Governo de Cuba lança ofensiva para regular setor privado

Linha-dura contra a "corrupção" e a "evasão fiscal": quase três anos depois de ter autorizado as pequenas e médias empresas privadas, o governo cubano lançou nesta quarta-feira (17) uma ofensiva para regular o setor que abalou uma economia em crise profunda e ao qual acusa de gerar "tendências negativas".

"Não estamos aqui para fechar [as empresas privadas]", mas "temos que reordenar", assinalou o primeiro-ministro Manuel Marrero, ao apresentar um relatório durante uma sessão do Parlamento que vai se estender até o sábado.

Com uma inflação galopante, a desvalorização do peso cubano no mercado informal, baixos níveis de produtividade, um déficit fiscal abismal (22% do PIB), escassez e falta de liquidez, a ilha comunista, enfraquecida pelos efeitos da pandemia e o recrudescimento do embargo de Washington, está mergulhada em sua pior crise em 30 anos.

Em uma tentativa de atenuar a escassez, o governo autorizou em 2021, pela primeira vez em 60 anos, a operação de empresas privadas em setores definidos, como o turismo, a construção e o abastecimento de alimentos.

Contudo, a emergência do setor privado em um panorama dominado em 80% por empresas estatais gerou "distorções" e "tendências negativas", segundo o governo, justo quando fracassava uma reforma monetária destinada a dar impulso à economia.

Acostumado a captar a maior parte das divisas que entravam o país, o Estado se deparou repentinamente com uma necessidade desesperada por moedas estrangeiras, tendo que competir com esses novos atores.

As importações do setor privado, avaliadas pelo governo em 1,3 milhão de dólares em 2023 (R$ 7,1 milhões, na cotação atual), provocou "uma espiral incontrolável de demanda por divisas no país", favorecendo o desenvolvimento de um mercado ilegal, explicou Marrero.

O primeiro-ministro acusou algumas dessas empresas de participação no "mercado ilegal de divisas". "Chegaram inclusive a oferecer bens e serviços no território nacional em moedas estrangeiras", apontou.

Pelo menos quatro moedas - o peso cubano, o dólar, o euro e o MLC (divisa local eletrônica equivalente ao dólar) - coexistem na ilha de 11 milhões de habitantes, onde também há três taxas de câmbio, duas oficiais e uma informal.

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- 'Ordem e disciplina' -

Em sua participação de mais de duas horas, o primeiro-ministro reconheceu que "faltou previsão" às autoridades. Mas "também não se cumpriram coisas que estavam claras", acrescentou, ao destacar a necessidade de "restabelecer a ordem e a disciplina" no sistema econômico.

Na terça-feira, o presidente Miguel Díaz-Canel criticou a "corrupção" e os "altos níveis de evasão fiscal" que pesam sobre uma economia também prejudicada pela baixa produtividade e pela burocracia.

Segundo Marrero, a evasão fiscal por parte dos atores privados em matéria de impostos sobre as vendas alcançou "50 bilhões de pesos cubanos entre o início de 2023 e abril de 2024". "É um terço do déficit orçamentário" do país, insistiu, sem explicar a taxa de câmbio que utilizou para o cálculo.

Entre as medidas anunciadas estão o aumento dos controles fiscais, o reforço da fiscalização, o fechamento de empresas que subnotificam, o reforço dos sistemas de pagamentos eletrônicos e a certificação da legalidade dos fundos.

Em relação à queda do peso cubano perante o dólar, que chegou a ser cotado nesta quarta-feira em 308 pesos por unidade no mercado ilegal, contra 120 pesos no formal, o governo descartou uma nova desvalorização, mas deixou clara a sua intenção de "recolher o excesso em circulação".

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O montante total de pesos "circulando nas ruas neste momento é de 400 bilhões" e "está concentrado em 10% da população", detalhou Marrero. Além disso, ele destacou que "poderia superar, no fim do ano [...], os 600 bilhões".

Confrontados com uma forte inflação (70% em 2021, 39% em 2022, 30% em 2023), a maioria dos cubanos viu seu poder aquisitivo despencar, enquanto algumas empresas privadas enchem suas prateleiras com produtos importados inacessíveis, agravando as desigualdades cada vez mais aparentes.

O primeiro-ministro prometeu uma "nova lei de empresas" em setembro, e destacou que, na economia planificada do país, 20% da força de trabalho atua no setor informal. 

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© Agence France-Presse

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