Quem desconfia de tudo vive em estado de alerta; faça o teste e veja se você é assim
Como já defendia o dramaturgo William Shakespeare, “ame a todos, confie em poucos, não faça mal a ninguém”. Há quem leve a segunda parte do conselho ao pé da letra, e alguns até extrapolam, simplesmente não dando crédito a mortal algum. Isso mesmo: nem pai e mãe escapam da retaguarda do desconfiado extremado. Literalmente, ele está sempre com o pé atrás.
As origens para tal postura são diversas. Pode ser que o sujeito seja assim por uma questão ambiental: cresceu em um meio inseguro, criado por pessoas desconfiadas, e acabou absorvendo isso.
“Ninguém aprende algo que não tenha sido ensinado. Se você vive em uma casa cercado por familiares que acreditam em tudo, é provável que se torne um ingênuo. O contrário também vale: seus cuidadores sempre encararam o mundo com suspeição? Possivelmente, você fará o mesmo”, salienta Cecília Zylberstajn, psicóloga, psicodramatista e psicoterapeuta de adolescentes e adultos.
As experiências de vida, igualmente, contam muito. Alguém que foi repetidas vezes enganado, e sofreu seguidas decepções, tenderá a ser mais cauteloso e prevenido. “Há que se considerar, ainda, que a desconfiança pode ser um fator inerente à personalidade de algumas pessoas, como outros aspectos do caráter”, observa Cynthia Schincaglia, psicóloga e psicoterapeuta cognitivo-comportamental, membro da Associação Brasileira de Psicoterapia Cognitiva (ABPC).
E o que dizer dos desconfiados que julgam os outros por suas próprias atitudes? "Eles não conseguem acreditar que existem seres humanos honestos, sinceros e bons, justamente porque não encontram algumas dessas características dentro de si. Já quem está no outro extremo, da ingenuidade, não identifica a maldade alheia porque considera como parâmetro suas qualidades. Isso prova que o homem enxerga o mundo através de seus olhos, suas atitudes e seus pensamentos e sentimentos", diz Schincaglia.
Insegurança vem a reboque
De qualquer forma, seja qual for o motivo que levou alguém a ser assim, há atributos específicos que acompanham o desconfiado. Como, por exemplo, a insegurança. “Em geral, a pessoa acaba se tornando calada e reservada, já que o medo de confiar a leva a não se abrir”, analisa Cynthia Schincaglia.
Cecília Zylberstajn concorda. “Todos nós, em algum momento, seremos enganados, traídos, e sofreremos decepções. Faz parte da vida. Quem encara essa realidade de maneira saudável, aceita o fato e se reergue, sem generalizar ou perder a esperança. Mas o inseguro, não: se uma mulher o traiu, vai pensar ‘nenhuma mulher presta, nenhuma é digna de confiança’, e assim por diante.”
O principal prejuízo de tal postura, sem dúvida, se dá no terreno sócio-afetivo: a pessoa tem problemas em manter vínculos por desconfiar demais dos outros e, não raro, age friamente e evita relacionamentos. “Há bloqueios na hora de fazer amigos, interagir com colegas de trabalho, encontrar um companheiro”, considera Schincaglia.
Se o quadro for grave, convém procurar ajuda terapêutica. “Um pouco de desconfiança todos nós temos, é inerente à natureza humana. Mas, caso seja algo exagerado e sem controle, é provável que beire a paranoia”, adverte Zylberstajn.
Estado de alerta
Nesse caso, até a saúde pode ser abalada. Afinal, o desconfiado vive em constante alerta e vigilância para não ser ‘enganado’ e passado para trás. “Isso gera estresse e tensão, afetando o organismo”, diz a psicodramatista.
Cynthia Schincaglia observa que, às vezes, ele acerta em sua suspeita – e aí mora mais um perigo. “Tudo é, então, reforçado e agravado. Ele diz para si mesmo que a única saída é adotar essa perspectiva porque o mundo está cheio de sujeitos não confiáveis – e embarca mais fundo ainda na questão.”
Na opinião da psicóloga, embora a desconfiança constante deixe a pessoa menos vulnerável em algumas situações, acaba não compensando porque o dano geral é muito grande. Veja, agora, dicas das duas terapeutas para diminuir o grau de suspeição – e, assim, viver com mais tranquilidade.
DICAS PARA APRENDER A CONFIAR MAIS
Procure contar pequenas passagens ou fazer confidências para pessoas chegadas – familiares, amigos. Comece devagar, de forma gradativa. “E, com bom senso, vá percebendo que há quem seja confiável e leal, sim”, assegura Cynthia Schincaglia |
Cuide da sua autoestima. “Indivíduos com baixa autoestima tendem a ser mais desconfiados”, revela a psicóloga |
Antes de fazer um julgamento negativo e generalizado, busque evidências palpáveis de que pode ou não acreditar. “Dê um voto de confiança. E queira correr riscos, pois faz parte da vivência humana”, aconselha Cecília Zylberstajn, acrescentando que esta é outra característica dos desconfiados: não aceitar o risco |
Avalie as desvantagens de não confiar nos seus semelhantes. E no desconforto que é viver assim |
Volte o olhar para si mesmo, tirando o foco dos outros – e repetindo que "todos são desonestos, desleais, indignos de crença". Pense no que o fez ser desse jeito e chegar a conclusões tão pessimistas |
Acredite que você tem capacidade de desenvolver discernimento para saber quem é quem. “A princípio, o eterno desconfiado parece não ter crivo, não consegue identificar o bem do mal. Mostra uma inabilidade para conhecer o ser humano”, diz Cecília Zylberstajn |
Por fim, se chegar à conclusão de que sofre de um problema crônico, de difícil solução, procure um profissional de saúde, psicólogo ou psiquiatra. “É bom se certificar de que não sofre de algum transtorno – como o paranoide, por exemplo”, conclui Cynthia Schincaglia |
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