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Como Clinton evitou impeachment, e por que para Dilma é mais complicado

O ex-presidente dos Estados Unidos, Bill Clinton - Bob McNeely/White House/Kevin Lamarque/Reuters
O ex-presidente dos Estados Unidos, Bill Clinton Imagem: Bob McNeely/White House/Kevin Lamarque/Reuters

João Fellet

Da BBC Brasil em Washington

16/04/2016 09h26

No fim de 1998, o então presidente dos Estados Unidos, Bill Clinton, se via diante de ameaça parecida com a que Dilma Rousseff se depara hoje. Clinton respondia no Congresso a um processo de impeachment, acusado de perjúrio e obstrução da Justiça após se envolver sexualmente com uma estagiária dentro da Casa Branca.

O americano foi condenado na votação na Casa dos Representantes (equivalente à Câmara dos Deputados), mas acabou inocentado pelo Senado e ficou no cargo até o fim do mandato.

Com seu pedido de impeachment já sendo analisado pela Câmara e enfrentando perspectiva desfavorável entre os deputados, poderia Dilma almejar o mesmo desfecho do caso de Clinton?

Analistas dizem que há diferenças nos dois casos que devem ser levadas em conta na comparação.

Quando sofreu o processo de impeachment, Clinton gozava de alta popularidade, e a economia dos Estados Unidos se expandia. Já Dilma tem hoje uma das piores avaliações entre todos os presidentes brasileiros, e o país vive uma grave crise econômica.

Outra importante diferença é o teor das acusações contra os dois.

Dilma enfrenta acusações de crime de responsabilidade fiscal - por conta das manobras para melhorar artificialmente as contas do governo, as "pedaladas fiscais" -, em pedido feito pelos juristas Helio Bicudo, Janaina Paschoal e Miguel Reale Jr.

Para o americano David Fleischer, professor de ciência política na Universidade de Brasília, os autores tiveram o cuidado de "evitar incluir outras acusações", como as citadas na delação do senador Delcídio do Amaral (ex-PT-MS), "com medo de que o Supremo as invalidasse".

Dilma diz que as pedaladas não justificam o impeachment e que outros presidentes - bem como governadores - se valeram do recurso para fechar suas contas.

Já as acusações contra Clinton, segundo Fleischer, se baseavam numa "questão semântica".

Indagado se havia mantido "relações sexuais" com a estagiária Monica Lewinski, Clinton negou. Posteriormente, porém, o sêmen do presidente foi encontrado na roupa de Lewinski.

Ele então admitiu ter recebido sexo oral da estagiária, mas disse que não considerava o ato uma "relação sexual" e que, portanto, não havia mentido.

A oposição, do Partido Republicano, denunciou-o por perjúrio (falso juramento) e obstrução da Justiça por dar respostas evasivas sobre o caso. "Em termos constitucionais, era uma acusação extremamente frágil", diz Fleishcer.

Outra diferença importante nos dois casos é o apoio de Dilma e Clinton no Congresso.

Quando o americano foi julgado pelo Legislativo, seu partido (Democrata) ocupava quase a metade das cadeiras na Casa dos Representantes e no Senado, o que o ajudou a enterrar o processo.

Já Dilma viu seu apoio encolher drasticamente nos últimos meses com a defecção de partidos da base governista e hoje tem a chancela de pouco mais de um quarto dos congressistas.

Além disso, diz o professor de Relações Internacionais da American University Matthew Taylor, o vice de Dilma, Michel Temer, pertence a um partido (PMDB) que defende o impeachment da presidente, enquanto o vice de Clinton era do mesmo partido que ele.

A posição do vice é decisiva no caso brasileiro, afirma Taylor, já que Dilma será afastada caso o Senado acolha o processo de impeachment, mesmo antes de julgar o mérito da denúncia.

Ou seja, Temer assumiria a Presidência antes do desfecho do processo e poderia negociar com o Congresso para garantir que Dilma seja de fato derrotada na votação final.

"Isso põe no caso brasileiro recursos na mão do vice-presidente que podem ser usados para influenciar a decisão do Senado", diz Taylor.

Apesar das diferenças, o professor afirma que nos dois casos "fica muito claro que o impeachment é baseado num cálculo mais político que jurídico".

Ele afirma que, assim como nos Estados Unidos jamais um presidente havia sido impedido por perjúrio, no Brasil nenhum presidente deixou o cargo por "pedaladas fiscais".

Em artigo recente, a revista Forbes diz que Dilma talvez não siga os passos de Clinton, mas sim os do presidente Richard Nixon.

Nixon caiu por envolvimento no escândalo do Watergate, quando um grupo a serviço de seu partido (Republicano) invadiu o escritório de um político rival para instalar grampos e fotografar documentos.

Acusado de obstruir as investigações sobre o caso, o presidente se via ameaçado de sofrer um impeachment, mas renunciou antes que o Congresso analisasse a denúncia.

"Dilma poderia dar uma de Nixon e renunciar antes que o processo de impeachment termine, preservando a reputação ao dizer que está ouvindo o povo e saindo 'pelo bem do país'", diz a Forbes.

A revista cita as declarações da presidente de que não renunciará, mas lembra que Fernando Collor deixou o posto antes do desfecho de seu processo de impeachment. "Se as cartas parecerem ruins, ela pode ter de descartá-las ou ir embora."