Agentes da PRF não socorreram minha filha, diz mãe de jovem baleada no RJ

A mãe da jovem atingida por um tiro na cabeça durante uma operação da Polícia Rodoviária Federal em Duque de Caxias (RJ) na terça (24) disse ao UOL que os agentes não prestaram socorro à filha dela, e que o marido escapou de ser atingido também porque se abaixou.

Juliana Leite Rangel, 26, está internada em estado gravíssimo. Segundo a PRF, os agentes envolvidos na ação foram afastados —a corporação não informou quantos.

O que aconteceu

Deyse Rangel contou ao UOL que os agentes da PRF ficaram "igual barata tonta". "Eu chamei minha filha e ela tinha tomado um tiro na cabeça, estava dentro do carro, cheia de sangue. Eu falei [para o agente]: 'tu matou a minha filha'. Ele botou a mão na cabeça e ficou batendo no chão igual a um maluco. Ele viu a m*rda que ele fez, e eles não socorreram a Juliana", disse.

Eles não socorreram a Juliana, eles não socorreram. Quem socorreu foi o carro, foi a PM que passava lá pela rua.
Deyse Rangel, mãe de jovem baleada em Duque de Caxias (RJ)

Deyse contou que uma viatura da PM chegou logo em seguida, pensando, pelo barulho dos tiros, que se tratava de um assalto. "Foi a PM que passava pela rua que pegou para ver se a Juliana estava viva ainda. Estava, aí eles pediram ajuda para colocá-la dentro do carro, para socorrer."

Ela disse que, se o marido dela não tivesse se abaixado na hora dos tiros, teria sido atingido também. O pai de Juliana, Alexandre Silva Rangel, disse que o tiro que acertou a filha passou de raspão no dedo dele.

Ele [Alexandre] tentou puxar a direção do carro para o canto da pista, para poder encostar o carro. Todo mundo abaixou, e acertou um tiro no banco do motorista. Se ele não tivesse abaixado, ia acertar a cabeça dele em cheio.

A mulher contou que, inicialmente, a família pensou que os tiros eram fogos de artifício. "Quando eles começaram a atirar no carro, a gente imaginou que era bombinha, fogos. Na época de Natal, né? Foi só quando a gente viu o vidro quebrando que a gente percebeu que era tiro."

Ela disse que o marido conseguiu encostar o carro e ela desceu, dizendo que era uma família que estava dentro do veículo. "Nem sabia que era a polícia que estava atirando na gente", falou.

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Deyse perguntou o que estava acontecendo, e a PRF disse que a família tinha atirado neles primeiro. "Eu falei, como assim a gente atirou em você, você está maluco? Eu mandei meu filho descer do carro, junto com a minha nora. Aí quando chamei minha filha, vi que ela tinha tomado o tiro na cabeça". Alexandre Rangel, pai de Juliana, disse que não tinha arma. "Nem arma eu tenho, como é que eu posso ter atirado em você?", questionou.

Família estava a caminho de Niterói (RJ), onde passaria a ceia de Natal. Eles foram atingidos quando passavam pela rodovia Washington Luís (BR-040).

Juliana passou por uma cirurgia e está em coma induzido. O estado de saúde dela é gravíssimo.

Caso ocorreu no mesmo dia do decreto que regula força policial

A estudante foi baleada no mesmo dia em que o governo federal publicou um decreto que regulamenta o uso da força policial em todo o país. Assinado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva e pelo ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, o texto reúne um conjunto de regras de conduta para os profissionais de segurança pública.

O decreto prevê que a arma de fogo só pode ser usada como último recurso pelos policiais. Também proíbe o uso de armas contra pessoas desarmadas em fuga ou veículos que desrespeitem bloqueios policiais em via pública, como aconteceu com o músico Evaldo Rosa, fuzilado no Rio em 2019. A exceção é se houver risco ao profissional de segurança ou a terceiros.

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O texto também prevê que não é legítimo o uso de arma contra veículo que desrespeite bloqueio policial em via pública. A exceção é para quando houver risco de morte ou lesão.

Profissionais de segurança pública devem priorizar "comunicação, a negociação e o emprego de técnicas que impeçam uma escalada da violência", diz o documento. A pasta será responsável por financiar ações para implementação do decreto, formular e monitorar ações relacionadas ao uso da força policial.

Diretrizes não são imposições aos estados —entes responsáveis pela segurança pública e pelo comando das polícias militares. As ações, segundo o governo federal, são uma tentativa de padronizar a política pública de segurança.

Repasses para os fundos de segurança pública estarão condicionados ao cumprimento das diretrizes pelos estados. O Ministério da Justiça deve criar um Comitê Nacional de Monitoramento do Uso da Força para acompanhar os resultados das novas diretrizes.

Decreto não muda realidade, dizem especialistas

Especialistas ouvidos pelo UOL afirmam que as normas não mudam as realidades dos estados. "Muito do que está colocado no decreto está colocado nos protocolos das polícias. A polícia não pode atirar a esmo, a polícia não pode atirar sem que haja uma necessidade efetiva. A lei, embora não tenha um poder de forçar as polícias a atuarem dessa forma, tem o poder de sensibilizar a sociedade e se mais um instrumento legal para cobrar instituições policiais", afirma Rafael Alcadipani, professor da FGV-SP e membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

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Para Alcadipani, o caso do Rio se enquadra no decreto. Ele destaca, contudo, que os agentes envolvidos já responderão pelo Código Penal.

Houve um abuso flagrante do direito deles de atuar, do uso da força, mas eles já vão responder pelo Código Penal. O decreto fortalece, uma vez que é voltado fundamentalmente para a Polícia Rodoviária Federal, para a Polícia Federal e para a Força Nacional. Mas o Código Penal é a lei mais importante, uma vez que o decreto não tem uma punição colocada. Rafael Alcadipani, professor da FGV-SP e membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

Decreto não traz novidade, diz Carolina Ricardo, diretora-executiva do Instituto Sou da Paz. Segundo ela, as novas regras são uma atualização de uma portaria de 2010, que também tratava do uso da força policial." Foi criado um grupo de trabalho com representantes de diferentes polícias do governo, da sociedade civil, para fazer essa atualização", afirma ela. "A publicação no formato de um decreto é um pouco mais forte do que se fosse uma portaria, mas não tem nenhuma grande novidade".

Governo federal tem "obrigação de regular o uso da força policial", afirma Samira Bueno diretora-executiva do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. "Durante a gestão [Flávio] Dino e agora finalizada com Lewandowski, a Secretaria Nacional de Segurança Pública entendeu que precisava de uma regulamentação da legislação e, mais do que isso, decidiu atualizá-la diante dos novos desafios que o Brasil enfrenta."

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