Justiça suspende processo na USP contra criador da "pílula do câncer"
A Justiça suspendeu o processo administrativo disciplinar instaurado pela USP (Universidade de São Paulo) para cassar a aposentadoria do professor Gilberto Orivaldo Chierice, que desenvolveu a fosfoetanolamina sintética, a chamada “pílula do câncer”. A pílula, distribuída por décadas na USP, não tem comprovação de eficácia ou autorização para que seja usada como remédio.
A suspensão ainda não é a decisão definitiva a ser tomada pela 4ª Vara da Fazenda Pública de São Paulo. A liminar, concedida no dia 11 pelo juiz Antonio Augusto Galvão de França, paralisou o processo na USP, mas não o anulou, como solicitou Chierice em seu mandado de segurança ajuizado contra a universidade.
O juiz considerou insuficientes as informações da portaria baixada pelo reitor da USP, Marco Antonio Zago, para instaurar o processo contra Chierice. O texto da liminar afirma que “a portaria inicial do procedimento administrativo é lacônica, notadamente quanto às circunstâncias da conduta imputada ao impetrante”, ou seja, ao professor aposentado.
Até a publicação da matéria, a reitoria da USP não respondeu às perguntas que foram enviadas por meio de sua assessoria de imprensa. A reportagem apurou, no entanto, que a universidade pretende recorrer contra a liminar.
Fabio Maia de Freitas Soares, advogado de Chierice, não quis comentar o processo administrativo contra seu cliente devido às restrições legais vigentes, entre elas a de sigilo.
Processo contra técnico segue
Soares também ajuizou mandado de segurança em nome do químico Salvador Claro Neto, técnico há 32 anos do IQSC (Instituto de Química de São Carlos da USP), onde Chierice trabalhou. No entanto, a juíza Celina Kiyomi Toyoshima, também da 4ª Vara da Fazenda Pública de São Paulo, indeferiu a liminar solicitada. Desse modo, o processo contra o funcionário prossegue.
O advogado não comentou a decisão, ressaltando apenas que as condições de Chierice e de Claro Neto são distintas porque o primeiro é docente aposentado e o segundo é técnico ainda em exercício no IQSC.
“Temos farto conjunto de provas para afastar alegações feitas nos autos do processo administrativo e que nos garantem sucesso em qualquer questão levada a juízo contra os doutores Gilberto e Salvador”, afirmou o advogado.
Denúncia de curandeirismo
Em março, Chierice foi denunciado pela procuradoria-geral da USP por curandeirismo. A universidade estava sendo obrigada por meio de ações na Justiça a fornecer a fosfoetanolamina para pacientes de câncer.
De acordo com a USP, Chierice, que se aposentou em dezembro de 2013, teria prescrito, ministrado ou aplicado a substância para pacientes com câncer. A USP apresentou a denúncia, inicialmente, à Polícia Federal, que remeteu para a Polícia Civil. No mesmo mês, o docente do IQSC teve de prestar depoimento à Polícia Civil em São Carlos.
O inquérito policial seguiu para o Ministério Público e, então, para a Justiça. No entanto, em 8 de abril, a 3ª Vara Criminal de São Carlos arquivou o processo, que correu em segredo de Justiça. A reportagem apurou, no entanto, que um dos motivos da decisão foi a insuficiência de informações para embasar o processo, inclusive porque havia estudos em andamento sobre a ação da fosfoetanolamina.
O Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações ainda realiza pesquisas sobre a suposta ação da fosfoetanolamina contra o câncer, que foram iniciados em dezembro de 2015. Os relatórios dos estudos, que têm sido realizados também com a participação da Unicamp, ainda não apontaram resultados conclusivos sobre o efeito da substância em tumores.
Lei suspensa
Em maio, ao julgar uma ação direta de inconstitucionalidade (ADIn) ajuizada pela Associação Médica Brasileira, o STF (Supremo Tribunal Federal) suspendeu a lei que havia sido sancionada pela presidente Dilma Rousseff (PT) em abril e aprovada pelo Congresso Nacional em março, que autorizava a produção, a distribuição e o uso da fosfoetanolamina sintética, independentemente de registro na Anvisa.
Em seu relatório sobre a ADIn, o ministro Marco Aurélio afirmou que “Na elaboração do ato impugnado, o Congresso Nacional, ao permitir a distribuição de remédio sem o controle prévio de viabilidade sanitária, não cumpriu com o dever constitucional de tutela da saúde da população”.
Os ministros Luís Roberto Barroso, Teori Zavascki, Luiz Fux, Cármen Lúcia e Ricardo Lewandowski acompanharam o voto do relator Marco Aurélio. Mas Edson Fachin, Rosa Weber, Dias Toffoli e Gilmar Mendes divergiram apenas parcialmente do relator, votando em favor do uso da fosfoetanolamina exclusivamente para pacientes terminais, e não para todos aqueles diagnosticados com câncer, como estabelecia a lei.
Em outras palavras, apesar de a suspensão da lei ter sido aprovada por seis votos a quatro, os ministros do STF foram unânimes contra a lei em sua essência.
*Maurício Tuffani é editor do blog Direto da Ciência
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