Apelos à desobediência civil após golpe aumentam em Mianmar
Yangon, 3 Fev 2021 (AFP) - Os apelos à desobediência civil aumentaram nesta quarta-feira (3) em Mianmar, liderados por médicos e profissionais da saúde, depois que Washington acusou formalmente os militares de ter realizado um "golpe" e prometeu novas sanções contra os generais.
Na segunda-feira, o exército encerrou a frágil transição democrática do país, impôs o estado de emergência por um ano e prendeu a chefe de fato do governo civil Aung San Suu Kyi, além de outros líderes de seu partido, a Liga Nacional para a Democracia (LND).
Dois dias após o golpe, condenado por muitos países, surgiram os primeiros sinais de resistência.
Médicos e profissionais da saúde, que usavam fitas vermelhas em sinal de protesto, anunciaram que se recusariam a trabalhar, exceto em caso de emergência médica.
"Obedeceremos apenas ao governo democraticamente eleito", disse à AFP Aung San Min, diretor de um hospital com 100 leitos na região de Magway (centro).
Funcionários do hospital geral de Yangon se reuniram diante do edifício e fizeram a saudação com três dedos, um gesto de resistência adotado pelos ativistas pró-democracia de Hong Kong e Tailândia.
Também foi criado um grupo chamado Movimento de Desobediência Civil no Facebook, que já tinha 150.000 inscritos. "O Exército deveria ter vergonha" e "Os militares são ladrões", afirma página.
Na terça-feira, no distrito comercial de Yangon, capital econômica do país, moradores protestaram com panelaços e buzinaços. Muitos gritaram "Viva a Mãe Suu".
Ao perceber o que poderia acontecer, Suu Kyi pediu à população que não aceite o golpe de Estado em uma carta escrita antes de sua detenção.
Nesta quarta-feira, autoridades a acusaram oficialmente de ter violado uma lei de importação e exportação e "ordenaram sua prisão provisória por um período de 14 dias, de 1º a 15 de fevereiro" informou um porta-voz de seu partido.
O ex-presidente Win Myint foi acusado de ter violado a lei sobre a gestão de desastres naturais, segundo o próprio ex-líder.
- Medo de represálias -O medo de represálias é palpável neste país que viveu, desde sua independência em 1948, sob o jugo da ditadura militar durante quase 50 anos.
"A população sabe muito bem até que ponto o Exército pode ser violento e o pouco que se importa com sua reputação internacional, o que poderia frear a vontade de mobilização", disse Francis Wade, autor de vários livros sobre o país.
As novas autoridades, que se comprometeram a organizar eleições dentro de um ano, já publicaram uma advertência contra qualquer discurso ou mensagem que possa "estimular distúrbios ou uma situação instável".
O golpe de Estado, "inevitável" segundo o general Min Aung Hlaing, que agora concentra a maior parte dos poderes à frente de um gabinete integrado por generais, provocou uma chuva de condenações internacionais.
Depois de ameaçar com adoção de novas sanções, o governo dos Estados Unidos elevou o tom na terça-feira contra Mianmar, que virou o primeiro grande teste internacional para o novo presidente Joe Biden.
De acordo com uma fonte da administração americana, Aung San Suu Kyi e Win Myint "foram depostos em um golpe militar", uma declaração oficial que bloqueia a ajuda direta ao Estado birmanês por parte de Washington, que se declarou "inquieto" nesta quarta-feira com a acusação de Suu Kyi.
"Instamos o exército a libertá-los imediatamente", disse o porta-voz do Departamento de Estado, Ned Price, referindo-se a Suu Kyi e outros líderes presos.
A França defendeu que a União Europeia (UE) adote sanções, caso o estado de emergência não seja finalizado.
Mas este seria um ato simbólico. O Exército birmanês já está sob sanções desde as atrocidades cometidas pelos militares em 2017 contra a minoria muçulmana rohingya e que levou Mianmar a ser acusada de genocídio por investigadores da ONU.
- China, a aliada -O Conselho de Segurança não chegou a um acordo na terça-feira sobre uma resolução. As negociações continuam, informou um diplomata que pediu anonimato.
Pequim, que continua sendo o principal respaldo de Mianmar na ONU, obstruiu durante a crise dos rohingyas todas as iniciativas nesta instituição por considerar o conflito um assunto interno birmanês.
Nesta quarta-feira, um porta-voz do Ministério das Relações Exteriores chinês pediu à comunidade internacional para "criar um ambiente estrangeiro saudável para que Mianmar possa resolver adequadamente suas diferenças", considerando que qualquer intervenção do Conselho de Segurança deve "evitar o agravamento das tensões e complicar ainda mais a situação", informou a agência de notícias Xinhua.
Os chanceleres do G7 se declararam "muito preocupados" com os acontecimentos, assim como o Fundo Monetário Internacional, que advertiu para o impacto na economia do país, já muito afetada pelo coronavírus (mais de 140.000 casos e 3.100 mortes).
bur-sde/pz/erl-pc/tjc/fp/jc/mvv
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