêmios, mas Dellea e Thonis esperam que o apelo do bar seja amplo.
"Pode ser para todos, mas não precisa ser", diz Thonis.
"Há um milhão de opções. Se as pessoas não gostam da gente, tudo bem. Elas têm direito. Para quem quiser estar aqui, estamos abertos."
Leia a versão original desta reportagem (em inglês) no site BBC Capital.
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