Topo

Sucesso de Olimpíada e impeachment podem ser saída para polarização no Brasil, diz economista

Ingrid Fagundez - Da BBC Brasil em São Paulo

29/08/2016 16h43

O atraso do Brasil pode ser sua chave para tornar-se um modelo no futuro. Quando o mundo desenvolvido esgotar os recursos naturais e humanos com um modo de vida cada vez mais competitivo, culturas que oferecem o apreço pelo momento e a alegria perene vão se destacar. Aí será a hora do Brasil.

Essa análise está no livro Trópicos Utópicos, lançado pelo filósofo e economista Eduardo Giannetti em meados deste ano. Em 200 páginas, Giannetti fala dos muitos problemas do mundo - destruição da biosfera, distúrbios mentais, corrida pelo crescimento econômico - para, então, trazer o país como uma alternativa.

  • Para 87% dos brasileiros, país está no rumo errado, mas pessimismo diminui, diz pesquisa
  • Após discurso de 'golpe', Dilma responde questionamentos de senadores

Em entrevista à BBC Brasil logo após o fim da Olimpíada, quando a identidade nacional foi celebrada por bilhões de pessoas, o escritor diz que o brasileiro ainda é "hipersensível" à opinião de americanos ou europeus. Ele afirma, no entanto, que o evento teve um impacto importante na imagem que temos de nós mesmos e ajuda a pavimentar o caminho rumo à "civilização brasileira".

"Ela (a Olimpíada) mostrou que o país está vivo, mesmo numa circunstância adversa na economia, na política, com desemprego. Teve o dom de mostrar que temos muito a oferecer a nós mesmos."

Apesar de ressaltar que o livro trata dos elementos permanentes da cultura, e não do momento "sombrio" do Brasil, Giannetti vê com otimismo nosso futuro político e econômico. Conselheiro de Marina Silva nas eleições de 2014, ele considera que o afastamento definitivo da presidente Dilma Rousseff e o sucesso dos Jogos podem acabar com a polarização, permitindo que o país avance.

"(O impeachment) vai ser importante porque consolida uma situação que é transitória e reduz o espaço para essa polarização burra."

Sobre a economia, Gianetti, um dos nomes mais respeitados da área, diz que a equipe de Temer pode ajudar a arrumar as contas do Estado brasileiro. No entanto, ressalta o filósofo, o papel do país no longo prazo é fornecer uma alternativa à competição econômica no mundo ocidental.

Leia a seguir os principais trechos da entrevista.

BBC Brasil - Um comentário de Caetano Veloso na contracapa de Trópicos Utópicos diz que o livro é "um dos mais belos escritos sobre o Brasil". E ele nem é propriamente sobre o Brasil. Por que falar dos principais problemas do mundo antes de entrar no país?

Eduardo Giannetti - Queria chamar atenção para o subtítulo do livro: uma perspectiva brasileira da crise civilizatória. É importante para a utopia brasileira ter uma visão clara de quais são os problemas do Ocidente, que fazem relevante a existência de uma alternativa como o Brasil.

Para pensar o Brasil no mundo, você tem que ter uma visão do mundo. Não pode ficar fechado, falando só da história do país. Tem que olhar quais são os problemas desse mundo que quer nos fazer parecido com ele, porque o Ocidente, principalmente no modelo americano, tem essa visão de que todos querem ser como eles. É importante ter um diagnóstico do que há de errado para que uma utopia possa adquirir relevância.

BBC Brasil - Você fala de duas visões sobre o Brasil: a mimética, que busca o modelo de americano ou europeu como referência, e a profética, que vê o país como uma alternativa no futuro. Como o brasileiro costuma pensar seu país?

Eduardo Giannetti - O brasileiro é hipersensível à opinião que o cidadão do norte desenvolvido tem sobre ele. Os economistas brasileiros quase integralmente são adeptos da visão de que temos que ser como eles (as nações desenvolvidas) e que, se fizermos tudo direitinho, chegaremos lá. Demorei muito tempo para me dar conta de que não compartilho dessa visão.

O mundo em que sonho em viver é um mundo no qual as culturas que têm centro de gravidade possam florescer com seus valores. Países como México, Índia e Brasil têm que buscar narrativas para não se renderem e não se deixarem descaracterizar por uma cultura que se mostrou extremamente poderosa e capaz de conquistar a imaginação das pessoas.

Uma coisa que me irrita muito é essa ideia, que perpassa a cultura americana, de que todos estão tentando ser como eles. É uma exacerbação do elemento competitivo da vida em detrimento do elemento contemplativo, que essas culturas não-ocidentais (como a brasileira) preservam de maneira plena e bela.

BBC Brasil - No livro, você fala da devastação da bioesfera, mas também da devastação da nossa "natureza interna". As pessoas estariam esgotadas física e mentalmente. No Brasil isso é diferente?

Eduardo Giannetti - (No Brasil), até pelo nosso relativo atraso, nosso psiquismo está menos devastado do que nos países altamente desenvolvidos, que foram muito mais disciplinadores e exigentes para conformar as pulsões psíquicas do ser humano a uma ordem racional extremamente competitiva.

Isso dá uma relativa vantagem ao Brasil e está muito ligado à permanência de elementos africanos e indígenas na nossa convivência, que resistem a esse padrão de altíssima pressão.

Assim como o domínio da natureza gera efeitos indesejados, o grau de exigência interno do ser humano também gera efeitos colaterais. Os números de transtornos mentais nos países altamente desenvolvidos são preocupantes. Você tem incidência de depressão, de transtornos de ansiedade, que parecem estar aumentando violentamente.

BBC Brasil - A Olimpíada pode ajudar essa visão do Brasil como país do futuro a florescer?

Eduardo Giannetti - Ela mostrou que o país está vivo, mesmo numa circunstância adversa na economia, na política, com desemprego, com a perda da confiança. A Olimpíada teve o dom de mostrar que o (elemento) permanente da cultura está vivo e que temos muito a oferecer a nós mesmos.

BBC Brasil - Pergunto sobre o evento porque há uma necessidade de entender o peso dele para o futuro do país...

Eduardo Giannetti - A cultura brasileira é muito efusiva e desmemoriada. Vive momentos de êxtase e daqui a três semanas aquilo passou.

BBC Brasil - Vai ser o caso da Olimpíada e desse momento de euforia?

Eduardo Giannetti - Inevitavelmente será. Mas vai ficar na memória das pessoas que aquele foi um momento grandioso do nosso país e da nossa cultura. Mas já aprendi que o Brasil tem uma imaginação muito volátil.

A gente vive alternâncias de euforia e desencanto com regularidade desde a Segunda Guerra Mundial: os cinquenta anos em cinco de JK e a ditadura militar; o milagre econômico e a década perdida.

O Brasil atravessou bem a crise, reduziu a desigualdade, estava num momento que parecia irresistível. E de repente ruiu ridiculamente. A partir do segundo mandato de Lula e, depois, com Dilma, metemos os pés pelas mãos. Agora, são as cicatrizes desse revés, e a Olimpíada, de certa maneira, ajuda a virar a página.

Com a finalização do impeachment e o sucesso da Olimpíada talvez a gente consiga sair dessa polarização que o país viveu a partir da derrocada do projeto de poder do PT.

BBC Brasil - O evento esportivo afeta de alguma forma o processo de impeachment?

Eduardo Giannetti - Não acho que afeta na dinâmica do processo, até porque o próprio PT já rifou a Dilma. No caso dela, a não ser que alguma coisa muito fora da perspectiva aconteça, não tem mais possibilidade de retroceder. Agora, vai ser importante porque consolida uma situação que é transitória e reduz o espaço para essa polarização burra.

Uma coisa muito curiosa nessa polarização é que as pessoas esquecem que o Temer é a continuidade do governo Dilma. Foi ela que escolheu se aliar a esse grupo do PMDB para ganhar a eleição. Quem inventou o Temer foi a Dilma, o Temer não veio de outro planeta. E se ela ficasse doente? Ia ser Temer. Iam estar falando, berrando?

BBC Brasil - Em entrevistas no ano passado você dizia que não havia nada no horizonte que indicasse uma recuperação econômica. Isso mudou com Henrique Meirelles na Fazenda?

Eduardo Giannetti - Nessa época às vezes alguém me perguntava se eu estava vendo a luz no fim do túnel. Respondia que não estava vendo nem o túnel. Agora vejo um túnel, um caminho, que não é a solução. Não existe essa solução definitiva, mas acho que temos uma possibilidade de começar a reverter o descalabro das contas públicas no Brasil.

O primeiro e importantíssimo passo para isso é a aprovação da PEC (Proposta de Emenda Constitucional) do gasto público, que deve ser votado no final de novembro.

BBC Brasil - E, nesse cenário, como o processo impeachment afeta a recuperação econômica do país?

Eduardo Giannetti - Se o impeachment não for aprovado, a gente vai entrar numa zona de turbulência imprevisível. Fuga de capitais... é grave mesmo. Vai se criar uma incerteza muito grande. Todo esse quadro que a gente está delineando, está assumindo como dado o impeachment.

BBC Brasil - O momento econômico e político é difícil, mas estaríamos nos aproximando da ideia de "civilização brasileira", do exemplo do Brasil para o mundo, que você cita em seu livro?

Eduardo Giannetti - A gente não pode perder a esperança de que isso aqui faz sentido como cultura. Senão vira aquilo que o Dostoiéviski fala, material para diversão dos antropólogos e de turistas. Tenho forte convicção de que, não obstante todas essas circunstâncias, o Brasil está construindo um caminho. Não é uma autoestrada, é uma coisa cheia de momentos de recuo, mas vejo o Brasil caminhando.

O mundo ocidental vai precisar de alternativas por que o caminho que eles oferecem não é universalizável, a começo de tudo pela questão ambiental. E países que têm outra compreensão da vida, menos calcada no sucesso econômico, vão ser valorizados, porque foi longe demais a dominância do critério econômico.

A grande utopia, no fundo, é tirar essa dominância do econômico e cultivar outros valores ligados a relações pessoais, à afetividade, à capacidade de desfrutar a vida.