No exterior, Lula já não é 'o cara', mas ainda é respeitado por legado social
O ex-presidente Luis Inácio Lula da Silva tornou-se um ícone do Brasil em ascensão no final da década passada, quando o país ganhou os holofotes internacionais. "Esse é o cara", chegou a dizer, em 2009, o presidente dos EUA, Barack Obama. "É o politico mais popular do planeta."
No ano seguinte, Lula entrou na lista da revista "Time" das 100 personalidades mais influentes do mundo. "O que Lula quer para o Brasil é o que costumávamos chamar de sonho americano", escreveu o documentarista Michael Moore em um texto explicando a inclusão.
No Brasil, a popularidade do ex-presidente também era grande e chegou a alcançar índices recordes - ao terminar o mandato tinha impressionantes 80% de aprovação, segundo uma pesquisa Ibope, e era considerado o melhor presidente da história por 71% dos brasileiros, de acordo com o instituto Datafolha.
Hoje, a deterioração de sua imagem interna é indiscutível. Neste domingo, por exemplo, Lula foi um dos principais alvos dos protestos antigoverno que ocorreram em 27 capitais do país. Em Brasília, um boneco gigante do ex-presidente vestido de presidiário foi levado à Esplanada dos Ministérios. Na avenida Paulista, em São Paulo, não era difícil encontrar mensagens ofensivas ao ex-presidente ou grupos aos gritos de "Fora, Lula".
Nos últimos meses, também foram criadas no Facebook pelo menos três páginas que pedem a morte do ex-presidente - a maior delas reúne mais de 6.000 pessoas.
Mas será que essa deterioração interna chegou lá fora? Como os escândalos de corrupção e a crise em que o PT parece ter mergulhado afetaram a imagem do presidente brasileiro mais popular no exterior?
A questão divide a opinião de cientistas políticos estrangeiros ouvidos pela BBC Brasil, mas parece haver um consenso de que, por um lado, o ex-presidente definitivamente não é mais "o cara" - como definiu Matthew M. Taylor, professor da American University e pesquisador do Brazil Institute do Woodrow Wilson Center. Por outro, seu legado social ainda inspira algum respeito.
"Qualquer um que esteja seguindo os acontecimentos do Brasil de perto vai acabar com uma opinião mais crítica sobre ele (Lula), porque esses problemas de corrupção (revelados pela Lava Jato), afinal, não surgiram no atual governo", diz Wendy Hunter, professora da Universidade do Texas, que escreveu o livro "The Transformation of the Workers' Party in Brazil, 1989-2009" (A Transformação do Partido dos Trabalhadores no Brasil, em tradução livre).
"Mas não devemos superestimar a cobertura sobre a realidade brasileira em outros países. Muita gente não está informada sobre o que está acontecendo ou não entende muito bem o escândalo", diz ela.
Michael Shifter, presidente do centro de estudos americano Inter-American Dialogue concorda que a imagem de Lula "perdeu o brilho", mas diz que em parte isso reflete também a falta de entusiasmo com o Brasil e a economia brasileira. "Ele era um símbolo do Brasil que ganhava influência global e parecia destinado a tornar-se uma potência econômica", diz.
"Acho que, de uma forma geral, ouve um momento, na década passada em que os líderes e movimentos de esquerda latino-americanos começaram a se tornar uma referência para movimentos de esquerda de diversos países", opina o líder estudantil britânico Matt Myers, que deu a seu cachorro o nome Lula em homenagem ao presidente brasileiro.
"Hoje, esse não parece ser mais o caso: estamos olhando muito mais para movimentos antiausteridade em países como Grécia e Espanha."
Entusiasmo
No fim dos anos 2000, o entusiasmo com o então presidente brasileiro em parte parecia ser explicado por sua história pessoal de superação e sucesso, que de alguma forma refletia a trajetória do Brasil no cenário global naquele momento.
Também por ele se sentir confortável em meio à elite econômica e política do planeta e encorajar uma política externa ambiciosa e engajada. "Lula parecia apreciar o fato de estar nesse palco global, enquanto Dilma (Rousseff) tem um estilo mais contido", diz Timothy Power, especialista em Brasil da Universidade de Oxford.
Para Matthew Taylor, "Lula já não empolga, mas ainda é respeitado por observadores estrangeiros, principalmente por seu legado social e por sua política externa mais altiva".
Outro fator que ajudaria a proteger a reputação do ex-presidente lá fora, segundo o pesquisador do Woodrow Wilson Center, seria o fato de ele não ter sido diretamente implicado na Lava Jato e os americanos não conseguirem entender algumas acusações contra o ex-presidente.
"Como exemplo acho que dá para mencionar essa história de que ele fez lobby para as construtoras brasileiras. Fazer lobby não é ilegal nos EUA e não ficou claro o que exatamente é ilícito nisso", diz Taylor, referindo-se ao fato de do Ministério Público Federal ter aberto uma apuração preliminar sobre o papel de Lula nos negócios fechados no exterior pela empreiteira Odebrecht.
Power, de Oxford, explica que "é natural que os políticos tenham imagens diferentes dentro e fora de seu país".
"Acho que hoje podemos dizer que Lula é uma espécie de [Mikhail] Gorbachov [líder russo que levou adiante as reformas econômicas e políticas que levariam ao fim da URSS]: apesar de sua imagem estar deteriorando internamente, ele ainda é reconhecido no exterior pelos ganhos sociais e avanços na redistribuição de renda ocorridos durante seu governo", diz.
"O próprio Fernando Henrique Cardoso viveu em seu segundo mandato uma situação parecida, em que era mais popular fora que dentro do Brasil."
Power opina que a "imagem do PT sofreu mais que a de Lula" , lembrando que dois tesoureiros do partido de fato estão presos.
Viagens
Segundo o Instituto Lula, depois que deixou a presidência, Lula viajou para muitos países.
Nos Estados Unidos, teria recebido o prêmio da World Food Prize, pelos seus esforços de combate à fome, e da International Crisis Group. Também foi à Espanha, onde, segundo o instituto, recebeu o título de doutor honoris causa da Universidade de Salamanca.
No México, teria proferido palestras para empresas, recebido o prêmio Amalia Solórzano, em 2011, e participado do lançamento de um programa contra a fome inspirado na experiência brasileira, ainda segundo o instituto.
A maioria destas viagens, porém, teria ocorrido antes do aprofundamento da crise política e econômica brasileira.
Peter H. Smith, professor da Universidade da Califórnia e autor do livro "Democracy in Latin America" (Democracia na América Latina), opina que o ex-presidente brasileiro hoje é uma figura de divide opiniões também no exterior.
"De um lado há quem tenha a impressão que os problemas começaram com Dilma - porque, afinal, tudo parecia ir bem no Brasil até ela assumir", diz ele.
"Acho que um observador mais atento vai entender que os problemas e esquemas que estão vindo à tona agora começaram muito antes, ainda sob Lula. E ainda há uma terceira visão minoritária segundo a qual o Brasil não tem capacidade estrutural de se tornar uma grande potência e nenhum presidente poderia contornar essa realidade. No caso, nem Lula nem Dilma teriam 'culpa' (pela atual crise política e econômica)."
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