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Programa da Ana Maria Braga levanta polêmica sobre transtorno do déficit de atenção

Por Cristina Almeida*

Especial para o UOL Ciência e Saúde

07/12/2011 07h00

Seu filho é agitado, não para quieto um segundo e tem dificuldade em se concentrar? Em um primeiro momento você pode pensar que isso é comum para a idade, mas logo vem a dúvida: e se ele tem déficit de atenção?

Desconhecido por muitos anos, o Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) é considerado, hoje, um diagnóstico fácil para atitudes antes vistas como normais na infância. O tema sempre causa dúvidas e polêmica, como a deflagrada pelo programa "Mais Você", da TV Globo, no último dia 28. Em entrevista a Ana Maria Braga, o neurologista Eduardo Mutarelli chegou a colocar em dúvida a existência da doença. O fato fez a Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) a divulgar uma carta de repúdio, esclarecendo que o transtorno é descrito desde o século 18.

"Se o TDAH fosse apenas “um jeito diferente de ser” e não um transtorno mental, por que os portadores, segundo pesquisas científicas, têm maior taxa de abandono escolar, reprovação, desemprego, divórcio e acidentes automobilísticos", questiona a ABP, após informar que mais de 200 artigos científicos já foram publicados demonstrando alterações no funcionamento cerebral de portadores do transtorno.

Dados do National Institute of Health (NHI) indicam que o TDAH é  o problema psiquiátrico mais comum na infância. Um recente estudo concluiu que 4,5% das crianças e adolescentes brasileiros sofrem desse distúrbio. E não só. Cerca de 58% deles estariam sem diagnóstico, e apenas 13,3% estariam sob tratamento adequado.

É importante destacar que doenças mentais são poucos reconhecidas nesta faixa etária. Segundo o psiquiatra Guilherme Vanoni Polanczyk, professor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), resultados como esses ainda devem ser vistos com critério. “Isso porque a ideia de que uma criança possa ter depressão ou ansiedade é algo recente”, diz. “Até a disciplina que estuda esse grupo é nova no Brasil. Além disso, a disponibilidade de serviços é escassa. Todos esses aspectos influenciam o TDAH”, completa.

Guris sim, capetas não

Mas como reconhecer o TDAH, se uma de suas características é  a extrema agitação que pode ser confundida com traço de caráter, energia ou indisciplina? Juliana Gomes Pereira, coordenadora dos Ambulatórios de Dependência Química e Abuso e Violência na Infância e Adolescência da Unidade da Criança e do Adolescente de São Caetano do Sul, ligada à Faculdade de Medicina do ABC (FMABC), explica que "a gravidade dos efeitos causados por esses sintomas é o indício mais veemente do problema”.

Polanczik concorda, e acrescenta que a linha limítrofe entre uma coisa e outra é o prejuízo para a vida da criança: “Quando pais e professores, e estes são os que mais identificam e validam a existência do distúrbio, notam a relevância de determinado prejuízo para a criança, sua família e seus relacionamentos, além do desempenho cognitivo, é hora de procurar ajuda”.

Veja possíveis sinais do Transtorno de Déficit de Atenção com Hiperatividade

O diagnóstico do DTAH é clínico e deve ser feito por um médico, mas fique atento aos seguintes sintomas, especialmente se eles causam prejuízo à vida social, escolar e familiar:

Desatenção: a criança não consegue ler sem perder o foco. Essa atividade é de extremo esforço e penosa. Pequenos estímulos externos são valorizados, quando as demais crianças não os perceberiam. Perda frequente de objetos. Comportamento de quem parece não escutar. Mas atenção: esse sintoma, isolado, pode estar relacionado a outros distúrbios.

Hiperatividade: : não consegue ficar sentada por muito tempo ou parada. A sensação que se tem é que é movida por um motor. Agitação, fala em demasia.

Impulsividade: tem dificuldade de esperar sua vez, interrompe conversas, não espera a finalização de respostas para sua pergunta, age antes de pensar.

Dificuldade de memória de trabalho: : é incapaz de gerir várias informações ao mesmo tempo para execução de uma tarefa.
 

O diagnóstico, nesta fase,  é considerado complexo”, afirma Bruno Nazar, psiquiatra do Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). “Mesmo se não apresentarem prejuízos associados aos sintomas, esses pacientes  têm importantes limitações em suas atividades diárias para conseguir um funcionamento normal e poderiam apresentar melhora na qualidade de vida com tratamento”.

De acordo com os especialistas, como se trata de um distúrbio que envolve questões comportamentais e emocionais, o médico treinado para avaliar o problema é o psiquiatra. “Mas muitas vezes o neurologista tem sido procurado em razão da escassez desse especialista, assim como  pelo estigma relacionado à sua procura, principalmente para crianças”, completa Pereira.

Pediatras também podem ser os primeiros a receber a queixa do TDAH, mas o acompanhamento da doença exige ação conjunta de equipes multidisciplinares, formadas por neurologista, neuropsicólogo, terapeuta comportamental, fonoaudiólogo, psicopedagogo, entre outros.

Desatenção pode indicar outros problemas

Como não existem exames laboratoriais para o diagnóstico, este é  clínico, isto é, o médico deve colher histórico familiar e do paciente, observar a dinâmica da família, o comportamento escolar, além de avaliar a criança para identificação dos sintomas típicos, estratégias que pressupõem múltiplas sessões informativas, além de várias formas específicas de avaliação.

O psiquiatra Polanczyk  informa que o diagnóstico diferencial (avaliações complementares para excluir outras situações como dislexia, problemas neurológicos, depressão etc.)  é desejável,  pois há situações em que o motivo da busca por ajuda médica é a desatenção. “É importante saber que nem sempre esse sintoma isolado é TDAH. Ele pode estar relacionado a outros transtornos como a depressão, a dislexia, problemas neurológicos, etc”, diz o especialista.

O papel da escola

Na escola, posicionar esses alunos mais à frente e conferir-lhes mais tempo para a realização de tarefas (provas, leituras, lições), seriam as estratégias ideais para a perfeita conjunção de esforços na busca por melhor aproveitamento. De acordo com os especialistas, já existe até Projeto de Lei que dispõe sobre a adaptação da grade curricular para quem tem TDAH. “Mas, em geral, as escolas não têm esse preparo”, observa Polanczyk.

Todo esse empenho pode valer a pena. Embora não se fale em cura, há a chance de que a história natural leve à remissão dos sintomas. Uma parcela significativa de pacientes seguirá com sinais brandos pela idade adulta.

*Com informações do UOL Ciência e Saúde