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HIV transmitido por cabeçada? Médica explica contágio e prevenção do vírus

Lucinha Araújo, mãe de Cazuza, criticou o capítulo do folhetim que abordou a transmissão do HIV - Fernando Maia/UOL
Lucinha Araújo, mãe de Cazuza, criticou o capítulo do folhetim que abordou a transmissão do HIV Imagem: Fernando Maia/UOL

Mirthyani Bezerra

Do UOL, em São Paulo

04/01/2016 21h06

Um episódio da nova temporada de Malhação, novela voltada para o público adolescente da Rede Globo, veiculado no final de dezembro, tem gerado polêmica nas redes sociais sobre a transmissão do vírus HIV e os direitos de pacientes soropositivos. Parte do público, além de ativistas e organizações não governamentais, ficou insatisfeita com a maneira como o tema foi abordado, apontando falta de informação sobre o assunto por parte dos produtores da novela e tom alarmista.

No capítulo veiculado no dia 25 de dezembro, os personagens Henrique e Luciana se chocam durante um jogo de basquete na escola. Os dois se ferem na testa e o rapaz, que é soropositivo, se preocupa com a possibilidade de ter infectado a jovem. Ele decide contar a ela que tem o vírus HIV e, na sequência, leva Luciana a um serviço de saúde. No local, é receitada a PEP (profilaxia pós-exposição) e a menina começa a fazer o tratamento.

Na PEP, a pessoa exposta deve tomar, durante 28 dias consecutivos, medicamentos antirretrovirais, em até 72 horas após a exposição. A infectologista Rosa Alencar, coordenadora adjunta do Programa de DST/Aids da Secretaria Estadual de Saúde de São Paulo, explicou que existem três situações em que a PEP é receitada: violência sexual, ato sexual consentido sem proteção com pessoa sabidamente soropositiva e por acidentes ocupacionais e profissionais - como um profissional da saúde que se espeta com agulha usada em paciente com HIV, por exemplo.

No caso da novela, Alencar afirma que a chance de transmissão seria mínima, “ainda mais em um contato tão rápido”. “Mas, a indicação é avaliar a situação do paciente. Se a pessoa ficou abalada com aquilo, a gente indica o tratamento apesar da pouca probabilidade”, diz.

A chance de transmissão muda conforme o tempo de exposição, a chance de secreção contaminante e a carga viral do paciente. Há pessoas que por causa do tratamento possuem uma carga viral indetectável em que, no caso de exposição sexual, “a chance de transmissão é teórica”. “Estudos mostram transmissão nula de HIV quando o paciente possui carga viral inexistente, mas existe uma gradação. Por inferência, a transmissão sexual é menos efetiva que a transmissão sanguínea”, acrescenta.
 
O contato com suor, lágrima, fezes, urina, vômito, secreção nasal e saliva (exceto quando há sangue), pele (exceto quando há algum tipo de ferimento) não é considerado de risco para transmissão do HIV e, por isso, não há recomendação de profilaxia.
 

Formas de contágio

O HIV pode ser transmitido através do sexo sem preservativo (seja ele vaginal, anal ou oral); da mãe infectada para o filho durante a gestação, o parto ou a amamentação; uso da mesma seringa ou agulha contaminada por mais de uma pessoa; transfusão de sangue contaminado com o HIV; e instrumentos que furam ou cortam, não esterilizados.

Segundo relatório divulgado pelo Ministério da Saúde em dezembro, a velocidade de expansão do HIV é mais alta na faixa etária entre 15 e 24 anos. Em 2014, a taxa de detecção por 100 mil habitantes era de 6,7 na população de homens de 15 a 19 anos. Em 2005, a taxa era de 2,1 por 100 mil. No grupo de 20 a 24 anos, a taxa passou de 16,0 casos por 100 mil habitantes, em 2005, para 30,3 casos por 100 mil habitantes.

A polêmica

Em nota, o Fórum de ONG/Aids do Estado de São Paulo afirmou que a aplicação da PEP foi abordada “sem o conjunto amplo de informações que a situação exige, e ainda recheado de frases discriminatórias que em nada contribuem para o avanço da discussão do tema”.

O Fórum escreveu ainda que a decisão de contar ou não sobre a sua situação sorológica é do paciente e que ela não deve ser revelada sob o argumento da necessidade de se “tomar as medidas necessárias”, como é sugerido pela mãe da personagem Luciana no episódio, ao defender que a escola deveria saber da condição de Henrique.

A frase em que Henrique afirma que isso nunca havia acontecido com ele porque toma todos os cuidados, inclusive, evita “ao máximo fazer esportes” foi duramente criticada. A mãe do cantor Cazuza, Lucinha Araújo, presidente da Sociedade Viva Cazuza, afirmou em postagem na página da ONG do Facebook que é de fazer “chorar” um programa “destinado ao público jovem aconselhar soropositivos a não praticar esportes, a mostrar um médico receitar medicamento antirretroviral numa situação onde dois jovens dão uma cabeçada”.

A prática de exercícios é altamente recomendada para pacientes soropositivos. Segundo Rosa Alencar, atividades físicas diminuem os possíveis efeitos colaterais do tratamento com antirretrovirais. “Algumas pessoas apresentam desde efeitos colaterais simples como mal-estar gástrico, enjoos, vômitos, até alterações mais sérias, como aumento do risco de ter problemas cardiovasculares e renais, que no geral são contornáveis. Os exercícios físicos previnem o surgimento desses problemas mais sérios”, explica.