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Após o tsunami de acusações de assédio, é hora das perguntas

27/12/2017 09h21

Nova York, 27 dez 2017 (AFP) - É a festa de Natal na ASI Advertising, uma empresa familiar de 450 empregados perto da Filadélfia. Decorações festivas alegram a cafeteria e o pessoal come e bebe enquanto os chefes recompensam "os melhores funcionários do ano".

É uma ocasião para relaxar e se aproximar dos colegas para lhes desejar boas festas. Nada extraordinário, salvo que os empregados da ASI sabem que outras empresas renunciaram a este ritual anual para evitar qualquer deslize após o tsunami de acusações de assédio e agressão sexual que afetaram dezenas de personalidades nos últimos meses.

Do diretor-geral aos empregados mais abaixo na hierarquia, muitos se perguntam se alguns comentários ou abraços não estão agora fora de lugar.

"Esta é uma empresa muito unida, habitualmente nos abraçamos para as festas. Este ano alguns podem se conter e não se sentir muito confortáveis porque talvez seus gestos possam ser mal interpretados, o que é uma pena", disse Tricia Walter, de 45 anos, funcionária da ASI há 10 anos.

A onda de denúncias foi "globalmente positiva" e "deu uma voz às pessoas que antes temiam falar", opinou. "Mas podemos nos perguntar se não há algumas mulheres vingativas que se aproveitam" da situação para lançar "acusações falsas".

"Espero que as pessoas se divirtam", disse Dave Vagnoni, seu colega encarregado da revista que a ASI publica. "Me preocupa que isto vá longe demais, que todo mundo venha trabalhar e se sente duro em sua mesa, aterrorizado de falar com a pessoa do lado".

Diante do assédio, a ASI parece exemplar. Várias mulheres questionadas durante a festa de Natal afirmaram se sentir "totalmente seguras" ali, ao contrário de em outras empresas onde trabalharam antes.

O diretor-geral, Timothy Andrews, que despediu um gerente por conduta inapropriada em 2016, recordou recentemente aos funcionários que não tolerará nenhum desvio, convidou todas as pessoas afetadas por qualquer situação incômoda a informá-lo imediatamente ao departamento de recursos humanos e disse que todos os casos seriam investigados com rapidez.

- Limites pouco claros -"Acho que vai ser um pouco complicado até que todos decidamos o que sentimos sobre o que é apropriado e o que não é", disse. "Se ficarmos um pouco incômodos por um tempo sobre se podemos abraçar ou elogiar alguém pela roupa que está usando, esse momento incômodo vale a pena se significar que dentro de uma geração as mulheres serão tratadas de maneira apropriada no ambiente de trabalho", acrescentou.

O cancelamento de festas de fim de ano no trabalho e as dúvidas que surgem na ASI refletem o impacto da avalanche de acusações que, com a 'hashtag' #Metoo (Eu também), inundaram as redes sociais e tornaram o assédio sexual um dos grandes temas deste final de ano no mundo ocidental.

Desde o início de outubro, quando o jornal New York Times e a revista New Yorker abriram a caixa de Pandora ao revelar as acusações contra o poderoso produtor de cinema Harvey Weinstein, dezenas de celebridades nos Estados Unidos foram acusadas e muitas vezes afastadas de seu cargo.

Entre as estrelas acusadas estão os atores Kevin Spacey e Dustin Hoffman, os jornalistas Charlie Rose e Matt Lauer, chefs como Mario Batali, fotógrafos de moda como Terry Richardson e legisladores como Al Franken.

No caso de muitos homens acusados, os fatos ocorreram há muitos anos, o que dificulta um processo judicial.

E um grande número de vítimas apontaram a cumplicidade que permitiu aos acusados abusarem com impunidade, às vezes pagando milhões de dólares em troca do silêncio de suas vítimas.

Em meio ao fenômeno, as mulheres que romperam o silêncio receberam o título de "Personalidade do Ano" da revista Time, enquanto o dicionário americano Merriam Webster elegeu "feminismo" sua "palavra do ano".

- Efeito bumerangue? -Mas muitos consideram que, mesmo que nunca tivesse sido tão exposto como agora, o flagelo do assédio por parte de homens em posição de autoridade está longe de ter sido erradicado, um temor alimentado sobretudo pelo que aconteceu com o próprio presidente americano.

Em outubro de 2016, a campanha de Donald Trump à presidência foi sacudida pela difusão de um vídeo de 2005 onde o magnata se gabava de poder "fazer qualquer coisa com as mulheres", incluindo "pegá-las pela boceta".

Várias mulheres acusaram então Trump de assediá-las ou agredi-las sexualmente. Três delas relançaram recentemente as acusações, e pedem ao Congresso uma investigação, enquanto Trump assegura que são "histórias inventadas".

Como outras, Ellen Chenoweth, diretora de elenco independente, teme que a avalanche de acusações "se torne incontrolável" e gere "rancor".

"Já sinto o retorno do bumerangue: 'É por isto que você não deve contratar mulheres!', quando na verdade é justamente por isto que você deve contratá-las", disse no começo de dezembro Sheryl Sandberg, diretora-geral do Facebook.

Timothy Andrews, da ASI, está no entanto convencido de que o mundo trabalhista deve dar o exemplo.

"É no trabalho que ocorre a maioria destas situações", "é aí onde a maioria das pessoas passam a maior parte de seu dia e têm mais interações. É aí que as lições devem ser aprendidas e ensinadas".

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