'Se preparava para ser médico', diz pai de morto no Peru; Protestos são marcados por repressão
Os protestos contra a presidente do Peru, Dina Boluarte, deixaram 48 mortos no país, um deles era Beckham Romario Quispe, um jovem treinador de futebol cujo pai pede por justiça às autoridades. Para o ouvidor adjunto Rolando Luque, a gestão do conflito "falhou".
"Eles o tiraram da ambulância do hospital e era meu filho, com um ferimento de bala (...) Estava muito ferido", contou Dany Quispe à AFP.
O pai da vítima recebeu um vídeo das manifestações em que identificou um ferido muito parecido com seu filho.
O jovem de 18 anos não resistiu e morreu no dia 11 de dezembro de 2022 em Andahuaylas. Desde então, as denúncias de violação dos direitos humanos se acumulam no governo de Boluarte.
Para Rolando Luque, ouvidor adjunto do Peru, a gestão das manifestações é "uma tragédia" e "as consequências humanitárias deste conflito são as maiores já vistas no Peru desde 2003", diz.
Ele acrescenta que diante da violência dos protestos, "várias das instituições" falharam em sua capacidade de prevenir e controlar estes eventos.
Até o momento, 48 pessoas morreram nos confrontos diretos e 11 em decorrência deles, um policial foi assassinado e mais de 1.300 ficaram feridos, de acordo com a Ouvidoria do Peru, um órgão autônomo que garante os direitos da sociedade civil.
Acusações criminais
A Ouvidoria reforça que as forças de segurança devem colaborar com o Ministério Público para identificar se houve irregularidade no uso da força e se os autores foram negligentes ou cumpriram ordens.
No entanto, organizações como a Anistia Internacional denunciaram "graves violações aos direitos humanos" e um "acentuado viés racista" das forças de segurança nas manifestações.
Dany Quispe atualmente é presidente da Associação de familiares das vítimas da repressão em Andahuaylas e Chincheros, na região de Apurímac, que reúne familiares de sete falecidos. Mas lamenta que "não haja justiça, não haja ninguém para nos ajudar".
ONGs locais denunciaram criminalmente Boluarte, seus ministros e chefes de polícia pela morte de seis manifestantes em Apurímac, enquanto o Ministério Público investiga supostos assassinatos durante protestos em Puno e Ayacucho, todas regiões do sudeste andino.
Luque reconhece o "apoio econômico" às famílias das vítimas como um acerto do governo, mas pede uma investigação "profunda" destas mortes. Para ele, o Estado e suas instituições carecem de uma "autocrítica", porque para além da conjuntura, os acontecimentos revelam "problemas estruturais muito maiores".
A crise política no Peru, que teve seis presidentes desde 2016, é consequência não só do enfraquecimento dos partidos, mas também "da corrupção, ineficiência, desigualdades e exclusões" que afetam o país.
A família Quispe é um retrato destas disparidades sociais. Dany trabalha como agricultor em Anallaco, município de Apurímac, a segunda região do Peru com maior percentual de pobreza extrema, de acordo com dados oficiais.
Seu filho, Beckham, trabalhava como treinador de futebol e ajudava nas despesas da família.
"Este ano ele ia entrar na universidade, queria se preparar para ser médico", diz o pai, que chora ao se lembrar dele como "o mais bondoso, o mais carinhoso de todos" os filhos.
- Sobrevivência política -
As ações de Boluarte e do Congresso, alvos do clamor das ruas que exige a renúncia da presidente e a realização de novas eleições antes do prazo regular em 2026, não apaziguaram os conflitos.
"O governo não entendeu bem a complexidade dos protestos e agora é muito difícil que possa haver diálogo" com uma população "altamente insatisfeita", ressalta a cientista política Kathy Zegarra.
Segundo ela, o Executivo e o Legislativo buscam "desculpar" policiais e militares pelas mortes de civis, e mostram "desconexão" com a demanda por renúncia e antecipação das eleições, endossada por mais de 70% dos peruanos, segundo pesquisas.
Para a especialista, estas reações são atos de "sobrevivência" de um governo que busca "negociar com os parlamentares" para se manter no poder, ao mesmo tempo em que tenta evitar possíveis consequências judiciais em um país de administrações "frágeis e passageiras".
Embora os protestos tenham diminuído desde janeiro, Luque adverte que se algum ator político "acredita que ganhou esta batalha" está "completamente enganado".
"O que existe, sim, é uma nova oportunidade para resolver esse problema. Eles deveriam estar focados aí e não em pensar que podem governar o país até 2026", diz.
jla-et/pb/ll/yr/mvv
© Agence France-Presse
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