Topo

TEDGlobal apresenta ideias para mudar o mundo nas areias de Copacabana

O TED começou em 1984 na Califórnia, Estados Unidos, como uma conferência sobre tecnologia, entretenimento e design - James Duncan Davidson/TED
O TED começou em 1984 na Califórnia, Estados Unidos, como uma conferência sobre tecnologia, entretenimento e design Imagem: James Duncan Davidson/TED

Camilla Costa

No Rio de Janeiro

11/10/2014 18h44

Chegou a hora de ouvir o hemisfério Sul. Com essa proposta, o evento de palestras mais famoso do mundo, TED, veio ao Rio de Janeiro ouvir ideias inovadoras do Brasil e de países da África, Ásia e América Latina.

O TED começou em 1984 na Califórnia, Estados Unidos, como uma conferência sobre tecnologia, entretenimento e design (as três palavras formam sigla pela qual o evento é conhecido).

A partir de 2006, no entanto, se tornou uma marca mundial, quando passou a disponibilizar gratuitamente suas palestras de 18 minutos online. A febre das "TED talks" gerou eventos independentes ligados ao projeto original em todo o mundo, os TEDx. O Brasil já teve mais de dez conferências do tipo, em todas as regiões.

O TEDGlobal é o segundo produto principal da organização sem fins lucrativos, cujo lema é oferecer uma plataforma para "ideias que valem a pena espalhar". Em sua oitava edição, a conferência abriu espaço para temas além dos originais.

Assuntos como participação política, direito a privacidade, meio ambiente, empreendedorismo e até alimentação foram discutidos durante os quatro dias de evento na praia de Copacabana, e os 11 participantes brasileiros – entre eles o artista plástico Vik Muniz e o empresário Ricardo Semler – foram os mais aplaudidos pelo público

Reconfigurando a política

O tema da conferência desde ano, "Sul!", significou destaque a iniciativas, ideias e projetos sendo realizados nos países em desenvolvimento, muitos deles relacionados a participação política.

A escritora peruana Marie Arana, que acaba de lançar uma biografia sobre o líder latino-americano Simon Bolívar, colocou em cheque o conhecimento comum sobre o personagem histórico, cujo legado influencia todo o continente até hoje.

Leia mais: 'Associar Bolivarianismo com Socialismo é erro', diz biógrafa de Bolívar

A argentina Pia Mancini e a brasileira Alessandra Orofino causaram furor no público ao falar sobre seus projetos de engajamento das comunidades nas decisões políticas locais. Mancini é co-fundadora do Partido de La Red, nascido na esteira de um aplicativo que permitia as pessoas se posicionarem sobre projetos de lei em trâmite no Congresso. Agora, o governo argentino usará pela primeira vez o modelo para consulta popular sobre três novos projetos.

Leia mais: Como uma ativista argentina está 'hackeando' a democracia

Já Alessandra Orofino é a criadora do Meu Rio, plataforma que reúne cidadãos interessados em elaborar propostas para melhorar a vida na cidade. Ela criticou duramente a resposta das administrações estaduais durante os protestos de junho de 2013 e defendeu que as cidades voltem a "deixar as pessoas felizes", através de políticas públicas.

Leia o artigo de Alessandra Orofino: Jovens têm de exigir espaço e não esperar inclusão

A socióloga turca Zeynep Tufekci questionou a eficiência dos protestos recentes em países como Turquia e Brasil, que cresceram rapidamente através das redes sociais, mas que, em sua opinião, não têm conseguido organizar-se para atuar no sistema político após a explosão inicial. "Depois da minha fala, muitos ativistas aqui, e muitos brasileiros, vieram me dizer: 'obrigado, é isso mesmo que eu acho que está acontecendo, vamos conversar'", disse à BBC Brasil.

Leia mais: Para socióloga turca, é preciso ir além dos protestos e 'fazer a parte chata'

Estreantes

As palestras do TED são publicadas a conta-gotas pela organização, uma por dia, a partir do segundo dia do evento, mas nem todas vão ao ar. As melhores são selecionadas para publicação.

Isso significa que só as cerca de mil pessoas que pagaram os US$ 6 mil (R$ 14 mil) tiveram acesso a todas as ideias, projetos e discussões que aconteceram durante a semana. Os organizadores, no entanto, dizem que fecharam acordos que garantiram a transmissão, ao vivo e gratuita, das palestras para cerca de 40 instituições em todo o mundo.

Para trazer sangue novo à conferência e dar acesso a jovens empreendedores que provavelmente não poderiam pagar pelo ingresso, o TED criou o programa Fellows, em 2009, que seleciona ativistas e pequenos empresários em todo o mundo – a partir de recomendações – e os prepara para apresentarem seus projetos a uma plateia mais reduzida no primeiro dia do evento.

Esse ano, três brasileiros participaram do Fellows, o máximo até hoje em uma edição do programa. O desafio da bióloga Marcela Uliano da Silva, da engenheira florestal Patricia Medici e do grafiteiro Thiago Mundano foi ainda maior: aos invés dos 18 minutos tradicionais das palestras do TED, eles tinham apenas quatro minutos para expor suas ideias.

Leia mais: Na abertura do TED no Rio, a busca de jovens pela apresentação perfeita

Inovações

Os projetos que usam a tecnologia sempre têm destaque nos eventos TED, mas, dessa vez, brilharam aqueles que conseguiram fazer muito com pouco: cientistas, ativistas e empreendedores que combinaram tecnologias já comuns para tornar as mais diversas ferramentas acessíveis.

O engenheiro e administrador chileno Jose Manuel Moller, também um dos Fellows, criou um sistema de venda de produtos de necessidade básica "a granel", que barateia o custo destes produtos em mercadinhos de bairro na capital, Santiago. A máquina, que ficou exposta durante toda a semana, provocou a curiosidade dos participantes e ganhou elogios.

Leia mais: Chileno cria máquina para acabar com a 'taxa de pobreza' nas periferias

A empresária Isabel Hoffman partiu da odisseia de um ano e meio para diagnosticar as alergias que debilitaram sua filha de 13 anos para criar um dispositivo portátil que escaneia alimentos. Ele se comunica por celular com aplicativo que mostra os ingredientes do prato e até mesmo as substâncias nas quais eles se transformaram após o processamento.

"Isso é importante porque, por exemplo, em um bolo, a sacarose pode ter se transformado em maltose e glicose e frutose, aos quais minha filha tem alergia. Dizer que um alimento tem sacarose não é o mesmo que dizer que você está comendo sacarose", afirmou Hoffman, para quem o aparelho pode ajudar até mesmo a combater a obesidade. "Ao saber o que comem, as pessoas podem mudar seus hábitos", disse a BBC Brasil.

Leia mais: Falta de diagnóstico da filha doente inspirou empresária a criar escâner de alimentos

O pesquisador canadense Robert Muggah, que trabalha no Brasil como diretor de pesquisa do Instituto Igarapé – um dos principais centros de estudos do mundo sobre segurança pública – falou sobre as possibilidades que a tecnologia oferece aos moradores de grandes cidades de participar do monitoramento da violência.

Para Muggah, entender a distribuição e os padrões de criminalidade em grandes metrópoles de países em desenvolvimento, como São Paulo, serão essenciais para "definir os conceitos de ordem e desordem" no mundo no futuro.

Leia mais: 'A violência parece estar fora de controle no Brasil', diz pesquisador

A ideia mais badalada do TED Global no Rio, no entanto, veio do encontro de um engenheiro mexicano com uma bióloga molecular grega. Jorge Soto e Fay Christodoulou criaram um dispositivo que já pode detectar ao menos quatro tipos de câncer – na mama, no pulmão, no pâncreas e no fígado – e fornecer o resultado em pouco mais de uma hora. O protótipo do dispositivo – que promete ser dezenas de vezes mais barato que os métodos atuais de diagnóstico – foi apresentado pela primeira vez no Rio.

Cientistas mostram teste de câncer que dá resultado em 90 minutos

O poder das histórias

Apesar do destaque para o ativismo e para as novidades tecnológicas, o TED continua sendo principalmente uma conferência dedicada à força das histórias contadas no palco. Em no máximo 18 minutos, espera-se que os palestrantes ofereçam soluções a alguns dos maiores problemas globais.

O líder indígena Tashka Yawanawá falou sobre a vida de seu povo, uma comunidade de 800 pessoas no Acre, e fez críticas ao que disse ser a "falta de uma política nacional para os indígenas" e uma "defasagem" da Funai.

Assista: 'O agronegócio é o motor do país, mas precisa respeitar nossos direitos', diz líder indígena

O empresário brasileiro Ricardo Semler, que se tornou conhecido em todo o mundo ao fazer transformar sua companhia, a Semco, um laboratório de experiências em democracia na gestão de negócios, falou sobre suas ideias radicais tanto no mundo empresarial quanto na educação.

A escola Lumiar em São Paulo, gerida por sua fundação, foi eleita em 2007 como uma das 12 mais inovadoras do mundo. Ao falar sobre a rotina que tenta e estimula os funcionários a manterem, Semler foi ovacionado pela plateia. "Aprendemos a checar os e-mails no domingo, mas não a dar um tempo do trabalho para ir ao cinema em uma segunda a noite", afirmou.

Leia mais: Ricardo Semler: 'A educação brasileira está obsoleta'

Já o neurocientista Miguel Nicolelis foi um dos mais aplaudidos de toda a conferência, ao contar a história do chute de um paraplégico na bola de futebol durante a abertura da Copa do Mundo 2014, em São Paulo – que causou controvérsia no Brasil, por ter sido considerado aquém do prometido pelo próprio Nicolelis.

Ao explicar sua pesquisa sobre interfaces entre o cérebro humano e máquinas, ele mostrou um vídeo de um paciente andando com o exoesqueleto mecânico criado para a Copa e disse que não conseguiu mostrar todo o processo na Arena Corinthians porque "por questões institucionais, a FIFA cortou a transmissão no meio".

Nicolelis disse ainda que, após ao chute que foi ao ar, o paraplégico Juliano Pinto comemorou: "eu senti a bola!!". "Quer a FIFA mostre ou não, isso não tem preço", afirmou, com a voz embargada.

Ele saiu aplaudido de pé pela plateia do evento, após dizer que, um dia, quando interfaces como esta forem realidade, alguém se lembrará que "tudo começou em uma tarde de inverno no Brasil, com um chute impossível". A fala do brasileiro parece traduzir justamente a ideia do TED Global 2014: mostrar que as ideias nascidas no Sul também podem mudar o mundo.