ONU se diz preocupada com violência no Brasil contra venezuelanos
"A violência no Brasil foi inquietante", disse Joel Millman, porta-voz da Organização Internacional de Migração. Ele, porém, insistiu em apontar que os números de venezuelanos na fronteira com o Brasil "são baixos" em comparação aos da Colômbia e Equador.
"Entendemos o que estão enfrentando essas comunidades e estão fazendo grande trabalho", disse o representante, admitindo que a tensão pode significar que a "paciência está acabando" em certos locais.
"Estamos vendo sinais, como a violência no Brasil e limites (impostos por outros países), como sinais de alerta de que situação difícil pode rapidamente se transformar em uma situação de crise", alertou Millman.
Além da violência em Roraima, as agências destacam novas exigências apresentadas por governos, como do Peru e Equador. Uma das medidas é a de solicitar passaportes desses venezuelanos e outros documentos. "Muitos não tem acesso a isso", alertou Millman. "Estamos preocupados com países que estão esgotando sua capacidade e que procuram formas de administrar esse fluxo, com medidas que podem afetar os mais vulneráveis", disse.
"Isso tudo está se acumulando para uma situação como vimos em outras partes do mundo, como no Mar Mediterrâneo, e precisamos começar a ver prioridades, recursos e meios para lidar com isso", alertou.
Um recado parecido foi também adotado pelo Alto Comissariado da ONU para Refugiados. Seu porta-voz, Andrej Mahecic, insistiu em apontar para a longa tradição de solidariedade na região. Mas também apontou para a violência. "Vimos imagens deploráveis vindas da região na semana passada", disse. "Estamos preocupados com esses recentes eventos e protestos contra esses imigrantes e refugiados em alguns dos países latino-americanos", disse.
"Isso leva à estigmatização e ameaça os esforços de integração", alertou. Num apelo, ele pediu "respeito aos refugiados". "Solidariedade aqui é chave, do país e da população", disse. Ele admite, porém, que existe uma situação em que regiões estão com suas capacidades em seus limites e que há uma "clara tensão".
Na quinta-feira, 23, a ONU emitiu um alerta apontando para o fato de que as principais potências internacionais estão ignorando a crise gerada pelo fluxo inédito de refugiados e imigrantes venezuelanos. Além disso, a entidade está preocupada com novas barreiras criadas por países da região contra os venezuelanos. O êxodo, segundo a entidade, é um dos maiores da história da América Latina e chegaria a 2,3 milhões de venezuelanos.
Desse total, 300 mil deles pediram asilo em países da região, enquanto os demais estariam em situação de irregularidade ou se estabeleceram nos diferentes países por meio de outros vistos. 500 mil venezuelanos teriam sido ainda regularizados por governos da região.
De acordo com a OIM, 64 mil venezuelanos ganharam cidadania americana entre 2006 e 2016.
Comunidade internacional
As principais potências internacionais estão ignorando a crise gerada pelo fluxo inédito de refugiados e imigrantes venezuelanos. Dados obtidos com exclusividade pelo jornal "O Estado de S. Paulo" apontam que a ONU conseguiu arrecadar menos de 50% do dinheiro necessário para poder atender os venezuelanos em 2018, em oito países diferentes da América Latina. Além disso, a entidade está preocupada com novas barreiras criadas por países da região contra os venezuelanos.
De acordo com os dados, a ONU havia solicitado US$ 46 milhões em março da comunidade internacional para reforçar o atendimento aos venezuelanos nas fronteiras com o Brasil e Colômbia, além de dar assistência de saúde, acolhimento e educação no Caribe e países como Equador ou Peru.
Até o início de agosto, porém, tinha entrado na conta da ONU apenas 48% do valor solicitado, prejudicando o atendimento e deixando comunidades locais de países vizinhos sob pressão.
Diante da falta de verbas, o temor da entidade é de que a tensão sobre os países sul-americanos acabe gerando uma proliferação de barreiras e uma maior confrontação entre as comunidades locais e os estrangeiros.
Na quinta-feira, diante dessa situação financeira, as principais agências da ONU apelam para que países de fora da América do Sul passem a ajudar na crise de refugiados venezuelanos, numa clara indicação que os países da região já não estão dando conta do fluxo. O êxodo, segundo a entidade, é um dos maiores da história da América Latina e chegaria a 2,3 milhões de venezuelanos.
O que as entidades ainda querem é que países de fora da América do Sul se apresentem como possíveis locais para relocalização desses refugiados, o que permitiria desafogar parte dos países de fronteira da Venezuela. Negociações estão ocorrendo nos bastidores com governos europeus e norte-americanos para buscar locais para esses venezuelanos, da mesma forma que foi feito com os refugiados sírios que se acumulavam no Líbano, Jordânia e Turquia.
Num comunicado emitido em Genebra, o Alto Comissariado da ONU para Refugiados e a Organização Internacional de Migrações solicitaram um "maior apoio por parte da comunidade internacional aos países e comunidades na região recebendo um número cada vez maior de refugiados e migrantes da Venezuela".
A estimativa das entidades é ainda de que esse fluxo pode ganhar força nos próximos meses, colocando locais de fronteira e cidades inteiras sob intensa pressão social, como já ocorreu no último fim de semana em Roraima. Apenas desde 2015, 1,6 milhão de venezuelanos deixaram o país, com 90% deles indo para os demais países sul-americanos.
Barreiras
No comunicado assinado pelo chefe dos dois orgãos da ONU, Filippo Grandi e William Lacy Swing, as entidades reconhecem os esforços feitos por Brasil, Colômbia, Peru, Equador e outros no recebimento dos refugiados. Mas admitem que estão "preocupados" com recentes políticas adotadas na região "afetando refugiados e migrantes da Venezuela". "Isso inclui novos passaportes e exigências para cruzar a fronteira no Equador e no Peru, assim como mudanças nas autorizações de estadia temporária para venezuelanos no Peru", declararam as entidades.
"Reconhecemos os crescentes desafios associados com a chegada de grande escala de venezuelanos", disse Grandi. "É crítico que qualquer nova medida continue a permitir que aqueles em busca de proteção possam ter acesso à segurança e ao pedido de asilo", insistiu.
Swing, por sua vez, apelou para que os países da região continuem a manter suas fronteiras abertas. "Confiamos que essas demonstrações de solidariedade continuem no futuro", disse.
No Brasil, o governo federal tem sido pressionado com propostas de bloquear a entrada de imigrantes por Roraima. O líder do governo no Senado e presidente do MDB, Romero Jucá (RR), sugeriu ao presidente Michel Temer o bloqueio da entrada na fronteira do Estado, de forma temporária. Jucá também anunciou à imprensa que apresentará uma proposta ao Senado para estabelecer "cotas" para a entrada de imigrantes no País.
De outro lado, a governadora do Estado, Suely Campos (PP), adversária política de Jucá, já vinha pedindo o fechamento da fronteira nas últimas semanas e protocolou novo pedido no Supremo Tribunal Federal (STF). Ela tem acusado o governo federal de omissão diante da situação no Estado. O Palácio do Planalto resiste às ofensivas, mas passou a considerar a possibilidade apresentada por Jucá para medir a reação da população e, só então, tomar uma decisão.
De acordo com as agências da ONU, uma preocupação especial se refere às populações mais vulneráveis, como adolescentes, mulheres, crianças que cruzam as fronteiras sozinhas ou pessoas que estejam tentando encontrar suas famílias. Muitos deles podem não ter os documentos necessários para atender aos pedidos das autoridades e acabam em situações de risco, exploração, tráfico e violência.
"A atual situação reforça a necessidade urgente para aumentar o engajamento internacional e solidariedade em apoio aos planos de governos", apontaram as entidades. De acordo com a ONU, a comunidade internacional se comprometeu no ano passado em dar um apoio "previsível e rápido" a regiões que estejam sob pressão por um fluxo de refugiados.
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