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Deputados aprovam no Chile reforma que permite saques de fundos de pensão

15/07/2020 19h01

Santiago, 15 Jul 2020 (AFP) - A Câmara dos Deputados do Chile aprovou nesta quarta-feira (15) uma histórica reforma de lei que permite saques antecipados de 10% dos fundos de pensão privados para fazer frente à crise provocada pela pandemia do novo coronavírus, em um duro golpe para o governo de Sebastián Piñera.

O projeto de lei agora será votado no Senado.

Com o apoio de parlamentares da coalizão de direita do governo e após uma noite de protestos, a iniciativa foi aprovada por 95 votos a favor, 36 abstenções e 22 contra.

Panelaços, aplausos, buzinaços e gritos de alegria "como se fosse a final de uma Copa" foram ouvidos em vários bairros da capital, Santiago, inclusive de pessoas que das janelas agitavam a bandeira nacional, constataram jornalistas da AFP.

Esta votação abriu as porta pela primeira vez à reforma de um sistema de capitalização absolutamente individual, pioneiro no mundo, implantado durante a ditadura de Augusto Pinochet (1973-1990), fortemente criticado nos últimos anos no Chile por pagar baixíssimas aposentadorias, em muitos casos equivalentes ao salário mínimo ou menos de 400 dólares.

O projeto de lei é considerado uma tábua de salvação para a grave crise econômica resultante da pandemia e à falta de ajuda governamental depois de quatro meses de quarentena e restrições sanitárias.

"A ajuda de Piñera não chegou, recebo 10% e negocio com a escola das meninas ", disse à AFP Agustín Serrano, 41 anos, engenheiro mecânico desempregado há três meses em Santiago.

"Não é um projeto justo", criticou o ministro do Interior Gonzalo Blumel, afirmando que "não é a melhor maneira de resolver os problemas que a classe média enfrenta".

Blumel falou pouco antes da votação sem conseguir inverter o voto de 13 membros da coalizão do governo que votaram a favor.

"Não sou parlamentar de esquerda, simplesmente ouço os cidadãos", disse o deputado pró-governo Jorge Durán.

A aprovação parlamentar motivou uma queda de 3,31% na Bolsa de Santiago, devido ao medo de liquidação de ativos por parte dos Administradores de Fundos de Pensão (AFP) no caso de aprovação do projeto de lei, que deve mobilizar cerca de 20 bilhões de dólares.

- Medidas de última hora -Na terça-feira e duas semanas depois de um primeiro anúncio considerado insuficiente, o presidente Sebastián Piñera anunciou a modificação de um programa de apoio à classe média, somando um bônus de 630 dólares e estabelecendo um crédito suave de 1.900 dólares, sem juros, com um ano de carência e pagável em até quatro anos.

Piñera também anunciou um acordo para modificar o sistema de pensões chileno, previsto em outro projeto que está há anos no Congresso.

Mas sua proposta não conseguiu calar os protestos convocados pelas redes sociais na noite de terça-feira que mobilizaram uma população afetada por uma economia em queda e uma quarentena compulsória há 55 dias em Santiago.

Panelaço, barricadas, saques e confrontos terminaram com 61 detidos em meio a cenas que lembraram a convulsão social de 18 de outubro de 2019.

Na região da Estação Central, no centro de Santiago, um grupo de homens encapuzados queimou pelo menos 20 veículos em uma concessionária além de um ônibus de transporte público.

"O descumprimento das normas sanitárias provavelmente levará a sérios retrocessos na gestão da pandemia", alertou o ministro da Saúde, Enrique Paris, ao entregar o relatório dos números da pandemia, que voltou a apresentar o menor número diário de infectados em dois meses: 1.712 novos casos.

Após 55 dias de quarentena total na região metropolitana, a classe média alcançou níveis de endividamento acima de 70%, para conseguir pagar moradia, alimentação, educação e saúde, sem qualquer assistência pública direta.

O cenário econômico sombrio cruza com uma estratégia sanitária hesitante depois de dois meses de aparente êxito. O Chile figura entre os 10 países com mais casos do novo coronavírus, com quase 320 mil infectados e mais de 11 mil mortos, considerando os óbitos prováveis por COVID-19.

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