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Mascates dos suplementos vitamínicos vendem esperança nos EUA

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Imagem: Stockphoto

Christie Aschwanden

15/03/2015 06h00

No final do século XIX, uma doença deformadora e muitas vezes fatal se tornou epidêmica no sul dos Estados Unidos. Chamada pelagra ("pele áspera" em italiano), ela causava diarreia, confusão mental e escamação severa da pele. Em 1911, a pelagra havia se tornado a principal causa de morte em manicômios. Por fim, o Serviço Público de Saúde enviou o médico Joseph Goldberger para determinar a causa.

Naquela época, o "germe da pelagra" era o principal suspeito, mas Goldberger refutou a hipótese observando que os casos não combinavam com o padrão de doença infecciosa. A pelagra era mais frequente entre pessoas que dependiam do milho como principal fonte de alimentação, e ele propôs uma causa dietética.

Goldberger tinha tanta certeza dessa teoria que organizou "festas da imundície" nas quais ele e colegas médicos engoliam comprimidos cheios de urina, fezes e escamas de pele secas de pessoas com pelagra para provar que a doença não era contagiosa. Apesar de tais experimentos -- nenhum participante adoeceu --, cientistas e políticos não se convenceram.

Somente em 1937 -- oito anos após a morte de Goldberger -- a niacina, a vitamina B3, foi isolada e identificada como cura. Dietas baseadas no milho deixam as pessoas suscetíveis à deficiência de niacina.

Catherine Price reconta a história de como a ciência resolveu o mistério da pelagra em "Vitamania", sua história envolvente e meticulosamente pesquisada dos princípios e causas de nossa obsessão por vitaminas e nutrição. Depois de mais de uma década de pesquisa, "os cientistas ainda não entendem completamente todas as nuances do que as vitaminas fazem em nosso organismo, como agem nem quais são os efeitos em longo prazo das deficiências moderadas", ela escreve.

Segundo Catherine, uma coisa é certa: por mais pobre que seja sua dieta, é praticamente impossível ter deficiência vitamínica nos Estados Unidos hoje porque os alimentos processados são universalmente enriquecidos e fortificados com vitaminas sintéticas. A maioria desses aditivos são fabricados na China e, sem eles, boa parte de nossos alimentos não teria valor nutritivo.

Tipicamente, as vitaminas não têm sabor e são invisíveis, então dependemos de especialistas e dos rótulos dos produtos para nos dizer quais estão contidas em um item e quais alimentos deveriam ser considerados saudáveis. Nossa dependência dos rótulos "nos fez aceitar o incrível conjunto de afirmativas saudáveis, anúncios e conselhos que encontramos todo dia", afirma o livro.

Nós devoramos com avidez alimentos cujos rótulos afirmam que as vitaminas acrescentadas e as substâncias químicas da dieta "resultarão em metabolismo saudável", mas poucos param para pensar no que isso significa ou como o fato foi provado. "Desde que os anúncios empreguem a palavra mágica 'ciência', estamos dispostos a aceitar afirmativas que normalmente não resistem à pressão do bom senso."

Em uma ida à loja GNC, Catherine Price encontrou o Natural Curves, produto que promete oferecer "melhoria estética natural para o busto" com uma "fórmula balanceada 100% natural para obter o máximo resultado".

A pesquisa na literatura médica não fornece provas de que a mistura de ervas encontradas no produto pudesse cumprir o que ele promete. Nem sequer existem estudos rigorosos para apoiar as afirmativas feitas por um produto à base de espinheiro-marítimo para aliviar a pele sensível da autora.

Apesar da escassez de provas, até mesmo especialistas médicos caem em armadilhas de marketing. O fisioterapeuta de Catherine ficou estupefato quando ela lhe contou que seu suplemento favorito não é aprovado pela FDA, agência norte-americana reguladora de alimentos e medicamentos, e ele não está sozinho.

Estudo de 2007 constatou que um terço dos médicos não sabia que os suplementos alimentares não estão sujeitos à aprovação ou testes de segurança da FDA. Dada a falta de supervisão, não causa surpresa o fato de que uma investigação recente da Promotoria Pública de Nova York constatou que um grande número de suplementos fitoterápicos não continha os ingredientes listados no rótulo.

Vários incidentes destacaram a necessidade de maior supervisão. Na década de 1990, suplementos de triptófano contaminado mataram 40 pessoas e causaram problemas em mais de 1.500. Porém, até mesmo propostas de regulamentação inócuas foram recebidas com ferocidade pelos fabricantes de suplementos.

Uma emenda à lei federal de 1976 que regula alimentos, drogas e cosméticos proíbe a FDA de limitar a potência de vitaminas e minerais ou de regulamentá-las como se fossem medicamentos. Em 1994, a lei da saúde e informações sobre suplementos alimentares ajudou a garantir que os fabricantes de suplementos não precisavam demonstrar que seus produtos fossem seguros ou eficazes.

Quando a FDA tentou proibir alegações infundadas dos rótulos dos suplementos, uma entidade que representa os fabricantes organizou uma campanha imensa de cartas – considerada fraudulenta por Catherine Price --, apesar de que as regras propostas regulamentariam apenas os rótulos, não os produtos em si.

A campanha convocou funcionários e clientes de dez mil lojas de produtos para saúde a escrever para o Congresso. Estima-se que dois milhões de cartas foram enviadas.

Catherine Price sabe por quê. Os médicos que ela visitou para tratar de um problema de saúde não entravam em consenso quanto ao seu diagnóstico, "que dirá no tratamento", ela escreve. Já as promessas feitas na embalagem do espinheiro-marítimo, por sua vez, eram confiantes e reconfortadoras.

A autora argumenta que os mascates dos suplementos vendem esperança -- um contra-ataque à incerteza que tantas vezes faz companhia à ciência real.