As mil e uma pandemias do coronavírus no Brasil
Brasília, 25 Jul 2020 (AFP) - A pandemia do novo coronavírus atinge o Brasil de maneira muito desigual: em algumas regiões apenas começou, em outras se estabilizou após deixar milhares de mortos, enquanto se teme uma recidiva devido a políticas desencontradas para combatê-la.
Em um país continental de quase 212 milhões de habitantes, o desenvolvimento da pandemia "é muito heterogêneo" em seus 27 estados, explica à AFP o pesquisador em saúde pública Marcelo Gomes, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).
"Inclusive, muda muito entre regiões do mesmo estado", acrescenta.
Basta olhar para os dados para verificar. No segundo país mais atingido pelo novo coronavírus (atrás dos Estados Unidos), com mais de 85.000 mortes e 2,3 milhões casos confirmados, a curva de óbitos entrou em um platô sem fim em junho, que teve uma tendência de alta esta semana com forte aumento nos casos diários.
Mas esses números abrangem realidades diferentes, que se evidenciaram desde o primeiro caso relatado em 25 de fevereiro e a primeira morte em 16 de março.
Na média de óbitos ao longo de sete dias, observou-se queda por duas semanas em quatro estados, incluindo Amazonas e Ceará, entre os mais afetados inicialmente. As mortes aumentaram em dez, os do sul e vários do centro-oeste, pouco atingidos até agora. Alguma estabilidade é observada em treze, incluindo São Paulo e Rio de Janeiro, os dois com mais mortes.
Mas a estabilização de algumas regiões não permite baixar a guarda.
No Ceará e no Rio de Janeiro fala-se de uma "segunda onda, sem que o processo de queda da primeira onda tenha sido concluído", diz Gomes.
- Estratégias mal traçadas -Um mistura de fatores explica essa confusão.
O ceticismo sobre a pandemia do presidente Jair Bolsonaro, que neste sábado (25) anunciou estar curado da COVID-19 que o manteve em confinamento desde 7 de julho, e sua campanha contrária ao confinamento "para salvar a economia" levou o Supremo Tribunal Federal a confirmar a gestão da luta contra o vírus aos estados e aos 5.568 municípios do país.
Em geral, eles impuseram um sistema ineficiente de quarentenas "à la carte", não muito rígidas e pouco cumpridas, seguidas por estratégias de desconfinamento mal planejadas, geralmente consideradas prematuras por especialistas.
Além disso, o Brasil é um país com contextos socioeconômicos e sistemas de saúde extremamente desiguais, especialmente entre os estados empobrecidos do norte e nordeste e os mais ricos do sudeste e do sul.
Também influenciou o fato de o vírus entrar e se disseminar em cada estado em momentos diferentes e de maneiras diferentes, e que cada governador e prefeito reagissem de uma forma.
- "Não se vê nem o túnel" -Na sexta-feira passada, a Organização Mundial da Saúde (OMS) afirmou que a pandemia havia atingido um "platô" no Brasil e instou a principal economia latino-americana a aproveitar a oportunidade para controlar os contágios.
"Estamos muito longe disso. Não é que não estamos vendo a luz no fim do túnel. É que não vemos nem mesmo o túnel", lamenta José David Urbáez, infectologista do Hospital Regional da Asa Norte, em Brasília.
Bolsonaro, que desde 7 de julho despacha do isolamento no palácio de Alvorada, mantém sua atitude desafiadora em relação ao que ele chamou de "gripezinha", no estilo de seu admirado colega americano, Donald Trump.
E ele parece mais preocupado com a reativação econômica e os supostos benefícios da cloroquina do que com a interrupção de uma pandemia que, segundo ele, acabará neutralizada pela imunidade de rebanho.
"Se Bolsonaro tivesse uma atitude diferente e coordenasse centralmente uma resposta unitária contra a pandemia, a situação seria bem diferente", diz Urbáez, consultor da Sociedade Brasileira de Doenças Infecciosas (SBI).
"A grande heterogeneidade das situações epidemiológicas se deve muito mais a esse caos de gestão do que à própria situação epidemiológica. Uma única quarentena poderia ter sido realizada para todos, com diferentes estratificações adaptadas a cada região e com diferentes ritmos de desconfinamento", acrescenta.
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