SP investe em armas não letais
A adoção desse modelo de armamento integra os esforços para redução da letalidade policial, que chegou a bater recorde no primeiro semestre de 2020 nas cidades paulistas. Especialistas alertam que as armas de choque, consideradas menos letais, ainda demandam um controle rigoroso sobre o seu uso, com protocolos e treinamento - duas mortes em ocorrências no Estado estão sob investigação.
O movimento ocorre de modo simultâneo à implementação das câmeras corporais nas fardas dos agentes, um tipo de monitoramento que tem auxiliado na queda dos registros de letalidade.
Armas como a Taser X2, adquirida pela PM paulista, disparam um impulso elétrico capaz de imobilizar o alvo. A corrente é transmitida por pequenas sondas que podem perfurar a roupa de um suspeito a seis metros de distância. Em média, depois do contato, a emissão do pulso dura cerca de cinco segundos e a carga é de 50 mil volts, o que leva a uma contração muscular.
Em Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Pará, Acre, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro e Distrito Federal, as chamadas tasers já integram (em maior ou menor grau) o aparato policial disponível para atendimento de ocorrências. Em Minas Gerais, o governo local anunciou recentemente que vai utilizar verba de R$ 4,2 milhões para compra de câmeras corporais e armas de impulso elétrico para a Polícia Militar. A ideia do governo é desenvolver um projeto-piloto.
As armas de choque não são um recurso novo para as polícias no Brasil e no exterior. O uso começou a ser ampliado ao longo dos anos 2000 e chegou com mais força ao território nacional há mais de dez anos, quando foi adotado pontualmente por alguns Estados. Em 2008, a PM de Santa Catarina adquiriu as primeiras unidades e atualmente o equipamento está presente em todos os batalhões. Na Bahia, por exemplo, os primeiros testes com a taser foram feitos em 2009, mas o uso não foi contínuo.
Com o menor índice de letalidade policial do País, segundo relatório mais recente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, de 2020, o Distrito Federal usa armas de contenção não letais há quase uma década. "Todo policial militar que, em razão da sua função, possa vir a se envolver em situações de uso da força, deverá portar no mínimo dois instrumentos de menor potencial ofensivo e equipamentos de proteção necessários à atuação específica, independentemente de portar ou não arma de fogo", informou a PM.
Ainda segundo a corporação, o uso de ações preventivas, que incluem as armas de imobilização por impulso elétrico, contribuiu para a queda na letalidade. "Para chegarmos ao menor índice de letalidade do Brasil, os policiais militares são devidamente treinados em instrumentos de menor potencial ofensivo e sempre que um novo tipo de equipamento é introduzido na instituição, um novo módulo de treinamento é realizado", disse. O índice do DF é de 0,4 mortes por 100 mil habitantes - a média nacional é de 3.
Em Mato Grosso do Sul, terceiro no ranking de menor letalidade (taxa de 0,7 por 100 mil pessoas), a PM está importando 115 tasers para equipar suas forças de elite. "A PM-MS também utiliza armas de condutividade elétrica fabricadas no Brasil para atendimento de ocorrências, sendo os policiais militares devidamente treinados para o uso adequado do dispositivo", informou.
Conforme a corporação, além do uso de equipamentos de menor potencial ofensivo, a queda na taxa de letalidade em ocorrências policiais se deve a outros fatores, como técnicas de negociação policial e o fortalecimento da filosofia de polícia comunitária.
Para o presidente do Colégio Nacional de Secretários de Segurança Pública (Consesp), Julio Danilo Souza Ferreira, titular da pasta do Distrito Federal, embora só a arma de choque não resolva a questão da letalidade, ter o equipamento à disposição e passar pelo treinamento para seu uso ajudam a desenvolver a cultura do uso progressivo da força entre os policiais. "É evidente que determinadas operações exigem outro tipo de equipamento, mas o uso da força tem de ser proporcional à necessidade", disse o especialista.
Ele lembra que, nos treinamentos, os policiais aprendem também a dialogar e conversar com o potencial transgressor. "O papel do policial é preservar a ordem pública e proteger a vida do cidadão, sem colocar a sua em risco. A arma não letal ajuda nisso."
Ferreira revelou que o Consesp vem atuando para a padronização das armas não letais no País. "Estamos em diálogo com o Ministério da Justiça para que tenhamos atas de registro de preços em nível nacional. O próprio ministério tem realizado discussões com as forças policiais e as empresas para que tenhamos uma uniformidade nesses equipamentos, tanto de preço quanto de tecnologia", disse.
São Paulo
As mortes cometidas por policiais estão em queda no Estado. A quantidade de vítimas caiu de 814 para 570 entre 2020 e 2021, uma redução de 30% no período. A queda gradual e sustentada levou o Instituto Sou da Paz a pesquisar quais medidas contribuíram para o cenário.
"Chama a atenção o fato de que todas as regiões do Estado tiveram pico de letalidade no primeiro semestre de 2020, caindo no semestre seguinte, e voltando a crescer no primeiro semestre de 2021 para ter nova redução no segundo. Isso indica que os fatores que causaram a redução de letalidade nos primeiros semestres tiveram efeito em todo o Estado, descartando causas locais", dizem os autores do estudo.
A normativa que regulamenta o treinamento, supervisão e utilização de armas de incapacitação neuromuscular pela corporação paulista foi publicada em abril de 2020. A PM adquiriu 7.500 armas, das quais 6.875 já foram distribuídas e estão em operação. Outras 625 serão entregues ainda em maio. Até o fim deste ano, com a compra de mais 5.500 aparelhos, a PM paulista chegará a 13 mil unidades dessa arma. A corporação diz que isso fará dela uma das forças policiais com mais armamento dessa natureza em todo o mundo.
Conforme a PM, em 2021 houve 483 ocorrências com o emprego da taser (sem necessariamente ter havido disparo) e, em 98% dos casos (475 ocorrências) o agressor foi contido sem resultado morte. Em 6,4% (31 ocorrências), houve a necessidade de outros meios além da arma de incapacitação neuromuscular. Em dez casos, policiais militares ficaram feridos. Em 2% dos casos houve a necessidade de emprego de arma de fogo após o uso da taser. Os meses de outubro e dezembro de 2021 apresentaram o maior número de ocorrências envolvendo o uso de incapacitação neuromuscular, com 48 casos em cada mês.
O uso de armas não letais se soma à contratação de câmeras corporais inseridas no dia a dia dos policiais desde julho de 2020. Após a adoção de câmeras, houve redução de 40% nos casos de letalidade policial nas companhias que adotaram o equipamento. A corporação paulista, que já fazia uso de 2.500 câmeras, está incorporando outros 7 mil equipamentos, devendo totalizar 9.500 dispositivos para uso de seus policiais em todo o Estado. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
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