Defensoria denuncia à ONU apreensão irregular de adolescentes no Rio
Em carta ao Comitê de Direito das Crianças da Organização das Nações Unidas (ONU), a Coordenadoria de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente (Cdedica) da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro (DPRJ), junto com outras 25 instituições, denunciaram a prática de apreensão irregular de crianças e adolescentes por agentes do estado.
Segundo o documento, a apreensão compulsória de meninos e meninas nas ruas da cidade ocorre como uma forma de "higienização" preparatória para as Olimpíadas Rio 2016, o que viola o direito de ir, vir e permanecer em áreas nobres do Rio. De acordo com o texto, "crianças e adolescentes negros, pobres e moradores de periferia têm a sua liberdade de locomoção e permanência, nos mais variados pontos da cidade, constantemente ameaçada por ações desencadeadas no âmbito dos governos estadual e municipal".
O subcoordenador da coordenadoria, o defensor público Rodrigo Azambuja, explica que ele e a coordenadora do setor, Eufrásia Souza, vêm recebendo denúncias dos conselhos tutelares há pouco mais de um ano. Os jovens são levados para a delegacia por equipes da Polícia Militar, que chamam os conselhos tutelares para acompanhar os menores.
"Chegavam muitos relatos de que os meninos estavam indo para a praia ou algum outro lugar, aí eram abordados pela polícia, faziam a revista neles e não encontravam nada, mas, mesmo assim, eram levados para a delegacia e se constatava que não tinham praticado nenhum crime nem existia ordem de prisão contra eles".
De acordo com Azambuja, foi pedido um habeas corpus coletivo para todas as crianças e adolescentes, para evitar a repetição dessa prática. Porém, a medida não surtiu efeito. "Achamos que as coisas iam se remediar, mas no fim do ano recebemos a notícia dos conselhos tutelares da zona sul que teriam ido à delegacia e cerca de 20 meninos estavam nessa situação, foram levados pelos policiais da operação Aterro Presente, lá se encontravam sem ter cometido nenhum crime".
O defensor não tem o balanço completo de quantos adolescentes passaram por essa situação desde o fim de 2014, mas lembra que, em um único fim de semana de agosto, foram cerca de 160 levados ilegalmente para a delegacia.
"A gente ainda vê esses 'arrastões', de pegar um monte de menino, sob alguma justificativa ilegal e levar para a delegacia sem que tivessem praticado crime nem tendo ordem judicial. É o Minority Report [filme de ficção científica de 2002 em que paranormais visualizam crimes antes deles acontecerem e os possíveis criminosos são presos e punidos antes do fato se concretizar]. É até possível que algum deles viessem a praticar algum delito, mas a gente não pode trabalhar assim, a gente acaba tendo algum perfil que é abordado e impedido de ir e vir."
De acordo com ele, a justificativa usada é a de que os jovens estavam em situação de risco e precisavam de medidas de proteção quando, na verdade, o que ocorria era um cerceamento de direitos. Azambuja esclarece que os recursos legais no Brasil ainda não se esgotaram, já que o assunto está sendo tratado pela Vara da Infância, da Juventude e do Idoso da Capital. Contudo, o envolvimento da ONU cira um constrangimento internacional ao país para que as medidas sejam tomadas.
"Nós estamos externando nossas preocupações. Uma vez constatado esses fatos, pedindo que o Comitê faça recomendações à República do Brasil para que evite que essas ações ocorram e faça cumprir a convenção da ONU sobre os Direitos da Criança, que as medidas de proteção não sejam utilizadas com esse viés de cerceamento de direitos".
Por meio de nota enviada pela assessoria de imprensa da Operação Segurança Presente, uma parceria entre a Secretaria de Estado de Governo e a Federação do Comércio do Rio (Fecomércio), o governo nega irregularidades nas apreensões de crianças e adolescentes.
De acordo com a nota, os menores são encaminhados para a delegacia somente quando cometem ato infracional e todas as abordagens são filmadas. "No caso de menores em situação de vulnerabilidade social, estes são acolhidos por assistentes sociais nos locais das Operações Aterro, Lagoa e Méier. Estas ações são realizadas com o apoio da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social".
Também assinam a carta à ONU as seguintes entidades: Associação Nacional dos Centros de Defesa da Criança e do Adolescente (Anced / Seção DCI Brasil); Justiça Global; Centro de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente (Cedeca/RJ); Gabinete de Assessoria Jurídica às Organizações Populares (Gajop); Associação Beneficente São Martinho; Associação Beneficente Amar; Movimento Moleque; Movimento Nacional de Direitos Humanos (MNDH-RJ); Associação Estadual de Ex-Conselheiros e Conselheiros da Infância (AECCI); Associação de Conselheiros e Ex-Conselheiros Tutelares do Estado do Rio de Janeiro (ACTERJ); Organização de Direitos Humanos Projeto Legal; Mecanismo Estadual para a Prevenção e Combate à Tortura do Rio de Janeiro; Comitê Estadual para a Prevenção e Combate à Tortura do Rio de Janeiro (CEPCT-RJ); Associação de Mães e Amigos da Criança e Adolescentes em Risco (Amar-RJ); Rede Rio Criança (RRC); Centro de Etno-Conhecimento Sócio-Cultural e Ambiental Cauieré (Cesac); Rede de Comunidades e Movimentos Contra a Violência; Movimento Candelária Nunca Mais; Centro de Teatro do Oprimido (CTO-RJ); Bnai Brith - RJ; Associação Excola; Conselho Regional de Serviço Social (Cress-7ª Região-RJ); Pamen-Cheifa; Fórum de Juventudes do Rio de Janeiro; e Fórum Social de Manguinhos-RJ.
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