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A televisão russa ou a realidade alternativa da "operação militar especial" na Ucrânia

10/03/2022 09h20

Paris, 10 Mar 2022 (AFP) - Desde a invasão da Ucrânia, Moscou trabalha para asfixiar a imprensa independente russa, ao impor a visão do conflito determinada pelo Kremlin, que cita uma "operação militar especial" e não uma guerra.

Mesmo sob o regime restritivo imposto pelo presidente Vladimir Putin, a Rússia tinha antes da invasão ucraniana uma panorama midiático relativamente diverso.

Mas tudo mudou com a nova lei draconiana adotada após o início da ofensiva militar, que proíbe classificar a mesma como invasão ou a divulgação de notícias consideradas falsas.

Dois pilares da imprensa independente russa nos últimos anos, a rádio Ekho Moskvy (Eco de Moscou) e o canal de televisão Dozhd (Chuva), suspenderam as transmissões. O acesso a sites de notícias favoráveis à oposição e as principais redes sociais foram bloqueadas.

O jornal independente mais conhecido da Rússia, Novaya Gazeta - cujo chefe de redação, Dmitry Muratov, recebeu o Nobel da Paz no ano passado - suprimirá o conteúdo sobre a Ucrânia do arquivo de seu site para não entrar em conflito com a nova lei.

As mudanças "mão deixam margem para a livre expressão e opinião sobre a guerra", critica Dunja Mijatovic, comissária de direitos humanos no Conselho da Europa.

Jeanne Cavelier, da ONG Repórteres Sem Fronteiras (RSF), destacou que na Rússia a guerra de informações está "no auge".

"O presidente Vladimir Putin tem que colocar toda a imprensa em pé de guerra para justificar a invasão da Ucrânia aos russos, escondendo as vítimas da guerra", acrescentou.

- Mais controle -Os programas de notícias apresentam a guerra na Ucrânia sob o prisma do Kremlin, com uma realidade muito alternativa sobre a situação.

O principal telejornal do país, Vremya (Tempo), começa todas as noites com elogios às ações dos soldados russos, que demonstram "heroísmo e coragem no campo de batalha.

O número de mortes não é mencionado - que segundo fontes internacionais seriam de milhares de soldados russos -, mas a imprensa estatal denuncia a indignação ocidental como "histeria" e condena a "agressão" ucraniana como atos de "neonazistas".

A palavra "invasão" está proibida e os apresentadores e jornalistas citam uma "operação militar especial na Ucrânia".

O presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, é alvo de piadas e comentários sobre sua saúde mental.

O principal correspondente de guerra do canal estatal, Yevgeny Poddubny, que acompanha as tropas russas fora de Kiev, declarou recentemente que as ações da Ucrânia "atrasam o avanço das tropas russas, mas não vão conseguir pará-las".

Embora atualmente seja difícil avaliar o apoio dos russos à guerra, uma pesquisa divulgada na semana passada pela consultoria VTsIOM, considerada próxima do governo, indicou que 71% dos russos apoiam a invasão e que o número está aumentando.

"Nem todos na Rússia entendem o que está acontecendo", afirma Kadri Liik, analista do Conselho Europeu de Relações Exteriores.

"O espaço para informações na Rússia já era muito controlado e agora é ainda mais", acrescentou.

- "Bases militares" chamadas Facebook -Outros programas reproduzem o relato imposto pelo Kremlin, especialmente os programas dos apresentadores Vladimir Solovyov e Dmitry Kiselyov, ambos na lista de sanções da União Europeia.

Kiselyov, uma das figuras mais poderosas da imprensa do país, afirmou em 2014 que a Rússia poderia transformar os Estados Unidos em "cinza radioativa".

"Nossos submarinos são capazes de disparar 500 ogivas nucleares para assegurar a destruição dos Estados Unidos e de todos os países da Otan", declarou, depois que Putin ordenou que as forças nucleares entrassem em alerta.

Uma convidada recente de Solovyov em seu programa de debate foi a chefe de redação do canal estatal 'Russia Today' (RT), Margarita Simonyan, para quem o país deveria adotar uma política similar a da China, que proíbe as redes sociais estrangeiras.

"Admitimos em nosso país, há anos, um exército estrangeiro, permitimos bases militares com o nome de Facebook e coisas do tipo. Agora estamos surpresos que este exército estrangeiro esteja atirando em nós", disse.

Alexei Navalny, o principal opositor do Kremlin e atualmente na prisão, depois de sobreviver a uma tentativa de envenenamento, afirmou que está em "choque' com o panorama da imprensa na Rússia.

"Em breve vocês (os russos) terão o mesmo acesso à informação que eu na prisão, Ou seja, nada", escreveu sua conta no Twitter.

sjw/tgb/mas/es/fp

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