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Aung San Suu Kyi, prisioneira dos generais birmaneses

30/12/2022 10h52

Aung San Suu Kyi, cujo julgamento terminou nesta sexta-feira (30), encarna o tumultuado destino de Mianmar: ícone da democracia; depois, pária internacional pela tragédia dos rohingyas; e, agora, mais isolada do que nunca.

Foi presa em 1º de fevereiro de 2021 durante o golpe de Estado que derrubou seu governo e encerrou um breve período democrático em Mianmar. 

Desde então, a prêmio Nobel da Paz de 77 anos está presa por várias acusações. Nesta sexta, foi condenada a mais sete anos de prisão, elevando sua pena total para 33 anos.

Suu Kyi já havia sido presa em 2009, mas passou apenas três meses atrás das grades. O restante da pena foi cumprido em sua casa às margens de um lago em Yangun.

Hoje, a situação é totalmente diferente. Isolada, seus contatos com o exterior se limitam a seus advogados. 

"Não acredito na esperança, só acredito no trabalho (...) A esperança sozinha não nos leva a lugar nenhum", disse à AFP em 2015. 

Alguns meses depois, seu partido, a Liga Nacional para a Democracia (NLD), venceu as eleições, levando-a ao poder. 

A NLD também venceu as eleições de 2020, mas os generais decidiram mudar os rumos do país, aplicando o golpe.

- Filha de um herói -

Sua vida começou com uma tragédia: o assassinato em 1947 de seu pai, herói da independência, quando ela tinha dois anos. Suu Kyi passou a primeira parte da vida no exílio: primeiro, na Índia e, depois, no Reino Unido.

No segundo país, ela teve uma vida de dona de casa modelo, casada com um professor universitário especialista em Tibete em Oxford e com dois filhos.

Em 1988, quando viajou para Mianmar para visitar a mãe, surpreendeu ao anunciar que se envolveria no destino de seu país, em plena revolta contra a junta militar.

"Não podia, como filha do meu pai, permanecer indiferente a tudo que acontecia", afirmou em seu primeiro discurso, considerado o símbolo de sua entrada na política.

A repressão de 1988 matou quase 3.000 pessoas, mas estabeleceu o nascimento do ícone. Ela virou a "depositária das esperanças de um retorno à democracia" para todo povo birmanês, sufocado pela ditadura militar desde 1962, explica Phil Robertson, representante da Human Rights Watch na Ásia.

A junta militar autorizou a formação da LND, mas ela foi colocada rapidamente em prisão domiciliar. A distância, Suu Kyi acompanhou a vitória de seu partido nas eleições de 1990, mas os militares se recusaram a reconhecer os resultados.

Nos anos em que ficou presa em sua casa, recebia a visita de poucas pessoas autorizadas, assim como de seus dois filhos que moravam na Inglaterra com o pai, Michael Aris. Este último faleceu vítima de câncer em 1999 sem que a esposa conseguisse se despedir, pelo temor de ser proibida de retornar a Mianmar.

Em 1991, venceu o Prêmio Nobel da Paz, mas não pôde comparecer à cerimônia em Oslo. Teve de esperar mais de 20 anos para receber a premiação.

Em 2010, Aung San Suu Kyi foi libertada, após 15 anos sob prisão domiciliar. Entrou para o Parlamento em 2012, após a dissolução da junta militar um ano antes.

Rapidamente, sua imagem começou a ser abalada na comunidade internacional. Alguns acusaram-na de ter uma concepção autocrática do poder.

Durante os anos à frente do país, Aung San Suu Kyi se viu obrigada a lidar com os muito influentes militares, que controlavam três Ministérios cruciais: Interior, Defesa e Fronteiras.

A imagem da Prêmio Nobel da Paz, outrora comparada a Nelson Mandela, ou a Martin Luther King, foi abalada para sempre pelo drama dos rohingyas.

Quase 750.000 membros desta minoria fugiram dos abusos do Exército e das milícias budistas em 2017 e se refugiaram em acampamentos em Bangladesh. A tragédia levou Mianmar a ser acusada de "genocídio" na Corte Internacional de Justiça (CIJ), principal órgão judicial da ONU.

A dirigente, que sempre negou "qualquer intenção genocida", compareceu pessoalmente para defender seu país no tribunal.

Sua falta de compaixão no tema provocou a revolta da comunidade internacional. Canadá e várias cidades britânicas retiraram-lhe o título concedido de cidadã honorária, e a Anistia Internacional privou-a do prêmio de "embaixadora de consciência".

A população birmanesa manteve, no entanto, seu apoio.

bur-ah/del/tmt/mlb/sag/meb/mr/tt

© Agence France-Presse