Topo

Gordura faz mal para a saúde? Nem os cientistas têm certeza

Azeite é considerado gordura saudável e uma exceção: é unanimidade entre os cientistas - iStock
Azeite é considerado gordura saudável e uma exceção: é unanimidade entre os cientistas Imagem: iStock

Paula Moura

Colaboração para o UOL

15/03/2017 04h00

O conceito que comer gordura faz mal à saúde, principalmente do coração, e que engorda vem sendo questionado nos últimos.

Estudo publicado na revista Lancet em dezembro do ano passado descobriu que dietas que reduzem a gordura em 30% ou menos do total ingerido foram menos eficazes no longo prazo do que dietas que permitem mais gordura e reduzem os carboidratos, por exemplo.

“Está claro que focar apenas em um componente da dieta, como a gordura, não será a resposta para um sucesso sustentável”, diz Deirdre K. Tobias, epidemiologista associado da Escola de Medicina de Harvard, coordenador da pesquisa.

Colesterol é o vilão?

Alguns especialistas questionam até mesmo se o colesterol, cuja produção aumenta com a ingestão de gorduras e açúcar, seria a molécula certa para se medir o risco de doenças cardíacas.

É o caso de Jonny Bowden e Stephen Sinatra, autores do livro O Mito do Colesterol. Eles afirmam que metade das pessoas com doenças do coração tem colesterol normal e metade das pessoas com colesterol alto tem corações saudáveis. Assim, a alternativa seria medir o tamanho das partículas de LDL (o pequeno e denso forma placas), Lp-a (proteína de coagulação do sangue que repara artérias), entre outras oito substâncias.

Nosso corpo não consegue viver sem colesterol. Precisa dele para realizar diversas atividades, como produzir hormônios, vitamina D, sais biliares, para revestir os neurônios etc. O próprio corpo fabrica colesterol a partir das gorduras ingeridas.

E é aí que você pode dar uma ajudinha para seu organismo. Alguns tipos de gordura são mais saudáveis que outros. 

Gordura trans é a pior, sem dúvidas

12.nov.2013 - Glacê usado em donuts resiste a temperaturas maiores, mas tem gordura trans - AP - AP
Glacê usado em donuts resiste a temperaturas maiores, mas tem gordura trans
Imagem: AP

Hoje, sabe-se que a gordura trans é o pior tipo de gordura para o corpo. Um estudo publicado em 2006 no New England Journal of Medicine mostrou que a cada 2% de calorias vindas de gordura trans, o risco de doença cardíaca cresce 23%.

Sorvete de pistache - Reprodução/Tumblr - Reprodução/Tumblr
Sorvetes cremosos e biscoitos industrializados também têm gordura trans
Imagem: Reprodução/Tumblr

Ela se forma ao se acrescentar hidrogênio a óleos vegetais, transformando-os em gordura sólida à temperatura ambiente. Por aumentar o tempo de prateleira e acrescentar sabor aos alimentos, foi usada para substituir as gorduras saturadas (de origem animal) quando essas foram “demonizadas” em meados do século 20. No entanto, não diminuíram as doenças cardíacas.

Especialistas indicam que o consumo deve ser próximo de zero, pois não é metabolizada em nosso corpo e forma placas que levam a doenças cardiovasculares. No Brasil, o limite é de 2% do total de gorduras.

A gordura trans está presente principalmente em produtos industrializados como margarinas, sorvetes cremosos, biscoitos, bolos, tortas, pães, pipoca de micro-ondas, bombons. Pode vir como gordura vegetal hidrogenada ou apenas gordura hidrogenada.

Gorduras insaturadas, quase sempre saudáveis

Castanha de caju - iStock - iStock
Castanhas, nozes, sementes como de abóbora e girassol são gorduras insaturadas
Imagem: iStock

Segundo a Escola de Saúde Pública da Universidade de Harvard, elas são consideradas saudáveis por melhorarem os níveis de colesterol no sangue, reduzir inflamações, estabilizar o ritmo cardíaco, entre outros benefícios. São líquidas na temperatura ambiente e são subdivididas entre monoinsaturadas (presentes no azeite, abacate, nozes, gergelim, semente de abóbora, óleo de amendoim) e as poli-insaturadas (presentes em óleo de girassol, milho, soja e linhaça, nozes, peixe, óleo de canola).

Uma revisão de oito estudos feita em 2010 publicada na revista PLOS Medicine mostrou que a cada 5% de aumento de consumo de gorduras poli-insaturadas em substituição à gordura saturada reduziu o risco de doenças coronárias em 10%

Salmão, salmão grelhado - Getty Images - Getty Images
Ômega-3 encontrado nos peixes é considerado uma das gorduras mais saudáveis
Imagem: Getty Images

Bowden e Sinatra dividem as gorduras poli-insaturadas entre ômega-3 (encontrada em peixes, linhaça) e ômega-6 (óleos vegetais). Em seu livro, eles explicam que o corpo precisa de ambas, mas há estudos que mostram que a proporção deve ser maior de ômega-3. Isso porque enquanto o ômega-3 é anti-inflamatório, o ômega-6 é precursor de composto inflamatório. Além disso, o ômega-6 compete pela mesma enzima que o ômega-3 e, nessa corrida, acaba ganhando, o que prejudica a produção do tipo mais benéfico.

Gordura saturada, a controvérsia

A carne bovina é calórica e tem colesterol. De acordo com a nutricionista Salete Brito, comer duas porções de carne vermelha por semana é o recomendado. "Tudo em excesso é prejudicial", diz - Rodrigo Capote/UOL - Rodrigo Capote/UOL
Problema da carne vermelha pode não ser a gordura e sim outra substância, mostra pesquisa
Imagem: Rodrigo Capote/UOL

As recomendações para reduzir a gordura saturada ao longo dos anos não especificaram nenhum substituto para elas: se deveria ser carboidratos, proteína ou gorduras insaturadas. Isso fez com que as gorduras saturadas fossem substituídas por gordura trans, açúcar e carboidratos refinados, o que aumentou as doenças em vez de diminuí-las.

Revisão publicada no órgão independente Cochrane em 2015 avalia que o tipo de substituição da gordura saturada fez a diferença para o risco de doenças coronárias. Aqueles que substituíram por gordura insaturada tiveram melhores resultados. A substituição por carboidratos teve os piores resultados. 

Ao comparar a gordura saturada com a gordura insaturada, a primeira está associada um risco maior de doenças cardiovasculares. Portanto, não deve ser considerada neutra” Daniel Dong Wang, médico pesquisador do Departamento de Nutrição da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de Harvard

Ao mesmo tempo, vários estudos questionam a tese que de que a gordura saturada aumenta o risco de doenças cardiovasculares. Alguns deles separam a gordura saturada entre laticínios e carne vermelha.

Manteiga - iStock - iStock
Julgada e absolvida: manteiga continua controversa
Imagem: iStock

No começo do ano, Dariush Mozaffarian e seus colegas publicaram um estudo na revista Circulation em que usaram biomarcadores para a gordura do leite e sugerem que a maior concentração dela no sangue está associada à menor incidência de diabetes.

Nossa descoberta sugere que as orientações que focam apenas em laticínios de baixo teor de gordura devem ser reavaliadas, permitindo flexibilidade para consumidores individuais selecionarem leite, queijo e iogurte integrais ou com menor teor de gordura como parte de um padrão global de alimentaçãoDariush Mozaffarian

Em 2013, com estudos publicados na revista Nature e no New England Journal of Medicine, Stanley Hazen, do Instituto Lerner e da Clínica Cleveland, questionou até mesmo se as gorduras são a causa das doenças cardiovasculares.

Juntamente com outros cientistas, ele analisou a presença de TMAO (N óxido de trimetilamina), um composto produzido no fígado depois que as bactérias do intestino digerem L-carnitina (presente na carne vermelha) e lecitina (presente em gema de ovo, carnes e laticínios). O TMAO seria responsável por inflamar e danificar artérias, abrindo espaço para o acúmulo de colesterol, e também reduzir a habilidade do corpo de eliminar o colesterol ruim. Pessoas acompanhadas por 3 anos que tinham os níveis mais altos de TMAO apresentaram 2,5 vezes risco maior de ataque cardíaco, acidente vascular cerebral ou morte.

Wang sustenta que no caso do leite, os benefícios podem ser atribuídos a outros componentes que não a gordura, como cálcio, magnésio ou potássio, que são difíceis de separar. Ele defende o uso de óleos vegetais e cita estudo publicado neste ano no The American Journal of Clinical Nutrition, que relacionou o risco de doenças cardiovasculares ao consumo de leite mostrou o efeito benéfico de substituí-lo por gorduras insaturadas.

As Diretrizes Alimentares para os Americanos para 2015 a 2020, do Departamento de Agricultura dos EUA, recomendam que menos de 10% das calorias diárias sejam de gordura saturada.

O que é uma dieta saudável então?

Segundo o livro O Mito do Colesterol.

Refrigerante - iStock - iStock
Refrigerantes também são unanimidade, só que como item para eliminar da dieta
Imagem: iStock

Elimine os seguintes alimentos:

  • Açúcar
  • Refrigerantes
  • Carboidratos industrializados
  • Gorduras trans
  • Carnes industrializadas
  • Excesso de óleos vegetais

Consuma maior quantidade dos seguintes alimentos:

  • Salmão selvagem
  • Frutas silvestres e cerejas
  • Carne de gado criado no pasto
  • Legumes e verduras
  • Nozes e castanhas
  • Leguminosas
  • Chocolate amargo
  • Alho e cúrcuma
  • Suco de romã, chá verde e vinho tinto
  • Azeite de oliva extravirgem

Tipos de gordura do mais saudável ao menos saudável segundo a Universidade de Harvard:

Chocolate amargo - Simon A. Eugster/Wikipédia - Simon A. Eugster/Wikipédia
Chocolate amargo está na lista das gorduras benéficas de Harvard
Imagem: Simon A. Eugster/Wikipédia

Gorduras benéficas:

  • Salmão, atum, peixes gordos
  • Nozes, semente de linhaça e óleo de canola
  • Óleo de milho, de soja, de girassol, de cártamo
  • Azeite, óleo de amendoim, castanhas, abacate

Óleo de coco - iStock - iStock
Enquanto alguns consideram saudável, outros pesquisadores não acham o mesmo do óleo de côco
Imagem: iStock

Gorduras prejudiciais:

  • Carne vermelha, manteiga, queijo, sorvete
  • Gordura hidrogenada ou trans
  • Óleo de coco e de palma contém grande quantidade de gordura saturada, mas o efeito pode não ser tão prejudicial como a gordura saturada da carne vermelha e da manteiga