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Constelação familiar: terapia vai parar em tribunais para agilizar acordos

Marcos Moreno/UOL
Imagem: Marcos Moreno/UOL

Marcos Moreno

Colaboração para o UOL, no Rio

22/03/2018 04h00

Paulo Sérgio recebeu uma carta da 1ª Vara de Família do Fórum Regional da Leopoldina no Rio de Janeiro. Deve se apresentar na tarde de uma quarta-feira para discutir a guarda de seus dois filhos, de 3 e 12 anos.

No dia marcado, encontra sua ex-mulher na sala. Além dela, outras 30 pessoas estão no mesmo ambiente. No centro disso tudo, uma terapeuta que se intitula “consteladora familiar”. Há dois anos e meio que essa vara escolhe aleatoriamente processos para entrar num projeto novo cuja pretensão é reduzir a pressão sobre a interminável fila de processos da Justiça brasileira.

A constelação sistêmica familiar é um método terapêutico desenvolvido pelo alemão Bert Hellinger que sempre esteve acompanhado de polêmica. O objetivo da técnica é liberar as pessoas de conflitos que vêm de gerações passadas e têm raízes nos acontecimentos da história da família. A terapia foi recentemente incluída na lista de terapias alternativas oferecidas pelo SUS

Os espectadores têm em comum uma demanda por divórcio, guarda ou pensão alimentícia. A consteladora chama três voluntários para encenar o conflito. Paulo Sérgio deve interpretar um filho. Outras duas pessoas fazem os papéis de pai e mãe. A consteladora indica a Paulo Sérgio que deve olhar nos olhos deles, destacar suas virtudes e ser consciente de que ambos são responsáveis pela sua própria trajetória. Ela sugere que agradeça essas duas pessoas pelo amor que lhe deram. A mulher, interpretando a mãe, chora ao ouvir essa declaração de amor feita por um desconhecido.

Constelação familiar, terapia - Marcos Moreno/UOL - Marcos Moreno/UOL
Mulher chora enquanto reencena conflito familiar de outra pessoa em Vara da família
Imagem: Marcos Moreno/UOL

O responsável e o juiz André Tredinnick, responsável pela 1ª Vara de Família do Fórum Regional da Leopoldina, no Rio, embora ele não esteja presente na sessão.

“O novo Código Civil brasileiro estabelece a conciliação como uma parte obrigatória do processo e estimula o uso de novas técnicas para tentar chegar a acordos pré-judiciais”, diz ao UOL. “Conheci a constelação porque eu mesmo assisti a uma sessão e pensei que seria muito interessante trazê-la nos processos judiciários para descongestionar os tribunais.”

Em um levantamento de 2016 do Conselho Nacional de Justiça, o órgão identificou que a terapia era usada em varas de ao menos 11 Estados brasileiros. Um projeto usando as constelações em uma vara de Goiânia chegou a ser premiado pelo CNJ em 2015, com índice de solução de 94% em casos de disputas familiares. 

O juiz carioca utiliza outras técnicas: análises bioenergético, comunicação não violenta, meditação, reiki e floreis de Bach, e está pesquisando outras novas técnicas.

No período de abril a setembro de 2016, ele escolheu 298 processos judiciais para experimentar a fase prévia da constelação. Segundo suas informações, em 86% deles chegou-se a um acordo. Entre os casos que não se submeteram à constelação, o resultado foi de 55 % de acordos.

É importante ver o fenômeno da multiplicação de processos. Primeiro os litigantes vêm com a denúncia de divórcio, depois a guarda, a pensão alimentícia, depois o reparto de bens...mas os acordos tomados voluntariamente pelas partes são definitivos, geram menos problemas futuros.”

Na sessão também se encontra Juliana Magalhães. Ela afirma que seu marido não quer o divórcio de comum acordo, diz que teve que sair de casa com o filho pelas desavenças com ele. Na terapia, tomou consciência de que as emoções às vezes a cegam, como acontecia com sua mãe. Seu marido não esteve presente na sessão, mas ela diz que vai tentar conciliar com ele, deixando os sentimentos ao lado.

Reconhece que o problema principal é a ausência total de comunicação com o marido.

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Imagem: iStock

Terapia alternativa no SUS

A constelação faz parte das 10 novas práticas integrativas complementares que entraram a formar parte do SUS essa segunda 12 de março. Junto com ela entraram a apiterapia, aromaterapia, bioenergética, cromoterapia, geoterapia, hipnoterapia, imposição de mãos, ozinoterapia e terapia de florais. 

Os prazos para os pacientes se beneficiar da medida são ainda incertos. Christina Barros, médica gerente de práticas integrativas Secretaria Municipal da Saúde de Rio de Janeiro, confirma que a estrutura está ainda sendo montada e planejada.

“A medida é ainda muito nova. Quando tiver disponíveis os profissionais para implantar as novas práticas com o cuidado que tem que ter, eles que vão determinar quantos ou que tipo de pacientes vão ser encaminhados pelos médicos para constelação familiar.”

Guida Silva, atualmente médica e acupunturista da Secretaria Municipal da Saúde de Rio de Janeiro está se formando como consteladora para dirigir as futuras sessões.

“Elas vão envolver representantes dos membros da família do usuário. A implantação vai ser gradual” disse a UOL. “Tudo na linha de observar ao paciente de forma integral. O coração, o sistema digestivo, a parte emocional, tudo está conectado.”

Bert Hellinger e a constelação

Para Bert  Hellinger, muitos conflitos nas nossas famílias chegam por tensões não resolvidas pelas nossas famílias no passado. Descobrir essa evidência através da representação por meio de encenação de nossos conflitos pode resolvê-los. Bert Hellinger nasceu em 1925 na Alemanha. Estudou filosofia e teologia e foi missioneiro católico na África do Sul.

Juntando várias experiências e técnicas, criou o método das constelações familiares “Familienaufstellung”. Os psicoterapeutas alemães da época mostraram receios desde o início. A técnica não está baseada em um método científico rigoroso, as sessões podem parecer até esotéricas, dizem críticos.

No entanto, a técnica têm se espalhado pelo mundo através de escolas, consultas e palestras.