Topo

Temer pediu para rebater "discurso de golpe", diz tucano em missão nos EUA

O senador do PSDB-SP, Aloysio Nunes Ferreira, em ato pró-impeachment da presidente Dilma Rousseff - Mariana Topfstedt/Sigmapress/Estadão Conteúdo
O senador do PSDB-SP, Aloysio Nunes Ferreira, em ato pró-impeachment da presidente Dilma Rousseff Imagem: Mariana Topfstedt/Sigmapress/Estadão Conteúdo

João Fellet

Em Washington

19/04/2016 17h38

Em visita a Washington para se reunir com autoridades do Congresso e do governo americano, o senador Aloysio Nunes (PSDB-SP) diz que o vice-presidente Michel Temer (PMDB) lhe telefonou na véspera da viagem preocupado com a difusão do discurso de que "há um golpe em curso no país" e pedindo ajuda para desmontar a tese.

Presidente da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional do Senado, Aloysio afirma em entrevista à BBC Brasil que defenderá a legitimidade do impeachment em suas reuniões com as autoridades dos EUA. Até a quarta-feira, ele se encontrará com senadores e com o subsecretário de Assuntos Políticos do Departamento de Estado, Thomas Shannon, que serviu como embaixador no Brasil.

Segundo o senador -- que na eleição de 2014 concorreu como vice na chapa liderada por Aécio Neves (PSDB-MG) --, a visita já estava agendada há bastante tempo e apenas coincidiu com a votação do impeachment na Câmara.

Nas últimas semanas, representantes de organismos regionais e agências da ONU expressaram ressalvas quanto ao processo.

O secretário-geral da OEA (Organização dos Estados Americanos), Luis Almagro, disse que o impeachment era movido por "razões políticas oportunistas". Para o secretário-geral da Unasul (União de Nações Sul-Americanas), Ernesto Samper, o processo ameaça a segurança jurídica do Brasil e da região.

Nos anos 1960, Aloysio integrou ALN (Aliança Libertadora Nacional) e participou da luta armada contra a ditadura militar. Ele se filiou ao PSDB em 1998 e já foi eleito deputado estadual, vice-governador de São Paulo (na gestão de Luiz Antônio Fleury) e deputado federal. Em 2011, assumiu o posto de senador.

Confira a entrevista:


BBC Brasil - Por que o senhor cancelou o encontro que teria aqui em Washington com o secretário-geral da OEA?

Aloysio Nunes - Gosto de ter diálogo quando poderá resultar alguma luz. Creio que o diálogo com esse senhor não resultará luz nenhuma. Ele se transformou num propagandista desta tese que o PT vem sustentando, de que há em curso um golpe no Brasil.

O fato de o secretário-geral da OEA ter essa posição não deixa o Brasil numa situação delicada se o impeachment se concretizar?

Não. Tenho certeza de que outras declarações absolutamente bizarras dele fazem com que as posições dele sejam muito pouco levadas a sério mesmo dentro da organização da qual é secretário-geral.

Outras organizações, como a Unasul, alguns órgãos da ONU e membros do Mercosul também expressaram ressalvas ao processo de impeachment. O Brasil corre o risco de sofrer sanções, como as aplicadas ao Paraguai quando houve a deposição do presidente Fernando Lugo, em 2012?

De modo algum. Com a exceção da linha defendida pelo PT, toda a opinião pública brasileira, o mundo jurídico, a Ordem dos Advogados do Brasil, todos consideram que o processo é legítimo. Quem comete crimes num Estado de Direito tem de ser punido. A presidente cometeu crimes de responsabilidade e tem de sofrer a punição prevista na lei, que é a perda de mandato decretada pelo Congresso.

O senhor conversou com vice-presidente Michel Temer sobre a visita?

Conversei pouco antes de vir, quando ele manifestou preocupação com esse tipo de orquestração promovida pelo governo brasileiro, que é profundamente lesiva aos interesses permanentes do país.

Uma das coisas que nos distinguem de muitos desses Brics (bloco formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) e outros que concorrem conosco por investimentos internacionais é ser um país onde as instituições democráticas funcionam normalmente, os direitos são respeitados, a imprensa é livre, há segurança jurídica.

Foi Temer quem pediu que o senhor fizesse a viagem, conforme circulou na imprensa?

Isso é um delírio completo. Já tinha programado a visita. Ele me telefonou preocupado com essa campanha e perguntou o que a Comissão de Relações Exteriores do Senado poderia fazer a respeito. Ele manifestou preocupação e indignação com declarações desses dois personagens, Almagro e Samper.

Informei que a comissão havia discutido uma carta de repúdio às últimas declarações do Samper e que continuaríamos na linha de esclarecer a real situação política do Brasil hoje. Também informei que já tinha programado a viagem aos EUA e iria tratar desses assuntos com meus interlocutores.

Em março de 2015, o senhor disse que não queria Temer presidente, que o senhor preferia "sangrar Dilma". O que mudou de lá para cá?

Não disse que não queria Temer presidente, disse que nosso papel na oposição não era derrubar a presidente, promover uma mudança de governo naquele momento, mas simplesmente fazer oposição. Sangrar no sentido de combater, fazer vigilância ao governo.

De lá para cá o que houve foi um agravamento da crise e a evidência dos crimes que (Dilma) cometeu. Já no final de 2015 eu sustentava a tese de que ela havia cometido crimes de responsabilidades e o remédio para isso seria o impeachment.

Ao votar pela abertura do processo, quase nenhum deputado citou o ponto central da denúncia, as pedaladas fiscais. Ela não está sendo derrubada por outros motivos que não constam do processo?

Quando um deputado vota, está exprimindo a posição que recolhe das suas bases. Seus eleitores dizem que este governo provocou uma crise sem precedentes, maior que a de 1929. Em dois anos, o PIB per capita diminuiu mais de 9%.

Isso cria situação de muita rejeição ao governo, que o deputado exprime na hora de proferir voto. Ele não é juiz. Se o impeachment fosse resultado de um processo puramente jurídico, seria julgado pelo Poder Judiciário, não pelo Congresso. O delito é político-jurídico, mas a base jurídica existe. As pedaladas fiscais foram comprovadas pelo Tribunal de Contas da União e reconhecidas pelo (ex-)ministro da Fazenda Joaquim Levy.

O governo diz que gestões anteriores e governos estaduais -- inclusive do PSDB -- também fizeram pedaladas e não foram derrubados.

É pura mentira. Houve realmente no governo Lula e no governo Fernando Henrique, durante alguns meses, um pequeno descasamento entre o momento em que os bancos públicos faziam despesas para financiar alguns programas sociais e o momento em que o banco recebeu o dinheiro do Tesouro. O montante total no governo FHC foi de R$ 500 milhões, no de Lula, a mesma coisa. Com Dilma foram R$ 57 bilhões.

Ao votar, o deputado Jair Bolsonaro (PSC-RJ) exaltou os militares de 1964 e o coronel Brilhante Ustra, condenado por tortura e sequestro. O senhor, que militou contra a ditadura, sente algum desconforto com a visibilidade que figuras como Bolsonaro ganharam ao longo do processo de impeachment?

Evidentemente não gosto dessa companhia. Mas é um segmento extremamente minoritário da opinião pública. Hoje a grande maioria do povo quer um governo decente, democrático, que respeite a liberdade de imprensa, a transparência na gestão pública, que reconheça as leis do mercado.

Bolsonaro não sai fortalecido? Ele tem despontado nas pesquisas.

Ele despontaria de qualquer maneira. Existe uma corrente de opinião de extrema direita no Brasil como existe nos EUA, França, Espanha, Itália e outros países. Mas é extremamente minoritária. Prefiro que se manifeste no processo político-eleitoral do que em ações de algazarra, de confrontação, de esquadrões fascistas.

Mas achei muito pitoresco também representantes do PT evocarem a luta contra a ditadura quando partidos e personagens que apoiaram a ditadura com todo entusiasmo integravam o governo do PT até a véspera da votação do impeachment. Era gente que estava lá, bem instalada, com postos importantes. Aliás, o partdo do Bolsonaro integrava a base política do governo.

O PSDB considera participar do governo Temer com cargos?

O PSDB apoiou o impeachment, deu 100% dos votos na Câmara e dará 100% dos votos no Senado. Diante disso, não pode simplesmente lavar as mãos, dar as costas e dizer que não tem nada com isso. Tem sim: é responsável pela situação que vai se criar a partir da perda do mandato.

Penso que o PSDB deve se esforçar para contribuir de todas formas que puder para que o governo Temer dê certo. Agora, se vamos participar ou não, depende muito daquilo que o governo Temer sinalizar que vai fazer.

Quais são as condições para o apoio?

Reforma política - com adoção do voto distrital, medidas que inibam a proliferação de partidos e que levem ao barateamento das campanhas - e o apoio à Lava Jato são essenciais. Somos a favor de uma despolitização das agências reguladoras, da simplificação do sistema tributário, um amplo programa de concessão de serviços públicos, e propomos uma política externa diferente dessa.

O governo brasileiro pratica uma política externa do PT, não do Estado brasileiro. (Propomos) um desalinhamento com os regimes bolivarianos da América do Sul e Central, e o prestígio ao Itamaraty como centro organizador e formulador da nossa política externa.

Qual papel os EUA ocupam nessa estratégia?

O PT, durante muito tempo, fez política externa baseado numa convicção de que os EUA eram uma potência decadente, um país imperialista, e era preciso então que o Brasil se alinhasse a um novo bloco. Isso levou a um desvirtuamento do Mercosul, que de bloco econômico visando a facilitar trocas comerciais e investimentos se transformou em plataforma política. E levou a um alinhamento com países como Venezuela, Equador, Bolívia, com prejuízos de interesses brasileiros.

Nós queremos mudar isso. Os EUA têm de ser um grande parceiro nosso. Temos de trabalhar para que o Brasil se integre nas correntes comerciais mais volumosas, profícuas e diversificadas, para promover acordos de livre comércio bilaterais. Inclusive com os EUA. Já existe algo sendo esboçado. Penso que a partir da visita da presidente Dilma houve um descongelamento das relações numa linha que considero positiva.

O jornalista americano Glenn Greenwald, que mora no Brasil, escreveu que por trás de sua visita há um "desejo de mover Brasil para mais perto dos EUA e torná-lo mais flexível diante das empresas internacionais e medidas de austeridade".

Esse sujeito está delirando. Vim aqui para cumprir uma agenda e a presença coincidiu com fato marcante, que é o impeachment. E seguramente, conversando com políticos americanos, não vou poder fugir de tratar desses assuntos e nem quero. Quero trabalhar no sentido de esclarecer as pessoas diante de opiniões desinformadas como as desse senhor.

Alguns disseram que não pode ser coincidência o fato de que a visita ocorra no dia seguinte à votação.

É coincidência.

Circulam também em alguns veículos comentários de que os EUA teriam interesse e estariam agindo nos bastidores em favor de uma troca de governo no Brasil.

A única manifestação do governo americano em relação ao Brasil foi uma manifestação ponderada e correta do presidente (Barack) Obama. Ele disse que o Brasil é um país onde se respeita a Constituição e a Constituição dá o marco para a solução de conflitos políticos. É uma opinião com a qual concordo e que é a opinião da grande maioria dos brasileiros.

Fala-se que o passo seguinte ao impeachment será uma operação abafa da Lava Jato -- o que seria inclusive um interesse seu, já que o senhor foi citado na delação do dono da construtora UTC, Ricardo Pessoa.

A Lava Jato é inabafável, é um trem descarrilado, um trem em alta velocidade, que vai continuar assim. E é bom que continue assim.

A tese de que o impeachment é uma armação para acabar com a Lava Jato tem sido repetida pelos setores mais radicais do PT mediante aquela técnica de repetir uma mentira até que se transforme em verdade.

No meu caso, estou absolutamente confiante de que essa acusação cairá por terra. Fui o principal interessado na elucidação dos fatos. Procurei o diretor-geral da Polícia Federal para ser ouvido. Os depoimentos colhidos até agora são amplamente favoráveis a mim, inclusive do próprio empresário, que num primeiro momento disse que tratou comigo do financiamento da minha campanha e depois, em depoimento formal na Justiça, voltou atrás dizendo que nunca tinha tratado desse assunto comigo.

O presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), tinha credibilidade para conduzir o impeachment?

Ele tem essa função. É o presidente da Câmara e será presidente da Câmara até fim do ano.

As denúncias contra ele não tornam sua posição insustentável?

O que está sendo julgado no impeachment não é o presidente da Câmara, é a presidente Dilma Rousseff. Ela cometeu delitos que são próprios da Presidência da República. Chegará a vez do Eduardo Cunha.

Quando chegar a vez dele, o que o senhor acha que deverá ocorrer?

Ele deve ser cassado -- se comprovadas as denúncias que foram feitas contra ele, como parece que serão.

Michel Temer tem condições de presidir o país?

Eu o conheço há 50 anos. Ele é muito experiente em matéria política. Foi presidente da Câmara três vezes e é o presidente há muitos anos do maior partido brasileiro, o PMDB. O partido tem muitas facções, e ele vem se mantendo como presidente, o que demonstra sua capacidade de somar. Nós precisamos disso hoje no Brasil: formar um governo de ampla coalizão, capaz de ter força política para enfrentar os problemas que temos pela frente.

É um homem ponderado, de diálogo, capaz de agregar, e com profundo respeito pelas formas jurídicas, o que também é muito importante hoje. E também um homem que, nesta altura da vida, seguramente haverá de ser sensível a esse sentimento predominante na sociedade brasileira que rejeita o populismo, quer governo transparente, de gente competente, um governo que não se acumplicie com a corrupção.

As citações a Temer na Lava Jato não o complicam?

Não houve nenhuma investigação em relação ao Michel Temer. Nenhuma.