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Por que os idosos deveriam jogar mais videogame em seu cotidiano?

Campeonato de boliche virtual em residência para idosos teve supervisão de alunos de gerontologia da USP - Divulgação
Campeonato de boliche virtual em residência para idosos teve supervisão de alunos de gerontologia da USP Imagem: Divulgação

Thiago Varella

Colaboração para o UOL

27/09/2017 04h00

Aos 90 anos, Liziria Gonçalves nunca achou que se interessaria e se divertiria tanto jogando videogame. A idosa talvez nunca tenha ouvido falar em League of Legends, Dota, Minecraft ou mesmo no Mario e no Sonic. Mesmo assim, ela sente falta quando fica muito tempo longe das partidinhas de boliche que disputa com os moradores da casa de repouso onde mora, em São Paulo.

Todas as quartas-feiras, ela e mais um grupo de idosos, de um lar em São Paulo, se reúne na frente da TV e jogam boliche por meio do Kinect, um sensor de movimentos que é ligado a um Xbox One e possibilita disputar partidas usando o próprio corpo, sem a necessidade de um controle ou joystick.

"Nunca tinha visto isso de jogar boliche na televisão, mas achei a coisa mais fácil que tem. Eu gosto muito", contou.

Luiz Nascimento, 88, é um dos companheiros de boliche de Liziria. Ex-jogador de bocha, o idoso achou "maravilhoso" jogar na frente da televisão.

"Tem toda uma técnica em arremessar. É o moderno entrando na nossa vida. E o melhor é que não cansa nada. Até em uma cadeira de rodas dá para jogar", disse.

Prevenção e reabilitação

A gerontóloga Camila Vilela é uma das responsáveis por orientar o grupo. Segundo ela, a atividade traz dois benefícios. O primeiro é a prevenção, já que o jogo ajuda no equilíbrio, na postura, na concentração e na atenção dos idosos. Além disso, outra função é ajudar na reabilitação, como apoio à fisioterapia.

Os benefícios são inúmeros. Até mesmo afetivo. Um dos idosos disse que o neto se reaproximou e passou a pedir para jogarem videogame juntos."

O jogo de boliche na casa de repouso começou no ano passado. Ao final de um ciclo de disputas, é organizado um campeonato entre os idosos, que ficam orgulhosos em receber uma medalha. 

"Eles nunca tinham tido nenhum contato com videogames. Aí, teve uma estranheza por parte deles. Depois, com o passar das semanas, um começou a falar para o outro que estava gostando e, no fim, adoraram", contou.

Os 25 idosos que moram no lar são divididos em grupos, que contam com o auxílio de estagiários. No total, a atividade dura uma hora e meia.

Cada vez mais comum, Alzheimer destrói neurônios e afeta memória

AFP

Melhora na cognição contra doenças degenerativas

Os jogos ajudam muito a cognição dos idosos, explica Newton Luiz Terra, professor do Instituto de Geriatria e Gerontologia da PUC-RS, o que pode retardar ou prevenir doenças como o Alzheimer.

"É sempre bom explicar que a cognição é formada pela memória, pela função executiva que é a capacidade de sequenciamento, linguagem, praxia que é o ato motor que você realiza, gnosia que é a capacidade de reconhecer estímulos e função visio-espacial", disse.

"Os videogames ajudam, pois promovem um aumento no número de sinapses, de interconexões entre neurônios", completou.

O cérebro humano tem cerca de 100 bilhões de neurônios que se comunicam e formam 100 trilhões de interconexões. Segundo Terra, os neurocientistas descobriram que com o passar dos anos, ocorre no cérebro uma diminuição de sinapses que traz, consequentemente, uma deficiência cognitiva. 

A relação e evolução entre a perda de capacidades cognitivas e doenças como o Alzheimer ainda tem muitos pontos abertos no conhecimento científico.

Uma das tentativas de entender melhor o aparecimento da doença está sendo tocada por pesquisadores britânicos com um jogo eletrônico para estudar o mal de Alzheimer.

Os usuários do Sea Quest Hero enfrentam labirintos, tentam evitar tiros e fogem de monstros marinhos. O jogo estimula o cérebro dos participantes com uma série de tarefas que exigem capacidade de memorização e de orientação para, ao mesmo tempo, coletar dados sobre os primeiros indícios da doença.

A versão para smartphone já foi baixada mais de 3 milhões de vezes em mais de 190 países. 

Malhar - iStock - iStock
Imagem: iStock

Atividades estimulantes

O médico lembra que existem outras maneiras de fazer crescer o número de interconexões neuronais.

"A maneira mais indicada é a leitura com reflexão. Mas a informática, a participação em grupos de convivência, aprender uma nova língua ou instrumento musical e os exercícios físicos também ajudam na melhoria da cognição", explicou.

O importante, segundo Terra, é o idoso fazer o que gosta e encontrar uma atividade que lhe dê prazer. E isso, pelo jeito, é exatamente o que Liziria, Nascimento e os novos jogadores de boliche pelo videogame estão fazendo.