Lei não prevê fiscalização em casos de prisão domiciliar
A prisão domiciliar não deixa de ser uma privação de liberdade e consiste no recolhimento do indiciado ou acusado em sua residência, só podendo sair com autorização judicial. Além disso, o juiz pode impor algumas restrições de acordo com o caso, sejam as previstas em lei - como comparecer em juízo periodicamente, não frequentar determinados lugares ou ter contato com determinadas pessoas - ou outras que ele considerar necessárias.
Garantir que essas determinações sejam cumpridas é outra história. "Da mesma forma que a gente não garante que um celular não vai entrar na prisão, não tem como garantir que essas regras se cumpram", diz Maíra Zapater, advogada especialista em Direito Penal.
O professor de Processo Penal do Instituto Paranaense de Ensino (IPE) e servidor público no Ministério Público Federal do Paraná, Neemias Moretti Prudente, afirma que o controle do cumprimento das regras fica, na prática, ao acaso, dependendo somente da pessoa que cumpre a decisão. "Não há pessoal nem estrutura suficientes para fiscalizar toda e qualquer prisão domiciliar", afirma.
Porém, algumas ações podem ser colocadas em prática, se assim o juiz determinar, como o uso de tornozeleira eletrônica, vigilância 24 horas por dia feita por agentes da Polícia Federal ou Militar, câmeras de vigilância ou escolta policial nos casos em que o preso pode sair para cumprir atividades permitidas pela Justiça, como estudar e trabalhar.
Restrições judiciais
Umas das medidas cautelares que podem ser adotadas pelo juiz é o comparecimento periódico em juízo. Maíra explica que, nesses casos, quem fiscaliza é o próprio juiz. Quando o acusado precisa ficar longe de vítimas ou testemunhas, o controle e aviso à Justiça da violação da regra são feitos pelas próprias pessoas.
Na recente decisão judicial de converter a prisão preventiva em domiciliar da ex-primeira dama do Rio Adriana Ancelmo, o juiz Marcelo Bretas, da 7ª Vara Federal Criminal do Rio, estabeleceu que ela não poderia sair de casa nem ter acesso a telefone e internet - bem como não receber visitas que portem celular ou outros dispositivos com acesso à internet. Ela só poderá receber advogados e parentes até 3º grau.
Segundo a advogada Fernanda Prates, não há uma disposição legal que coloque a proibição de acesso a telefone e internet como uma condição obrigatória para prisão domiciliar. "Normalmente, nas decisões, esse não é o tipo de condição que a gente vê, mas é possível a aplicação, e o juiz entendeu cabível nesse caso concreto", diz.
Davi Tangerino, professor de Direito Penal da FGV Direito SP, considera o caso da ex-primeira dama uma "excepcionalidade". "A Justiça Federal ou a PF terão de montar um esquema específico para acompanhar o regime dela, porque não bastaria o monitoramento eletrônico, pois não se trata apenas de onde ela tem de estar e em que horário. É uma espécie de (regime) fechado domiciliar sem previsão legal específica, e o sistema de controle terá de ser único, personalizado para ela", diz.
O professor do IPE explica que as pessoas autorizadas ou não a entrar na casa de um preso domiciliar são descritas pelo juiz ao conceder a prisão. Em alguns casos, quem vai visitar a pessoa deve deixar celulares ou outros aparelhos proibidos na portaria do prédio.
Mas o especialista reforça a falta de monitoramento. "Em muitos casos não há fiscalização. Ela fica por conta única e exclusivamente do beneficiário, ou seja, ele cumpre se quiser", diz. Caso as regras não sejam cumpridas, a decisão pode ser revogada.
A Justiça Federal do Rio de Janeiro, por meio de assessoria, informou que Adriana não vai usar tornozeleira eletrônica. A Polícia Federal poderá fazer inspeções a qualquer dia e hora no apartamento da ex-primeira dama, no período das 6h às 18 h, sem comunicação prévia.
Os especialistas concordam que a prisão domiciliar não é uma determinação comum. "Acredito que a medida não é utilizada de forma mais ampla devido à falta de meios para fiscalizá-la. Isso sempre foi alvo de críticas", diz Prudente. Maíra afirma que é comum a defesa pedir o benefício, mas a decisão é menos concedida do que se espera.
Monitoramento eletrônico
O uso de monitoração eletrônica está previsto no artigo 319 do Código Penal, mas só é condição obrigatória se for determinada pelo juiz. Por isso, segundo o Ministério da Justiça, não são todos os presos domiciliares que utilizam o equipamento.
De acordo com um diagnóstico realizado pelo Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN), em parceria com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), com dados de fevereiro a julho de 2015, 18,2 mil pessoas eram monitoradas simultaneamente no Brasil.
O equipamento funciona com tecnologia GPS, que capta sinais via satélite para determinar a localização da pessoa e transmite informações por meio de sinal de celular. Tudo é enviado de forma criptografada a fim de evitar fraudes e criação de clones, explica Savio Bloomfield, presidente da Spacecom, empresa de monitoramento de sentenciados.
Uma central acompanha o preso diariamente, 24 horas por dia, e gera relatórios que ficam à disposição da Justiça por meio de um canal privado. Caso a tornozeleira seja rompida, o sinal GPS se perca, a pessoa saia de uma área de cobertura de celular ou qualquer regra seja quebrada, uma notificação é emitida na central e a Justiça é avisada imediatamente.
O mesmo vale para quando a bateria do aparelho não é recarregada, ação que deve ser feita pela pessoa que o possui. Todas as informações que eventualmente deixam de ser registradas em tempo real são armazenadas e descarregadas assim que o equipamento volta ao estado normal, ou seja, dentro da área de cobertura ou é recarregado.
A adoção do monitoramento eletrônico pela Justiça é feita por meio de uma licitação. A Spacecom atende 17 Estados brasileiros e monitora hoje mais de 21 mil pessoas no País. Bloomfield diz que esse número vem aumentando, pois, segundo ele, trata-se de uma alternativa à superlotação dos presídios.
"Isso traz benefício econômico para os Estados. Uma tornozeleira eletrônica custa, em média, R$ 250 por mês, cerca de 15% do que o governo gasta para manter uma pessoa aprisionada", diz. Atualmente, um preso no Brasil custa R$ 2,4 mil por mês, segundo a presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), ministra Cármen Lúcia. Segundo Bloomfield, a medida também evita o contato do preso com facções criminosas e a desagregação familiar.
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