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Enquanto Cunha comandar Câmara, governo tem de conversar com ele, diz ministro

Tatiana Farah

De São Paulo para a BBC Brasil

20/10/2015 17h27

Ambos imersos em crises sem precedentes, Dilma Rousseff e o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), passaram a trocar farpas públicas nos últimos dias por meio da imprensa.

Na Suécia, ela lamentou que as denúncias envolvendo contas na Suíça atribuídas ao peemedebista ocorram "com um brasileiro". Em resposta, Cunha afirmou que o governo da petista tem "o maior escândalo de corrupção do mundo".

Mesmo com esse chumbo trocado, o ministro da Comunicação Social, Edinho Silva (PT-SP), um dos responsáveis pela articulação com o Congresso, minimiza o embate e diz, em entrevista exclusiva à BBC Brasil, que o governo precisa dialogar com Cunha e com a oposição.

O petista afirma ainda não ver uma piora na imagem do país com o futuro anúncio, segundo informações da imprensa, de que as contas da União serão fechadas neste ano com um deficit de R$ 50 milhões.

Leia os principais trechos da entrevista.

BBC Brasil - A meta do Orçamento do governo para este ano deve ser reenviada ao Congresso com um deficit de R$ 50 bilhões em vez do superávit de R$ 66 bilhões, segundo noticiou o colunista do UOL Fernando Rodrigues. Por que o governo está fazendo isso? Para acabar com as "pedaladas fiscais" (uso dos bancos públicos para cobrir despesas do governo)?

Edinho Silva - É nítido que estamos enfrentando uma crise econômica que tem características internacionais. Tivemos uma desaceleração grande da China, que é nosso principal parceiro econômico.

Também tivemos uma alteração negativa nos preços das commodities, o que tem um impacto significativo nos países emergentes e o Brasil também sentiu. Todos nós acreditávamos numa recuperação da economia internacional mais acelerada. Além da economia internacional, também temos problemas domésticos.

Tomamos medidas em anos anteriores para impedir que o país fosse arrastado para uma crise cíclica da economia. Foram medidas importantes, que chegaram ao seu limite, entre elas as desonerações. Então, hoje estamos passando por um ajuste.

É nítido que temos dificuldades de fechar em superávit neste ano porque tivemos uma desaceleração muito grande e aprovamos medida importantes para o ajuste no Congresso Nacional, mas existem ainda medidas para serem aprovadas.

Quanto mais tempo demoramos na aprovação dessas medidas, menor o impacto delas no ajuste orçamentário. Se for este o cenário, de nós mudarmos a meta de execução orçamentária, penso que o governo está correto em agir de forma transparente, clara, sinalizando para os agentes econômicos qual é o cenário.

Não temos problema em fechar com deficit. O Canadá fechou por seis anos consecutivos com deficit e nem por isso foi acusado de estar com sua economia em frangalhos.

BBC Brasil - Mas isso não tem repercussão internacional? Os suecos já se mostraram preocupados com o pagamento dos caças Gripen. E o Brasil teve sua nota reduzida em menos de um mês por duas agências internacionais.

Edinho - Não vejo problema. O Brasil jamais deixou de honrar seus compromissos. E não vamos deixar de honrar agora. Neste período de crise econômica internacional, o Brasil não é o único país do mundo que fechou em deficit.

As pessoas têm memória curta. A própria economia americana: quando não conseguiu equalizar o Orçamento, o Congresso não o aprovou, praticamente parou o governo norte-americano. Nem por isso nós falamos que a economia americana estava se desmanchando.

Tivemos na zona do euro países enfrentando problemas de deficit maiores que os nossos, inclusive estruturais - e o nosso não é, acho que é uma questão conjuntural.

BBC Brasil - O ministro da Fazenda, Joaquim Levy, tem sofrido várias críticas do ex-presidente Lula e do presidente do do PT, Rui Falcão. Como fica a relação entre PT, Lula e a presidente?

Edinho - Não vejo Lula criticando o ministro. Ele, como todos nós, quer que a economia reaja o mais rápido possível. Ele tem pedido para que a gente entre na agenda pós-ajuste, na agenda de retomada do crescimento. O que ele quer é o que todos nós queremos, inclusive o ministro Levy.

O que ele tem cobrado é uma agilidade maior para que a gente entre na outra fase da agenda econômica, que é a superação do ajuste. É natural que os partidos da base façam críticas. Recentemente lideranças do PMDB fizeram críticas também.

BBC Brasil - Mas o PMDB não é o partido da presidente.

Edinho - Mas qual o problema? Nosso governo é uma coalizão. Os partidos têm todo o direito de manifestar sua opinião. Mas mais que manifestar sua opinião, os partidos têm responsabilidade com a governabilidade.

Portanto, as medidas de superação do atual cenário não são responsabilidade de um partido, de um dirigente ou de um ministro. É responsabilidade da coalizão como um todo.

BBC Brasil - O PMDB pode adiar seu encontro nacional de novembro para o ano que vem. Isso é uma vitória do governo? Sinaliza que o governo não vai perder o PMDB da base?

Edinho - Não acho que é a data do foro interno do PMDB que estabelece o grau de compromisso dele com a base. O PMDB é comprometido com a base porque hoje ajuda a governar o Brasil, ocupa ministérios importantes e tem o vice-presidente da República.

BBC Brasil - Mas o vice-presidente Michel Temer chegou a dar declarações consideradas bastante ambíguas.

Edinho - Não vejo problema com as declarações do vice-presidente. Um governo que não emite opinião, um governo em que as lideranças não têm possibilidade de emitir opinião é, no meu entender, um governo que não se move por princípios democráticos. As lideranças têm todo o direito de divergir. E tem foro interno do governo para manifestar suas opiniões.

As lideranças que compõem o governo não têm obrigação nenhuma de ter um pensamento único. Podem ter opiniões divergentes. O importante é que, na ação, nos objetivos do governo, todos estejam unificados.

BBC Brasil - Dilma deu uma declaração forte respondendo a Eduardo Cunha, dizendo que não é seu governo que está sendo acusado de corrupção. Esse enfrentamento está cada vez mais forte. O Planalto quer que Cunha deixe o cargo?

Edinho - Estamos vivendo um momento difícil da política brasileira, em que temos um processo de investigação que envolve lideranças importantes do país, envolve a estrutura do Estado brasileiro.

Temos que ter muita tranquilidade, muita capacidade de racionalização, para que a gente, no calor deste momento, não julgue de forma antecipada, não penalize de forma antecipada.

Espero que o presidente da Câmara dos Deputados tenha todo o espaço para fazer sua defesa, para demonstrar o contraditório, para que a Justiça brasileira julgue à luz dos fatos, da legislação e da jurisprudência.

É isso que o governo defende. Temos autonomia entre os Poderes. Cada um cumpre o seu papel e o importante é que nós possamos colocar acima de quaisquer outros interesses os interesses do povo brasileiro.

BBC Brasil - É interesse do país um presidente da Câmara acusado de corrupção?

Edinho - É evidente que nenhum de nós gostaria que o país passasse por isso. O importante é que a democracia prevaleça e um dos seus pilares é o Estado de Direto, o princípio do contraditório.

As acusações, as investigações sempre vão existir. É importante que existam para que possamos fortalecer cada vez mais as instituições brasileiras. Espero que todo esse processo seja superado o mais rápido possível.

BBC Brasil - O empresário Ricardo Pessoa (da construtora UTC), em delação premiada, o acusou de, como tesoureiro da campanha de Dilma de 2014, pedir dinheiro a ele. O sr. chegou a prestar depoimento à Polícia Federal. Como respondeu a isso?

Edinho - Defendi publicamente que nenhuma dúvida restasse sobre esse episódio. Conversei com dezenas de empresários brasileiros na condição de coordenador financeiro da campanha. Nenhum empresário fez nenhuma acusação a meu respeito.

Li detalhadamente a delação premiada de Pessoa. É uma fala que foi feita com o objetivo de remir pena. Esse é o risco da delação. Temos que aprimorar esse instrumento para que, quando se acuse, tenha-se condições de provar. A delação premiada é um instrumento importante de investigação, mas tem de ser aprimorada.

Na delação premiada, em um parágrafo ele diz que eu, elegantemente, o pressionei a doar e, dois parágrafos abaixo, ele diz que nunca se sentiu pressionado e que doaria da mesma forma.

Tenho todo o respeito pelo Ministério Público, agora, nenhum jurista é capaz de defender que essa delação, no que diz respeito a mim, tem algum fundamento. Defendo que a investigação vá até o último grau de ação para que nenhuma dúvida reste sobre a minha conduta.

BBC Brasil - Rui Falcão tem dito que há uma criminalização das doações de campanha. O sr. concorda com isso?

Edinho - Toda vez que você tem a política e a polícia muito perto, é ruim para a democracia. É claro que, quando você tem denúncias, elas precisam ser investigadas. Ninguém pode estar acima da lei. Mas é ruim para a política que ela seja criminalizada.

O que não pode é que haja um esforço de criminalização do que está dentro da lei e que esse esforço de criminalização seja enviesado, em que a lei prevaleceu para todas as candidaturas e quase se cria uma exceção para atingir politicamente o PT ou a campanha da presidenta Dilma.

BBC Brasil - Ainda existe um caminho de diálogo com Cunha, apesar do "tiroteio" entre ele e a presidente e da judicialização a respeito do rito de abertura de impeachment?

Edinho - O governo tem de conversar com o presidente da Câmara, que é um representante institucional. A relação dele com a Justiça, com um processo de investigação, é a relação dele com a Justiça.

Enquanto ele for o presidente da Câmara, o governo tem de conversar com ele, com o presidente do Senado, com o presidente da Suprema Corte. É natural que o governo dialogue com os poderes instituídos.

BBC Brasil - É Lula quem está fazendo essa conversa? Quem foram os eleitos para tratar disso?

Edinho - Quem conversa institucionalmente com o presidente da Câmara é a presidenta Dilma. Claro que no dia a dia, quando é necessário, os ministros dialogam.

O presidente Lula é a maior liderança política da nossa história. Ele tem todo o direito, inclusive é bom para o país, que ele converse com outras lideranças políticas. Não tem problema nenhum.

BBC Brasil - O sr. acha que é possível barrar o processo de impeachment da presidente Dilma no Congresso sem que seja uma decisão do Supremo Tribunal Federal?

Edinho - Temos de entender duas coisas. O Brasil vive um problema político, que se resolve na política, com o diálogo com a base de apoio, com a oposição.

Precisamos criar pontos de unidade para que o Brasil avance não só nesse momento de crise conjuntural, mas para que tenha uma agenda de futuro. Essa agenda de futuro, se não for construída com a oposição, fica muito difícil. Essa é uma questão política.

Agora, impeachment é uma questão jurídica. Para que haja um processo de impeachment tem de ter um fato concreto, e não existe nenhum fato que justifique um processo de impeachment.

BBC Brasil - E as "pedaladas fiscais"?

Edinho - O que é chamado de "pedalada", que é operacionalizar a execução orçamentária com atraso de repasse, quais as instâncias de governo, qual o governo que não trabalha com a retenção de empenhos? Desde as prefeituras até o governo federal.

Se vamos proibir que haja atrasos na execução orçamentária, que se mude a legislação. O que a presidenta Dilma fez foi executar o Orçamento dentro da jurisprudência do Tribunal de Contas e dentro de toda a normatização do Banco Central.

BBC Brasil - Qual a estratégia para melhorar a aprovação da presidente?

Edinho - Governar. Um governo só melhora a sua popularidade governando. Temos de fazer a economia crescer, gerar emprego e distribuir renda. A marca tanto do presidente Lula como da presidenta Dilma foi de um governo de geração de oportunidades.

Temos de governar, gerar oportunidades, e certamente a popularidade, que está em queda por uma questão conjuntural, voltará a crescer.