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Presidente Díaz-Canel busca consenso possível para Cuba

14/09/2021 12h47

Havana, 14 Set 2021 (AFP) - Desde os históricos protestos de 11 de julho em Cuba, o presidente Miguel Díaz-Canel vem dialogando com setores sociais, mas há vozes que exigem que esse processo seja muito mais amplo para se conseguir um consenso nacional.

Estudantes, jovens, artistas, jornalistas, evangélicos, maçons, "santeros", cientistas e agricultores foram convidados, em separado, para reuniões, nas quais o presidente comunista ouviu mais do que falou.

A partir de 11J, quando milhares de pessoas protestaram em cerca de 50 cidades cubanas - uma mobilização inédita desde a Revolução de 1959 -, devemos lamentar "que a imprensa cubana não tenha coberto o que aconteceu nas ruas", reclamou a jornalista Cristina Escobar, da TV estatal, em um desses encontros.

"Há uma Cuba não contada nos meios de comunicação (...) uma Cuba adiada, preterida, à margem dos benefícios da Revolução, que está nos bairros", acrescentou.

Em outras destas rodadas de diálogo, uma estudante de Turismo reclamou com o presidente sobre a falta de "sensibilidade" das lideranças médias, que ignoram as demandas populares e "maltratam" os que buscam soluções para seus problemas.

Dois meses depois, 505 manifestantes ainda estão presos, segundo a ONG de direitos humanos Cubalex (não há números oficiais). Cerca de 60 foram julgados e condenados penas que varia de oito meses a um ano, e outros, soltos.

- "Rompimento do pacto social" -Cuba acusa Washington de estar por trás dos protestos, mas, depois do ocorrido, também é necessário "fazer análises objetivas, enfrentar o que tivermos de enfrentar (e) tem de haver críticas", admitiu Diaz-Canel.

O processo cubano é simultâneo ao diálogo que seu aliado venezuelano, Nicolás Maduro, mantém com a oposição no México. Em Cuba, porém, as autoridades não reconhecem legalmente a dissidência, considerando-a "mercenária" de Washington. Os Estados Unidos mantêm um embargo à ilha desde 1962.

Desde sua independência, em 1902, qualquer mudança, ou negociação, em Cuba foi feita olhando para os Estados Unidos.

Desta vez, um eventual consenso político teria de frisar "que o problema é dos cubanos e deve ser resolvido por nós, sem ingerência estrangeira", disse à AFP a acadêmica e historiadora Ivette García, no momento em que o Departamento de Estado americano convocou os cubanos, pelo Twitter, a "levantarem suas vozes em apoio aos presos políticos".

E o que está em jogo é muito mais do que uma crise econômica agravada pela pandemia da covid-19 e pelo embargo: é uma reforma econômica e política que separe Cuba do modelo soviético.

Não se trata de "um problema específico, ou de uma figura. Trata-se de uma crise sistêmica, uma fratura do pacto social, cuja solução não está em reproduzir métodos tradicionais que sempre deixaram de fora uma parte da cidadania", explica García.

"O país requer um novo contrato social, um novo projeto de um país mais inclusivo e democrático", ressalta.

- Diálogo tendo a Revolução como base"O que estamos vendo são, efetivamente, canais de diálogo que estão sendo desenvolvidos por diferentes atores cubanos", reconhece o jurista, acadêmico e ensaísta Julio César Guanche.

Mas, acrescenta, é preciso que sejam ampliados para "setores que apresentem, realmente, uma diferença na política estatal cubana", acrescentou.

A reivindicação de um diálogo nacional é apoiada por um amplo setor da intelectualidade, mas não é aceita nos "setores oficiais cubanos, porque entendem que a nação já está representada", completou Guanche.

No último dia 11, dois meses depois dos protestos, o jornal oficial Granma respondeu: "aqui há muito a se dialogar do lugar da Revolução, por e para ela", assim como "do lugar de combate aos arrendados do império", em referência à oposição.

"Um diálogo, para ser diálogo, deve ser entre iguais, e não há igualdade política possível sem a redistribuição do poder", insiste Guanche, pois, argumenta ele, não se trata apenas de ouvir as queixas e reivindicações desses setores.

O Partido Comunista, único de Cuba, não parece, no entanto, disposto a compartilhar o poder, aceitando outros atores políticos.

Nesse contexto, surgiram iniciativas como o "Arquipélago", uma plataforma plural nas redes sociais que busca um debate amplo para promover mudanças democráticas. Conta com cerca de 20.000 membros.

Assim como outros grupos, pede liberdade dos presos políticos e dos detidos, defende a organização de um referendo, ou plebiscito, para mudanças políticas e o direito de manifestação pública e legal.

"Mas as autoridades têm tentado desacreditar o grupo no ciberespaço, assim como por meio de mensagens que buscam desestimular e gerar caos e desconfiança", lamenta seu líder, o dramaturgo Yunior García, em conversa com a AFP.

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