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Para Cardozo, eleição antecipada só seria possível se Dilma e Temer concordarem

Cardozo considera a proposta de antecipar eleição, sem consentimento de Dilma e Temer, inconstitucional - Eraldo Peres/AP
Cardozo considera a proposta de antecipar eleição, sem consentimento de Dilma e Temer, inconstitucional Imagem: Eraldo Peres/AP

Mariana Schreiber

Em Brasília

29/04/2016 10h09

O advogado-geral da União, José Eduardo Cardozo, considera que só seria possível aprovar no Congresso a realização de eleições presidenciais antecipadas se a presidente Dilma Rousseff e seu vice, Michel Temer, aceitassem abrir mãos dos seus mandatos.

Sob essa condição, ele não vê "obstáculo jurídico" para a aprovação de uma emenda constitucional autorizando o novo pleito.

É improvável que isso ocorra. O próprio Temer disse essa semana que considera um "golpe" antecipar as eleições, indicando não ter pretensão de renunciar.

Dilma também já deu diversas declarações dizendo que jamais renunciaria, mas, diante da iminente aprovação do seu afastamento pelo Senado, parte da base governista tem defendido que ela mude de posição e proponha eleições diretas.

Na semana passada, 29 senadores assinaram uma proposta de emenda constitucional (PEC) para a realização de eleição presidencial em outubro.

"Eu não tenho emitido minha opinião [sobre antecipação das eleições] porque é uma discussão que diz respeito ao posicionamento da presidenta. Eu apenas digo que, caso se pretenda fazer uma nova eleição, eu não vejo obstáculo jurídico, desde que as pessoas que têm mandato concordem com isso."

"Porque se as pessoas não forem abrir mão de seus respectivos mandatos, não há juridicamente condição de aprovar", acrescentou.

Com essa declaração, Cardozo indica considerar a proposta de antecipar eleição, sem consentimento de Dilma e Temer, inconstitucional.

A Constituição brasileira já prevê a convocação de eleições presidenciais diretas no caso dos cargos de presidente e vice ficarem vagos antes da conclusão da metade dos seus mandatos. Dessa forma, se Dilma e Temer renunciassem ainda este ano, seria possível realizar o pleito.

O mesmo aconteceria se o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) decidir ainda em 2016 cassar a chapa presidencial eleita --no momento, a corte analisa denúncia do PSDB com acusações de irregularidades na campanha de Dilma e Temer, mas a tendência é que o desfecho do julgamento ainda demore.

Nesses dois cenários, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, assumiria a Presidência do país e convocaria a realização de eleição em 90 dias.

A hipótese levantada por Cardozo envolveria uma solução que não passaria pela posse de Cunha como presidente. O deputado é réu em processo no STF, acusado de corrupção passiva e lavagem de dinheiro.

"Se houvesse uma renúncia pura e simples, assumiria o terceiro [da linha sucessória] até convocar novas eleições, que seria o Eduardo Cunha. Não é bem isso, não, acho [que as pessoas querem]", disse Cardozo.

"Não seria uma renúncia coletiva [de Dilma e Temer]. Se houver aprovação de emenda constitucional, você [concorda e] abre mão do seu mandato", conjecturou.

Questionado pela BBC Brasil se a antecipação da eleição, defendida hoje por parte do PT, não traria mais instabilidade ao regime democrático, o ministro respondeu: "Eu tenho uma opinião pessoal, mas aí eu acho que a presidenta que tem que opinar. Seria muito ruim que membros do governo dessem sua opinião a respeito".

Já o presidente do PMDB, o senador Romero Jucá, político próximo de Temer, também disse nesta semana que a convocação de eleições antecipadas seria um golpe.

Segundo ele, encurtar mandatos de pessoas eleitas fere cláusula pétrea da Constituição - artigos que não podem ser alterados nem por emenda constitucional.

Nesse caso, uma decisão do Supremo Tribunal Federal poderia até mesmo derrubar eventual aprovação de emenda constitucional pelo Congresso.

Defesa de Dilma

A expectativa é de que o Senado aprove na segunda semana de maio a abertura de processo contra Dilma. Com isso, a presidente ficaria afastada enquanto ocorre o julgamento, e Temer assumiria o comando do país.

À BBC Brasil, Cardozo adiantou que pretende continuar defendendo Dilma em um eventual julgamento, sem cobrar honorários.

No entanto, para isso, precisará que a Comissão de Ética Pública da Presidência da República o libere de cumprir uma quarentena de seis meses sem advogar privadamente, após deixar o governo. Os integrantes do órgão cumprem mandato de três anos e, portanto, Temer não poderia alterar sua composição imediatamente.

Recentemente, o comitê recusou pedido semelhante feito pelo antecessor de Cardozo, Luís Inácio Adams, para trabalhar em um escritório de advocacia que tinha causas contra a União. Por outro lado, autorizou ex-ministro da Fazenda Joaquim Levy a assumir um cargo de diretor financeiro do Banco Mundial.

"Se isso (a abertura de processo contra Dilma) eventualmente acontecer, eu vou pedir uma autorização ao comitê de ética para que possa pegar essa causa. É uma causa que eu já estou atuando. Eu não pegá-la seria um prejuízo à defesa, não uma vantagem para mim", disse.

"Não cobraria nada dela", acrescentou.

Após concluir a defesa de Dilma, Cardozo contou à BBC Brasil que não pretende se candidatar a cargos políticos.

"A minha ideia, ao terminar minhas atividades no governo, é retomar a minha vida acadêmica. Eu continuo dando aula ainda, mas (quero) retomar com mais força. E me dedicar à advocacia e a minha tese (de doutorado) que estou fazendo em Salamanca, na Espanha".

"Esse tipo de coisa que eu gostaria de fazer. Então, não está no meu horizonte disputar nenhum cargo eletivo, não".

A tese de Cardozo é sobre a crise da separação de Poderes no século 21.