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Polícia da Nicarágua detém bispo crítico de Ortega

19/08/2022 10h55

O bispo de Matagalpa, Rolando Álvarez, crítico do presidente da Nicarágua, Daniel Ortega, foi detido na madrugada desta sexta-feira (19) e levado à sua residência familiar em Manágua, onde permanece privado de liberdade, no mais recente episódio do enfrentamento entre a Igreja Católica e o governo.

Os agentes invadiram a cúria da cidade no norte do país, onde o bispo permanecia sitiado há duas semanas, e o transferiram à força para Manágua.

"O senhor bispo está em uma residência na capital", anunciou a polícia em comunicado.

"Ele pôde se encontrar com seus parentes esta manhã", assim como com o cardeal e arcebispo de Manágua, Leopoldo Brenes, acrescentou.

- Condição física deteriorada -

O cardeal Leopoldo Brenes observou, após se reunir com Álvarez "em sua residência familiar", onde está detido, que "sua condição física está deteriorada", mas que seu "ânimo e espírito estão fortes", segundo um comunicado da Arquidiocese de Manágua.

Brenes defendeu que "a razão" e o "entendimento" prevaleçam para uma solução de uma situação "crítica e complexa".

A Polícia explicou que Álvarez foi transferido da cúria de Matagalpa (norte) para Manágua "com respeito e observância de seus direitos". No entanto, Vilma Núñez, presidente do Centro Nicaraguense de Direitos Humanos (Cenidh), afirmou à AFP que a intervenção policial na cúria ocorreu "com violência".

A Polícia especificou que tomou a decisão de transferir Álvarez da cúria de Matagalpa porque o bispo persistiu em suas atividades "desestabilizadoras e provocativas".

Os cinco sacerdotes, dois seminaristas e um leigo que permaneciam com Álvarez na cúria também foram levados para Manágua. Todos estão sob investigação da Direção de Auxílio Judicial, um centro de detenção conhecido como El Chipote, segundo o Cenidh.

A vice-presidente Rosario Murillo, esposa de Ortega, reiterou em sua fala diária a veículos afins ao governo o que a polícia informou e disse que estão "pendentes" da preservação e da concordância no país.

- Preocupação da ONU -

O secretário-geral da ONU, António Guterres, mostrou-se "muito preocupado com o grave fechamento do espaço civil e democrático na Nicarágua, e por ações recentes contra organizações da sociedade civil, incluídas as da Igreja católica", disse o porta-voz Farhan Haq a jornalistas na sede das Nações Unidas, em Nova York.

O secretário-geral da Organização de Estados Americanos (OEA), Luis Almagro, também condenou a detenção de Álvarez e exigiu sua libertação e a de todos os detidos.

A própria diocese de Matagalpa alertou na madrugada desta sexta-feira sobre a entrada da polícia na residência do bispo.

"SOS. Urgente. Neste momento, a Polícia Nacional entrou na Cúria Episcopal de nossa Diocese de Matagalpa", publicou a entidade no Facebook.

O Conselho Episcopal Latino-americano e Caribenho (Celam), disse no Twitter que às 03h da madrugada (06h de Brasília) a polícia "invadiu a cúria, levando com destino desconhecido o monsenhor Rolando Álvarez, junto com outras oito pessoas, entre elas sacerdotes e leigos".

- "Sequestro noturno" -

Em Miami, o bispo nicaraguense Silvio Báez condenou no Twitter o que chamou de "sequestro noturno" de Álvarez.

A Conferência Episcopal da Nicarágua (CEN) pediu orações pelo bispo e o arcebispado do Peru expressou sua solidariedade e disse que acompanha "de modo particular, com sua oração, aqueles privados de sua liberdade".

Já o arcebispo do Panamá, José Domingo Ulloa Mendieta, chamou de "aberrações" os fatos que rodeiam a detenção do bispo Álvarez e pediu sua libertação. O Vaticano não se pronunciou até o momento sobre os fatos.

Álvarez, de 55 anos, estava sitiado em sua cúria de Matagalpa pela polícia desde 4 de agosto no âmbito de uma investigação por "organizar grupos violentos" e incitar ao "ódio" para "desestabilizar o Estado da Nicarágua" depois que o bispo denunciou o fechamento, por parte das autoridades, de cinco emissoras católicas e pediu ao governo de Daniel Ortega respeito à "liberdade" religiosa.

A retenção do bispo ocorreu em meio ao atrito que a Igreja tem com o governo de Ortega, ex-guerrilheiro de 76 anos que está no poder desde 2007, amparado por três reeleições sucessivas. A última aconteceu em novembro de 2021, com seus adversários presos ou exilados e em meio a questões internacionais.

Em meio à crise, provocada por protestos da oposição, a Igreja tentou em 2018 e 2019 mediar um diálogo entre o governo e a oposição.

O presidente censurou os bispos por terem aceitado uma proposta da oposição que buscava resolver a crise adiantando as eleições de 2021 para encurtar seu mandato presidencial.

Desde então, as relações se deterioraram. Este ano aconteceu o fechamento de meios de comunicação católicos, incluindo o canal da Conferência Episcopal, e a recente prisão do padre Oscar Benavídez, por razões desconhecidas.

A Associação Missionárias da Caridade, da ordem de Madre Teresa de Calcutá, que deixou o país em julho, também foi proibida. Em março, o núncio apostólico Waldemar Sommertag, que participou em 2019 das negociações entre governo e oposição, já havia sido expulso.

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© Agence France-Presse