Bióloga brasileira mostra disposição para seguir a causa
A bióloga brasileira Ana Paula Maciel, 31 anos, militante ambientalista que passou dois meses presa e mais 40 dias retida na Rússia, desembarcou em Porto Alegre neste sábado, 28, demonstrando disposição para seguir lutando pela causa e participar de novos protestos em 2014.
"Se o objetivo é mudar o mundo para as novas gerações, é preciso assumir riscos", resumiu. "Se ficasse em casa vendo televisão, nada disso teria acontecido", afirmou, referindo-se ao período que permaneceu naquele país. "Mas também nada disso", completou, olhando para os 50 jornalistas que esperavam para entrevistá-la e mostrando-se satisfeita pela repercussão que a causa da proteção do Ártico ganhou.
Em 18 de setembro, ativistas do Greenpeace tentaram escalar uma plataforma de petróleo da Gazprom para protestar contra a exploração no Ártico. Ana Paula estava no grupo, que tinha outros 27 militantes e dois jornalistas. Todos foram presos pela Guarda Costeira russa e levados para Murmansk, onde o navio Arctic Sunrise, que tripulavam, permanece retido.
A acusação inicial de pirataria foi retirada e trocada por vandalismo. Os ativistas, que ficaram conhecidos como "Os 30 do Ártico", foram transferidos para a prisão de São Petersburgo e soltos em 20 de novembro mediante pagamento de fiança. Em 18 de dezembro, o Parlamento russo aprovou a anistia ao grupo e, na quarta-feira 25, dia de Natal, todos foram comunicados de que o processo estava encerrado.
Com isso, puderam pedir o visto de saída e voltar para os países. Ana Paula embarcou na sexta-feira, 27, fez escalas em Frankfurt e São Paulo e chegou à capital gaúcha, onde mora com a mãe, a irmã e uma sobrinha, por volta das 11 horas. Ao sair da área de desembarque, exibia um cartaz com os dizeres "Salve o Ártico".
Ao desembarcar, Ana Paula citou o afundamento, pelo serviço secreto francês, do navio Rainbow Warrior, do Greenpeace, em 1985, e o episódio de agora como "vergonhosos". "Em 40 anos de protestos pacíficos e liberdade de expressão, esses são os dois momentos mais críticos", avaliou. "É quando governos tentam calar vozes que precisam falar", prosseguiu, para afirmar que aceitou riscos para que todos possam se expressar. "Valeu a pena", reiterou.
De acordo com ela, as acusações feitas pela Rússia não tinham como ser levadas adiante. Ana Paula considerou "ridícula" a primeira acusação, de pirataria, e destacou que não há como provar que a manifestação foi um ato de vandalismo. "Não somos culpados", sustentou, lembrando que o Greenpeace é uma organização pacifista, que nunca usa armas ou recorre à violência.
Ana Paula justificou o protesto no Ártico como uma necessidade global de enfrentar uma questão única. "As pessoas, às vezes, perguntam por que eu estava lá, tão longe. O Brasil também tem problemas, eu sei. Mas se o Ártico derreter, a Amazônia vira deserto", afirmou. "O Ártico funciona como um refrigerador para o planeta", destacou, indicando que todos dependem da manutenção do ecossistema.
A ativista disse ainda que o protesto não tinha como alvos a Rússia ou a petrolífera Gazprom, dona da plataforma, mas o sistema de exploração de petróleo, que é global. "Não precisamos de mais petróleo porque já há bastante energia de tecnologias renováveis", afirmou. Ao mesmo tempo, a bióloga prometeu que ela e os parceiros seguirão na luta. "Vamos continuar incomodando as empresas de petróleo no mundo inteiro e até termos um santuário no Ártico."
Segundo Ana Paula, a reação da Rússia ao protesto "foi extremamente exagerada" e no fim reverteu-se o país, dando visibilidade à causa da defesa do Ártico. "No final, cavaram um buraco e a única maneira de sair dele foi a anistia para perdoar um crime que não cometemos", avaliou. A ativista afirmou que, mesmo sem informações, pôde perceber que a repercussão do caso e a pressão de outros países fez a Rússia recuar.
Foi por isso, disse acreditar, que a prisão de São Petersburgo, para onde o grupo foi transferido depois de um período inicial em Murmansk, tinha algumas diferenças, como paredes pintadas. A ativista disse que os presidiários ligados ao Greenpeace passaram a ter alguns privilégios, como banho diário e possibilidade de dormir em alguns períodos entre às 6 e 22 horas, que não eram concedidos aos demais encarcerados. "Foi aí que exerci meus conhecimentos de Direitos Humanos ao máximo, o que mudaram para mim eu pedi para mudar para as outras", narrou. "Eu e minhas companheiras de cela tínhamos os mesmos direitos e deveres."
Mesmo assim, Ana Paula observou que o sistema penitenciário funciona para "humilhar" e "destruir" psicológica e mentalmente os prisioneiros. "Éramos transportadas algemadas, em caixas de metal, na Corte ficávamos em celas solitárias de 1,25 metro por 90 centímetros", relatou. Na prisão, também era difícil dormir. Da manhã à noite, um rádio tocava música alta o tempo todo. Quando silenciava, havia o barulho de outros presos.
"Um dia queria, ouvir o barulho da chuva e não podia", recordou. "Era impossível ter paz", completou, revelando que, apesar disso, nunca teve medo. Mesmo depois de libertados, os ativistas sentiram-se observados. "Não tenho como provar, mas eles nos observavam o tempo inteiro." Ana Paula declarou ainda que escreveu um diário na prisão, mas não tomou a decisão de publicá-lo. "Vamos pensar", desconversou.
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